Prefácio ao livro «Mitos, ritos e símbolos – introdução à antropologia do sagrado», de Fernando Schwarz, das Edições Nova Acrópole.

«O coração humano, ainda não se revelou completamente a si mesmo, nem ainda atingimos, nem sequer compreendemos, toda a amplitude dos seus poderes.» – H.P. Blavatsky (Ísis sem Véu)

É uma alegria e uma honra apresentar ao público de língua portuguesa, pela primeira vez, esta obra do professor Fernand Schwarz, antropólogo e director do Instituto Internacional de Antropologia Hermes.

Mitos, ritos, símbolos… é um novo enfoque, revolucionário, se assim o podemos dizer, do modo de fazer antropologia. Até agora, como na enganosa pirâmide Maslow, acreditávamos que o ser humano não pode pensar nem se adentrar no Sagrado até que tenha passado por todos os degraus anteriores que incluem boa comida, relações sentimentais apropriadas, lugar numa estrutura social e auto-estima. Logo a seguir, como uma flor que sai desse barro cada vez mais limpo, a «consciência de si», e a partir daí, o acesso ao Sagrado para os poucos privilegiados que não sucumbiram no caminho. A realidade é muito outra, e como Segismundo, o personagem fatídico de Calderón de la Barca, a reflexão sobre o sentido da vida, ou sobre se esta é como um sonho e o destino como um mandato de Deus, vive mesmo naquele que está prisioneiro numa gruta desde criança.

Do mesmo modo, a humanidade. Até há poucos anos, pensávamos que a relação com os Deuses, e a criação de Templos para a Eles aceder, seria o último degrau de uma escada que começa com o nascimento da agricultura e a fixação dos aglomerados humanos em cidades. Hoje, depois da surpreendente descoberta de Göbekli Tepe, edificado há 11.500 anos por sociedades de caçadores-recolectores, sabemos que não é assim. A religião não foi um luxo dos que tinham o estômago cheio. A religião é o alfa e o ómega da condição humana. Existe desde o princípio da sua «humanização» (o autor previne-nos que não devemos confundir com «hominização», que é somente morfológica), e persiste durante e enquanto sejamos tais e tenhamos a capacidade de assombro face ao mistério, tal como menciona Aristóteles na sua Metafísica. Deste modo, a Antropologia deve começar, e ser fundamentalmente, «do sagrado», dado que a simbolização é o processo-raiz da nossa «substância» humana. E um símbolo, entranha, como dizia H. P. Blavatsky (1831-1891), a percepção de uma qualidade divina na natureza, o símbolo abre uma janela à sua luz e verdade, e constitui-se no verdadeiro suporte da mesma.

Capa do livro de Fernando Schwarz, Edições Nova Acrópole.

Este livro converte-se, assim, num verdadeiro manual desta Antropologia, que podemos chamar de nova, porque nova emerge do materialismo e reducionismo estéril em que tinha sido sepultada há vários séculos. O pensamento ocidental tem suportado desde considerar diabólico até há duzentos anos tudo aquilo que se afastasse da letra morta da Bíblia, à redução do homem a uma só dimensão, a da sobrevivência animal, e numa exploração dos mais fortes aos mais desfavorecidos, um darwinismo social mais ou menos encapotado. Hoje, autores como Mircea Eliade, Gilbert Durand, o professor Jorge Ángel Livraga e o próprio Fernand Schwarz, discípulo destes três, e muitos outros, fizeram renascer a Antropologia do limbo ou pesadelo, que fazia que ao estudar as antigas civilizações, déssemos mais importância às latrinas do que aos átrios dos templos ou inclusivamente que ao seu Sancta Sanctorum, ou que às bibliotecas ou ateliers de arte. Víamos o ser humano ao avesso, de cabeça para baixo virada para o abismo.

Nasce um novo paradigma, que volta a atribuir uma importância crucial à imaginação. A lógica do vivente despoja-se da carcere do princípio do terceiro excluído, de carácter tão aristotélico. O homo sapiens deixa de ser um simples homo faber com vaidades de básica abstração e converte-se num homo symbolicum, e num autêntico homo religiosus co-partícipe na obra divina de manter a Ordem cósmica, o Ṛta hindu, que esta civilização vinculava também ao elixir da imortalidade. O reino da imaginação em que vivem os mitos e símbolos, e que se tornam operativos e poderosos com os ritos, converte-se em espaço de uma geografia sagrada (Henry Corbin). Estudam-se as estruturas próprias desta imaginação (Gilbert Durand). Desenvolve-se uma hermenêutica do sagrado (Mircea Eliade), sai-se da prisão do «demasiado simples», do reducionismo e estuda-se a irrupção de uma mentalidade complexa, com toda uma matriz de parâmetros que conformam, naturalmente, o humano a partir da dimensão da sua consciência unitária (Edgar Morin). Assim, como a Grande Pirâmide no Planalto de Gizé, o sagrado apresenta-se com as suas quatro faces: arquétipos, mitos, símbolos e ritos. A hierofania, como um sol ofuscante que corporiza as suas formas no horizonte humano-sagrado, cria o Axis Mundi, converte-se no Pólo que faz girar o mundo, no infinito para onde vão todas as flechas da vontade humana, essencialmente religiosa, operativamente mágica. Como dizia o filósofo matemático Téon de Esmirna, a teofania e amizade com os Deuses é o «regresso a Casa», a suprema conquista e aprendizagem da alma humana, ela própria um Deus, embora ainda arda, sofrendo todavia no mundo. Os heróis, que chegam a tal, como filhos e mediadores com estes Deuses, convertem-se em pais ou irmãos maiores da nossa condição humana. Nesta nova Antropologia, presente e explicada neste livro-manual, Hermes não é simplesmente um logotipo, uma etiqueta para assim falar do humano. Sente-se a sua voz e os ventos sagrados em que vem desde o Mistério, como os murmúrios longínquos de um bosque sagrado, que se adentram, fecundos, na alma daquele que quer de verdade compreender o sentido íntimo do que é humano, do seu coração e mente.

Bem-vindo, então, tu, a esta «Casa da Vida», que é todo o verdadeiro conhecimento transformador.