Uma parte importante do mundo – o nosso mundo – vive à custa dos meios de comunicação social. Não é a maioria, mas em todo o caso é aquela que tem suficiente peso para atrair a atenção geral e tornar-se no centro dos acontecimentos.
E mais: se a história do nosso tempo tivesse que ser escrita e o enfoque histórico dependesse dos meios de comunicação, seriam contados alguns factos que dizem respeito às zonas do planeta e aos países que governam o destino de toda a humanidade, ou seja, que se falaria de poucos em detrimento de muitos que, como é habitual, permaneceriam na triste sombra do anonimato, nas trevas do desinteresse e do egoísmo. O curioso é que o egoísmo e o desinteresse não são naturais no coração do homem comum, mas crescem sob a asa da informação que lhe é oferecida, imitando inconscientemente as personagens que assim agem, podendo fazê-lo de outra maneira.
Muitas vezes foram feitas tentativas para mudar o mundo, e este século não ficou imune a essas tentativas. Em cada momento, individual ou coletivamente, um meio ou outro foi utilizado para alcançar essa mudança; e agora vemos que, apesar dos esforços de alguns e da hipocrisia de muitos, as coisas permanecem as mesmas. Por outras palavras: a única igualdade que conseguimos é que as coisas continuem como antes; que persistem a desigualdade, a injustiça, a exploração dos fracos em todos os sentidos, a corrupção e que as minorias continuam a determinar o curso da história ou, pelo menos, o que nela é contado.
É aqui que entram em jogo os meios de comunicação social, o papel que poderiam desempenhar e o que desempenham maioritariamente.
Os meios de comunicação
Sem chegar a definições profissionais, recorreremos a enciclopédias e dicionários que, em ocasiões como esta, nos ajudam a regressar à origem das palavras, dos conceitos, e a compará-los com a sua trajetória, uma curva curiosa que vale a pena ter em conta.
Meios de comunicação: órgãos dedicados à informação pública
Comunicação: ação e efeito de comunicar e comunicar-se. E, entre outras aceções, transmissão de sinais através de um código comum ao emissor e ao recetor.
Comunicável: aquilo que pode ser comunicado ou é digno de comunicação.
Comunicar: tornar outro participante daquilo que se tem. Descobrir, manifestar ou tornar algo conhecido. Consultar, conferir com outras pessoas sobre um assunto, ouvindo a sua opinião.
Destas poucas e simples explicações pode-se deduzir que os meios de comunicação devem divulgar publicamente as coisas que são dignas de comunicação, que devem fazer com que as pessoas participem nas suas descobertas ou nas coisas que sabem, e até refletir as opiniões dos outros. Que devem existir elementos comuns entre quem emite a informação e quem a recebe, para que possa ser compreendida.
É isso que temos? É assim que nos relacionamos com os meios de comunicação que, hoje, englobam todo o material escrito, visual, audiovisual, auditivo, informático e cibernético?
Obviamente que não; a realidade tornou-se muito mais complexa, ou o que acreditamos ser a realidade é alguma outra coisa, habilmente disfarçada para proporcionar uma satisfação momentânea, um alívio, uma evasão ou uma manipulação…
Os meios de comunicação informam o público, é verdade; mas quais são as características dessa informação? A que público se dirigem? O que querem, afinal?
A comunicação
O que esperamos e queremos é que a informação cumpra o requisito de comunicar e que também nos permita comunicar uns com os outros. Como dissemos antes, a ação e o efeito de comunicar e de se comunicar.
Aqui devemos parar por um momento: temos a ação ao nosso alcance, especialmente nas regiões mais favorecidas pela fortuna, onde existem muitas revistas, jornais, estações de rádio e televisão, sistemas sofisticados de comunicação à distância, computadores, informatização de dados, telefones de todos os tipos.
E os efeitos?
A ação é tão avassaladora e ultrapassa-nos a tal ponto que o efeito não tarda a chegar. Geralmente não sabemos o que escolher, o que ver, o que ler, que dados acumular. Como nasceram o “zapping” televisivo, a “navegação” na Internet, a leitura rápida e superficial, a saturação de notícias a ponto de esquecê-las ou não lhes dar a importância devida. Quando estamos fartos ou aborrecidos, tudo, até os maiores dramas, nos deixam fartos. “Uf, outro assassinato; não sei onde iremos parar!”.
Não me lembro exatamente – efeitos da informação de massa – de onde vem esta história; provavelmente de algum livro onde são narradas as aventuras de um viajante oriundo de uma povoação antiga, simples e distante da “civilização”, impactado pelos modos de vida do Ocidente. Este homem vem dizer que deste lado do mundo somos todos loucos; temos tanta informação que as visitas de casa em casa já não servem, porque não temos nada para contar uns aos outros, nada em que participar. E este é outro efeito pernicioso; A comunicação anula a possibilidade de nos relacionarmos uns com os outros, a não ser comentar superficialmente o que todos já sabemos. A conversação foi substituída pelo mexerico; o pensamento, pela repetição robotizada daquilo que vemos e ouvimos, enfim, daquilo que recolhemos nos meios de comunicação.
Não existe a tal comunicação: sabe-se muitas coisas, mas talvez sejam mal conhecidas; são conhecidas, mas distorcidas; há uma massificação de notícias que não cumprem o seu propósito: não estamos plenamente informados nem somos capazes de comunicar de forma saudável com os outros. As pessoas fogem do mundo e isolam-se cada vez mais para se tornarem recetáculos daquela enorme quantidade de dados que não contribuem para a cultura ou para a educação enquanto um todo incoerente, tal como são recebidos diariamente.
A quem e como chega a comunicação?
Se assumirmos que é necessário um código comum ao transmissor e ao recetor para que a comunicação seja eficaz, devemos reconhecer que o código vem do emissor, e que os recetores passivos se adaptam facilmente a ele, sem grandes análises. Não há tempo ou oportunidade para isso. Quem o faz vai contra a corrente ou é considerado alheio aos avanços civilizacionais.
No entanto, estamos perante um dos efeitos mais nocivos da comunicação: a passividade do recetor que se ajusta às modas e aos modelos – isto é, aos códigos – da mesma forma que poderia ceder a uma droga. Não há vontade. O público está tão codificado como as notícias que recebe. Não há reação, exceto a que os codificadores esperam: compulsão emocional que leva à indignação, à admiração, à imitação banal do conhecimento, ao desejo de possuir, de competir, de ser jovem, de opinar ou de argumentar no vazio, de focar-se numa personagem, de rejeitar o outro, enfim, de sentir que se é alguém, quando na verdade só o é enquanto continuar a onda manipuladora.
No passado mês de Novembro, Paul Virilo escreveu em Paris, no Le Nouvel Observateur, que estamos a avançar para uma sociedade nómada através da comunicação social, o nomadismo do “mundo cibernético”. “Encontrar-se à distância, um conceito tão paradoxal como fazer amor virtualmente, testemunha uma situação de deslocamento: estar sem estar. Para começar, a cidade, ponto de encontro, torna-se inútil. “Impõe-se a cidade mundial virtual …”. O autor desta obra continua explicando que esta inutilidade das cidades afeta também a convivência dos indivíduos e, consequentemente, a experiência democrática que exige esse contacto no espaço, e não apenas de contactos virtuais ao longo do tempo. Continua a argumentar que, sem nos darmos conta, entramos num sistema de comunicação global, mas totalitário na sua essência, uma vez que a comunicação está concentrada em poucos grupos de poder.
Da informática, que realiza o processamento automático da informação, passamos à cibernética, que, tendo como modelo a complexa perfeição do sistema nervoso humano, cria sistemas mecânicos e eletrónicos que visam substituir o próprio homem.
E o pior é que o homem se deixa substituir, abandonando nas mãos dos aparelhos o que poderia e deveria fazer pelos seus próprios meios, ou saber fazer mesmo que queira ganhar tempo e eficácia. Uma coisa é ter meios que simplificam a nossa vida e outra é perder a vida e a iniciativa nas mãos desses meios.
É interessante lembrar a raiz etimológica da palavra cibernética: vem do grego kybernan, “governar”, que alguns explicam como “a arte do piloto”, talvez em memória – se for lembrada – das festas cibernesias instituídas por Teseu em homenagem aos pilotos navegadores que o levaram à ilha de Creta. Mas vejamos este outro significado de “cibernética”: parte da política propriamente dita que trata dos meios de governar.
Não é por acaso que o filósofo Platão descreveu com tanta maestria o que hoje se chama de “Mito da Caverna”, no qual alguns senhores poderosos se aproveitam da escuridão da caverna (o mundo material) e da ignorância das pessoas, para estabelecer um sistema cruel de enganos e ilusões que a mantenha entretida e inativa perante acontecimentos verdadeiramente decisivos. A prova está no triste final que espera quem foge da caverna, descobre a verdade e a comunica aos seus companheiros ainda prisioneiros.
Comunicar
Voltamos às definições anteriores:
Fazer outra pessoa compartilhar o que tem. É realmente comunicado o que se tem ou o que se deseja que o recetor tenha? Ou será que o comunicador também está imerso na mesma rede de enganos, na mesma caverna? Ou deveríamos distinguir diferentes tipos de comunicadores: aqueles que controlam e aqueles que são tão manejáveis quanto o público recetor?
Não é por acaso que falamos como “rede” da Internet, a World Wide Web (www). Deduzimos de um artigo de José Antonio Millán (Madrid, Outubro de 1996) que os habitantes da Internet são palavras, sons, imagens, dados…” Quem os colocou lá? qualquer um. Que utilidade têm? depende de cada um… Quem manda na Internet? Ninguém”.
É difícil de acreditar. “Ninguém” não pode ter criado tal rede. “Ninguém” não partilha com os outros o que tem, mas sim o que quer.
Descobrir, manifestar ou fazer saber algo. Consultar outras pessoas para ouvir a opinião delas.
Não, não é isso que consumimos: o coração oculto de quem informa não “descobre” verdades, mas inventa notícias consumíveis. Se fossem atrás de autênticas descobertas, de verdades claras e limpas, não haveria tanto lixo no mundo e na mente das pessoas. O que se vende é o escândalo, a sujidade, o escabroso, o aprofundamento em “vidas privadas” que há muito deixaram de ser privadas, porque todo aquele que se destaca minimamente está sujeito à investigação da sua privacidade.
O que se dá a conhecer é o que pode ser vendido. No entanto, alguns acreditam que é importante intervir na vida privada de grandes personagens para conhecer as atrocidades que se escondem por trás de nobres fachadas. E quem julga o jornalista ou comunicador que ousa julgar os outros? Para expressar tal opinião, para atirar a primeira pedra, seria necessário estar completamente livre de culpa. Ainda restam muitos nesta condição, uma vez imersos na rede? Não, ninguém busca a opinião dos outros; O que se procura é condicionar a sua opinião, motivar as suas opiniões, carregá-las e trazê-las de um lado para outro como barcos frágeis diante de um caprichoso vento. Na verdade, é a “arte do piloto …”.
Sim, dão-nos a conhecer os atrozes sofrimentos humanos em muitos cantos da Terra, e nem sempre em lugares distantes. Mas é uma forma inteligente de promover a compaixão sem procurar soluções reais para os males que afligem estes pobres desgraçados. Aqueles que dirigem os grandes grupos de informação poderiam muito bem usar parte das suas fortunas para ajudar e educar os desamparados, antes de promover campanhas de solidariedade – que ainda surgiriam das profundezas da alma humana, naturalmente compassiva – que tem o efeito de um remendo num tecido desgastado e rasgado.
O comunicável
O que vale a pena comunicar? Sei que em princípio responderíamos: tudo. Mas pode-se dizer tudo, sem mais? Tudo pode ser dito, mas a quem? Não há casos em que o todo faz mais mal do que o pouco, se não houver uma formação para assimilá-lo e compreendê-lo?
Não devemos esquecer que os meios de comunicação, pelo menos onde prosperam, chegam a todos e dizem as mesmas coisas a todos, independentemente de serem crianças ou adultos, ignorantes ou cultos, sensíveis ou endurecidos, nobres ou mentirosos.
Estamos diante de uma poderosa espada de dois gumes. Por um lado, é evidente que é necessária informação, que devemos saber o que acontece em todos os lugares e com todos os seres vivos. Mas, por outro lado, a informação sem a formação adequada, sem uma educação que transforme a informação em algo útil, é um veneno subtil que gera monstros. É assim que se aprende a enganar, a roubar com mais sucesso, a matar com métodos mais refinados, a aproveitar-se dos inocentes e dos fracos; é assim que surgem crianças que não se importam em matar e pais que não se importam em humilhar os próprios filhos.
Este século proporcionou-nos indubitáveis vantagens e avanços. A ciência da comunicação produziu verdadeiras maravilhas. Mas estamos a navegar à deriva, num mar com ondas, sem pilotos e sem leme. Falta a arte do piloto, daquele que sabe conduzir, daquele que deve governar a nave, e não para benefício próprio, mas para benefício de quem viaja no barco.
Ainda temos um longo caminho a percorrer na educação, nos valores humanos, na espiritualidade, no refinamento sensível das emoções, em aprender a pensar devagar, desenvolvendo o julgamento e não a opinião instintiva. Há muito a fazer para que a comunicação cumpra o seu propósito e não seja um meio de confusão.
Hoje tudo está confuso. Talvez tenha chegado o temido momento da “lógica confusa” onde tudo é e não é ao mesmo tempo. Mas quem não compreende esta lógica procura um lugar para tudo, tanto no tempo como no espaço, e uma razão para cada facto. Queremos saber, não simplesmente ser informados. Queremos dissipar as névoas da confusão porque entendemos que viver é navegar e não há nada mais belo do que chegar, carregados de bens e presentes, ao porto de destino.
Delia Steinberg Guzmán
Publicado na Biblioteca Nueva Acropolis
Imagem de destaque: O mapa mental das Tecnologias de Comunicação e Informação, M. U. Paily. Creative Commons.