“Sabedoria é a qualidade do sujeito puro e consiste na maneira como ele vê e responde.”

Esta simples afirmação de N. Sri Ram encerra um profundo significado. Sabedoria é algo que está dentro de nós como potencialidade, a qual devemos descobrir. A palavra descobrir pode aqui ser interpretada com dois dos seus sentidos: descobrir como encontrar algo que antes era desconhecido; ou, por outro lado, descobrir como destapar, expor, tornar visível aquilo que estava oculto. Esta descoberta interior, que se chama aquisição de sabedoria, expõe quem somos, fazendo-nos simultaneamente ver e responder ao mundo de forma diferente, de forma mais sábia.

Em todas as épocas houve filósofos que mantiveram um lado secreto, oculto, uma aura de mistério que muitas vezes é incompreendida. Desde Pitágoras e Platão até Giordano Bruno e Helena Blavatsky, o lado oculto foi, sem sombra de dúvidas, a fonte e alicerce de toda a sua obra filosófica. A razão para o mistério está na própria natureza da sabedoria e na sua relação com a consciência humana. Não vamos aqui falar de casos específicos, da importância de Pitágoras e Platão terem estado nas Escolas de Mistérios do Egipto, da incógnita que representa a gigante sabedoria de Giordano Bruno, ou do papel dos Mestres de Sabedoria na Doutrina Secreta exposta por Blavatsky. Vamos antes, sem grande afã de rigor ou de estruturação lógica, procurar uma aproximação a essa realidade sempre presente a que os filósofos, em cada época, vão levantando o véu em benefício da humanidade.

É filósofo o que ama a sabedoria, o que leva a sua vida em torno desse amor. Amor, neste sentido, não é só o que nos faz querer algo para nós mesmos, algo que nos falta, algo que nos pode completar. É, além disso, o que nos faz encontrar o melhor de nós mesmos para o oferecer e o colocar ao serviço. Filósofo não é só o que procura a sabedoria, mas o que se predispõe a dar o melhor de si ao serviço da sabedoria. Amar a sabedoria é servi-la, é colocar todas as nossas melhores faculdades em ação, pois são os filósofos os agentes da sabedoria. Então, o filósofo não procura somente ver, mas também responder à sabedoria. A sabedoria deve gerar uma transformação, um movimento de aperfeiçoamento que traz benefícios para tudo o que nos rodeia. A função da sabedoria é iluminar caminhos, atenuar sofrimentos, preencher de amor os corações e as ações dos seres humanos.

A sabedoria não se acumula, não é um conglomerado nem um conjunto harmónico de conhecimentos. A sabedoria é a manifestação do eterno no temporal, é o caminho terrestre da luz divina, é a qualidade da vida que compreende e gera a harmonia do seu entorno.

As virtudes são as palavras com que a sabedoria comunica. A virtude é o poder oculto por detrás da ação justa, é o canal de expressão livre e contínua de uma compreensão profunda e permanente. O visível é sempre a sombra do invisível, o mensurável é sempre sombra do imensurável. Esta é a dicotomia fundamental para entender a natureza no seu todo e o lado oculto dos filósofos. O lado oculto é, como veremos, o mais luminoso. Tudo o que os filósofos expressaram em obras não é mais do que a sombra, por mais bela, harmónica e verdadeira que pareça, da verdade e sabedoria que contemplaram dentro de si mesmos.

Sabedoria não é o mesmo que conhecimento. Conhecimento pode ser transmitido, dividido em partes, reorganizado, tornado comum. Sabedoria pode ser induzida, mas não dividida ou fragmentada, nem comunicada como a água que verte de copo em copo; tem que ser conquistada, despertada na própria consciência individual através de um sentido de unidade, como o fogo que passa de tocha em tocha.

Conhecer é memória acumulada, experiência condensada. Saber é luz no ser, é vida clara e transparente por dentro do que somos.

Quando a sabedoria está activa no Eu ela manifesta-se numa visão correta do mundo, harmónica com os seus actos. Abrimo-nos a essa sabedoria à medida que purificamos o coração, tornando a sensibilidade interior capaz de responder com beleza e profundidade a todas as coisas. Apenas assim, pura e desapegada de todas as sensações e afeições, pode a alma amar essa beleza que constitui, em si mesma, a alma de qualquer ser. Ser sábio numa tribo na floresta não corresponde, em pensamento ou em ação, a ser sábio numa cidade cosmopolita. Ser sábio é uma visão clara e uma resposta harmónica ao presente e ao entorno imediato, em todas as suas dimensões, seja ele qual for.

Conhecimento não é o mesmo que sabedoria, pois conhecimento pode sê-lo apenas das formas. A sabedoria não está nas formas. É quando o conhecimento chega àquilo que as formas contêm – formas cuja existência expressa algo interior – que há sabedoria. A sabedoria não é consequência da observação das formas. As formas não são a matéria nem as peças com que se faz sabedoria. As palavras são as cascas dos conceitos, são as vibrações que evidenciam a gramática ou geometria de um espaço mental, estruturado em declives de significado e semântica, em fios de fogo invisível, tecido subtil de relações, quais ondas propagadas através dos corpúsculos de sentido. A forma é criada; é o aglomerar da substância que responde às forças etéreas da concretização que têm raiz na vontade consciente do criador, o humano desperto. O humano não-desperto não cria, apenas monta e desmonta as peças desgastadas pelos refluxos dos discursos temporais. A sabedoria não é criada, mas descoberta. A sabedoria é criadora, como uma virgem que amamenta o seu santo filho com o leite que ilumina as almas.

Índio ao pôr do sol, Thomas Cole (1845-47). Domínio Público

A sabedoria é expansiva, impregnante, livre; procura expressar-se, tornar-se visível, clara. Pode ser encontrada em tudo e através de tudo, de uma pedra que rebola no rio, de uma árvore que se agita ao vento, de uma águia que cruza o céu. Mas a sua expressão é já um afastamento de si própria, é um movimento efémero de um eterno presente, é uma gota que, ao desprender-se da onda, nos quer dizer o oceano. As palavras são temporais, pertencem a um idioma específico, as suas interpretações a uma mentalidade de época, tão variável e incerta como as formas que podemos ver nas nuvens. As palavras são uma projeção de conceitos que não têm nem maior nem menor proximidade à verdade. Quem tem essa proximidade é a consciência, não os conceitos a que podemos recorrer para gerar entendimento e comunicá-lo. Depende das capacidades interiores, ocultas e invisíveis da pessoa, a transformação das palavras e dos conceitos em ideias puras, essas sim mais próximas da realidade.

Sem sabedoria, não há liberdade. Sem sabedoria, os pensamentos ficam presos às opiniões de um mundo distorcido, os sentimentos ficam atados às paixões de um mar de sargaço, os actos ficam agarrados aos automatismos e às irrefletidas convenções sociais. Com sabedoria, o pensamento ganha asas e sobrevoa os horizontes da luz da alma, o sentimento sublima em amor as densas emoções rasteiras, os actos tornam-se rectos e justos na serenidade límpida de quem sabe os comos e os porquês de cada passo que dá. O conhecimento é uma delimitação inteligível de uma parcela da realidade, que só pelo facto de se parcelar já entra no reino da ilusão. O conhecimento limita para ser compreendido por uma mente limitada, pois a razão só trabalha com formas, limites e relações finitas. Para entrar no ilimitado da sabedoria, apoiando-se na razão, a consciência deve elevar-se para intuir e captar a não-forma que dá origem a todas as formas. Para chegar a uma nova compreensão da sabedoria, o processo deve passar por uma tomada de consciência dos próprios limites e das amarras psicológicas, de modo a rompê-los em direção a uma maior liberdade. A inteligência deve fazer-nos passar pelo labirinto do nosso próprio interior e encontrar a saída para um novo horizonte, que nunca é definitivo.

Há uma estreita proximidade entre a sabedoria e a verdade. Mas, onde está a verdade? Nas comprovadas teorias dos cientistas? No sensato veredicto de um juiz? Na boca dos mestres sagrados?

O cientista, como nobre produtor de caminhos para a verdade, não deve considerar como verdade nenhuma das suas descobertas ou teorias. As teorias estão feitas de palavras, de números, de fórmulas. Nada disso compõe a verdade, pois a verdade não é composta. A verdade é uma totalidade unitária que jamais se decompõe nem se deixa delimitar. O cientista deve esforçar-se por se conectar com as ideias, com as leis naturais, com os arquétipos, e fazer o melhor por mapear o seu percurso com uma descrição que permita a outros seguirem pelo mesmo caminho e chegarem à mesma visão da verdade. “Teoria” vem do grego θεωρία, que significa contemplação, reflexão, introspeção, visão interior. A verdade pode ser contemplada numa introspeção profunda e serena, intuída mais do que racionalizada. No caminho de volta, o cientista, através da razão, cria o seu discurso teórico, a sua descrição da paisagem mental que servirá de degraus a quem tenha capacidade de fazer o mesmo caminho. Mas nada desse processo racional se identifica com a verdade, apenas com um caminho para ela. O cientista, sendo também filósofo, procura conectar-se com as ideias e ajudar a humanidade com elas. A sua busca interior é oculta, invisível, silenciosa. A sua teoria é as pegadas de luz do seu percurso.

O Caminho do Silêncio, Frantisek Kupka (1903). Domínio Público

A ciência, sim, procura e cria caminhos para a verdade. Mas a ciência não produz verdade. A verdade, como a sabedoria, não é produzida. A verdade é, simplesmente. Eternamente igual a si mesma, infinita luz sem recipiente espelho que a contenha totalmente, a não ser, talvez, a mente divina. A verdade produz uma visão de si mesma na alma do que lhe encontra as pistas e segue o esforçado e estreito caminho ascendente em direção ao que é, à realidade. A verdade cai como um orvalho na mente-espelho que se mantém pura e orientada para o alto. A verdade surge no coração-diamante como um clarão de beleza e certeza que não pode nem deve querer comunicar-se impulsivamente, sob pena de se derramar o ouro líquido que brilha como o sol enquanto guardado no sacrário da alma, mas que se torna baço e descolorido como o chumbo quando se expõe às sombras-luz do mundo exterior.

A verdade não se ouve nas palavras, não se vê nas imagens, não se sente com as mãos. A verdade surge no silêncio. A sabedoria anseia por se fazer conhecer, mas alimenta-se do silêncio. É a causa da visão e da claridade, mas apoia-se no que está oculto.

De que serve ao filósofo contar tudo o que sabe, ou ao mestre encher de palavras a mente do discípulo, por mais sábias que sejam, se o discípulo não tem dentro de si o discernimento, a inteligência e a imaginação para compreender a profundidade do que é transmitido? Se não confundirmos conhecimento com sabedoria – o meio com o fim, o comunicável com o inefável – poderemos retomar a importância do lado oculto, da discrição, do silêncio, para os filósofos de todos os tempos. A sua intenção era servir a sabedoria, era fazer despertar as almas, contribuir para a percurso das consciências. Uma palavra no momento oportuno, um sistema teórico e completo, uma biblioteca de livros escritos por sábios, podem ser úteis a esse percurso. Mas falar muito não é sinónimo de falar bem, nem há nenhuma razão para acreditar que as palavras são sempre melhores que o silêncio. Se o objetivo é ajudar o outro a chegar à realidade, não se lhe deve ser transmitida essa realidade, nem isso é possível, mas deve-se apenas ajudar ao desenvolvimento das capacidades interiores, ocultas, que o permitirá atingir essa realidade por si mesmo.

A compreensão de uma realidade jamais pode ser provada a outros. De nada adianta pedir prova a alguém que afirma compreender certa realidade. A única prova é a que vem do nosso próprio interior, do nosso próprio discernimento quando devidamente orientado e ponderado. A verdade pode expressar-se, mas jamais se pode tornar visível. A expressão é uma transformação ou deformação da sua natureza, uma redução da sua força e da sua essência, um veículo para gerar entendimento mútuo.

Mais do que a maior ou menor proximidade atual à realidade, o que interessa é o percurso, é saber que o momento a seguir ao presente será mais consciente, mais verdadeiro, mais sábio. O caminho para a realidade chama-se evolução, e conta-se melhor em milhões de anos. A evolução não se processa por um acumular de conhecimentos, mas por uma transformação interior que produz uma cada vez maior transparência à sabedoria. A evolução é um percurso em direção a uma meta, que pode ser chamada de verdade. O essencial é saber a direção a tomar. Podemos sentir ou intuir a direção por nós próprios, todos temos essa bússola interior, ou então podemos recorrer a um filósofo antigo ou a um mestre. O mestre não transmite a verdade ao seu discípulo, mas pode sugerir a direção em que ela deve ser procurada.

A sabedoria é pura luz na consciência, mas é sempre oculta aos olhos da matéria. A verdade é a substância do mundo espiritual, onde não existem relativismos nem sombras, e onde o esplendor da percepção transforma em ilusões tudo o que faz parte da natureza física ou psicológica. Mas a ilusão do mundo só o é do ponto de vista da realidade suprema, e nada nos ensina e de nada nos adianta afirmá-lo. Cada momento do percurso, apesar de ilusório, é a realidade provisória em que nos apoiamos para avançar, para ir cada vez mais dentro, cada vez mais alto.

No lado oculto dos filósofos, no teu lado oculto, filósofo que lês estas palavras, é onde deves procurar a sabedoria. Que estas palavras te incentivem a fazê-lo.

Henrique Cachetas