Ao contrário da suposição de Isaac Newton, a natureza tem horror ao vazio ou ao ”horror vacui” postulado por Aristóteles.
Se entendermos por vazio o que está para além do Universo conhecido, revelado de forma ténue pela Constante Cosmológica de Einstein, poderíamos considerar que a criação de Universos corresponderia no micro cosmos às flutuações quânticas do vazio e as partículas aos sóis, planetas e outros corpos celestes.

O horror ao vácuo deverá assim gerar a necessidade feita de vontade de o preencher.

Actualmente para a cosmologia e a física o mistério da união entre o micro e o macro cosmos persiste de forma muita séria, corroborada na opinião expressa por cientistas e conceituados investigadores.

“Para além do mais, da perspectiva da física das partículas, o vácuo espacial é um objecto complexo. Podemos imaginar muitas entidades designadas por campos superpostos umas sobre as outras estendendo-se ao longo do espaço. O valor de cada campo flutua constantemente a curtas distâncias. Para além destes campos flutuantes e das suas interacções, emerge o estado do vácuo. As partículas são perturbações neste estado do vácuo. Podemos imaginá-las como pequenos defeitos na estrutura do vácuo. Quando consideramos a gravidade, então a expansão do universo parece produzir mais coisas saídas do nada deste estado do vácuo. Quando o espaço-tempo é criado, corresponde a este estado de vácuo sem defeitos. Como o vácuo aparece precisamente neste arranjo certo, é uma das grandes interrogações a serem respondidas para obtermos uma descrição quântica consistente dos buracos negros e da cosmologia. Em ambos os casos existe uma espécie de estrangulamento do espaço-tempo de que resulta a criação de mais substância do vácuo.” – Segundo Juan Maldacena citado em Quantum Magazine (1)

Ou seja, para Maldacena, professor do Instituto de Estudos Avançados de Princeton, do vácuo que é um estado sem defeitos ou perturbações, surge o espaço-tempo centro de todos os defeitos. Ora o divino Plotino ou as Upanishads muito antes, já o tinham afirmado, senão vejamos:

 “Eu sou meramente Atman, sem a ilusão de qualidades. Eu sou a Sede desprovida dos três Guṇas. Eu sou a causa dos muitos mundos em (Meu) estômago. Eu sou o Kuṭastha-Caitanya (Mente Cósmica Suprema). Eu tenho a forma da Jyotis (luz) livre de movimento. Eu não sou aquele que pode ser conhecido por inferência. Só eu sou pleno. Eu tenho a forma da salvação imaculada. Eu não tenho membros nem nascimento. Eu sou a essência que é a própria Existência [Sat].” – cfr. Atma-Bodha Upaniṣad, (Ṛig Veda. Nº 42. Samanya Vedanta, verso 2.3.

E mais adiante no verso 2.6: “Como as bolhas, ondas, etc., no oceano, assim todos os seres, de Brahmā até o verme, são formados em Mim…”.

“Om. A Deusa (a causa do mundo) era de facto uma no início. Sozinha, ela emitiu o ovo do mundo. (Ela) é conhecida como Parte do Amor. (Ela) é conhecida como o meio instante silábico após Om.” – cfr. Bahvrca Upaniṣad (Ṛig Veda. Nº 107. Sakta), verso 1.

Acerca da Upaniṣhad, que significa “sentar-se aos pés de outro para ouvir suas palavras”, entre outros significados, constituem uma série de escritos filosóficos sânscritos que têm como objectivo expor o significado secreto dos Vedas, sendo que as Upaniṣhads são consideradas como a fonte das filosofias Vedanta e Samkhya, espantosamente semelhantes às reflexões actuais da Cosmologia.

Mas não fiquemos por aqui: também os Puranas espantam-nos na sua elaborada cosmogonia, repetindo a mesma cosmogonia teórica dos dois grandes poemas hindus, o Ramayana e o Mahabharata, fazendo uma descrição em tom mais moderno do princípio essencial das coisas, da criação material, do tempo, da causa activa, do “ovo do mundo”. Atente-se no VISHNU PURANA, Livro 1, Capítulo 2:

 “Ele é Brahmã, supremo, soberano, eterno, não nascido, imperecível, sem decadência; de uma essência; sempre puro como livre de defeitos. Ele, aquele Brahmã, era todas as coisas; compreendendo em sua própria natureza o distinto e o não distinto. Ele então existia nas formas de Purusha e de Kala. Purusha (espírito) é a primeira forma, do supremo; logo provieram duas outras formas, a separada e não separada; e Kala (tempo) foi a última. Esses quatro – Pradhana (matéria primordial ou bruta), Purusha (espírito), Vyakta (substância visível), e Kala (tempo) – os sábios consideram serem a pura e suprema condição de Vishnu. Essas quatro formas, em suas devidas proporções, são as causas da produção dos fenómenos de criação, preservação, e destruição.”.

Alguns milénios depois transmite Plotino (talvez através de Porfírio?) nas Enéades, reflectindo sobre o Infinito como o Uno:

“É que, embora esteja limitado, é por isso mesmo ilimitado, pois o que se limita não é o limite, senão o ilimitado, pois entre o limite e o ilimitado – o infinito – não media nenhuma outra coisa que admita carácter de finitude.”

Assim no Tomo IV, 8 [6], 1 das Enéades, Plotino afirma de forma assertiva que o Uno “…porque fonte da vida e de energia (enérgeia) é uma potência activa, não pode permanecer fechado em si mesmo, porque de outra forma não haverá processão dos seres, nem multiplicidade, nem existências singulares”, e mais á frente declara que o Uno é todo vontade (boúlesis), identificando-o com a própria vontade, em que por um acto de vontade eterno e imutável, dele deriva o real (VI,8,21 e 15). Para Plotino, enérgeia é a potência activa no acto de se desdobrar.

De todos estes acervos algo comum trespassa entre eles: a vacuidade como algo ou mesmo “substância” do infinito da qual é gerada a matéria por um acto de “vontade” própria, energia, movimento, uma entropia interna.

Tanto das Upanishads como das Enéades de Plotino, ressalta a identificação, no primeiro caso, de Brahmã com estados de pura energia, consciência e beatitude, apelidados respectivamente de Sat-Chit-Ananda (existência, consciência, êxtase), como no segundo caso, com a natureza do Uno. O Brahmã ou o Uno, apesar de ser incomensurável, não manifesto, sem forma, contudo não é virtual e, pode ser experienciado pela ascese interior de cada ser. A identificação ou a ligação destes estados de energia pura com a evolução da consciência é uma constante nestas cosmogonias.

Daí estarmos a um passo de identificarmos o “incomensurável”, o vazio e as suas inerentes flutuações com campos quânticos ligados intrinsecamente à Informação, como se fosse possível, de algum modo mais tangível às nossas mentes, considerá-la como Qubits do provável e incomensurável computador quântico que é o Universo.

De facto, segundo Stephen Hawking – no chamado “paradoxo da informação”, a Informação não se perde, nem mesmo quando avassalada por um Buraco Negro. Aliás os Buracos Negros alimentam-se de Informação que reciclam provavelmente para outras dimensões espaço temporais. Podíamos encarar os Buracos Negros como processadores de informação pelas designadas “partículas suaves” que deverão estar na base dos campos quânticos que definem o Uno e dos quais a ciência actual procura pistas. Estes são os campos quânticos que se contêm a si próprios, ao invés dos outros do Quaternário e que no conjunto compõem a geometria triangular (os três planos superiores) da Constituição Septenária. 

“Los tres caem en los Cuatro. La Esencia Radiante se hace Siete dentro, Siete fuera. El Huevo Resplandeciente, que es Tres en sí mismo, cuaja y se esparce en Coágulos blancos como la leche por todas las Profundidades de la Madre, la Raíz que crece en las Profundidades del Océano de la Vida.” – LAS ESTANCIAS DE DZYAN, H. P. Blavatsky, Estancia III, 4. Aqui o Ovo Resplandecente designa a origem do Universo a partir do vazio do espaço.

O ser humano tem procurado ao longo dos milénios traduzir esta realidade revelada por símbolos, designações, literatura, na poesia e na própria arte da qual faz parte a escultura.

Figura 1 – Trimurti, Caves de Elefanta. Creative Commons

Na escultura hindu, Brahman como é um vazio sem forma, sem nenhum atributo físico, para ser representado, uma das formas mais simples foi conceber uma imagem de divindade como o faz a escultura da era purânica das Caves de Elefanta, na ilha de Elefanta em Mumbai, representando a Trimurti (figura 1). Esta escultura possui três cabeças, sendo a face do meio andrógena (Brahma), as outras duas faces são uma feminina (Vishnu) e a outra masculina (Shiva), simbolizando respectivamente a criação, a conservação e a destruição do Universo. As cabeças masculina e feminina representam a dualidade da existência fenomenal que é emanada do Absoluto ou a cabeça central; tal como o símbolo do Taoismo representado na Figura 2, onde o Yin/Yang são a dualidade (matéria/antimatéria, positivo/negativo, ascenção/regressão, etc) e o círculo o Absoluto.

Yin-Yang

Presentemente, um dos objectivos das pesquisas levadas a cabo pelo LIGO – Laser Interferometer Gravitational Wave Observatory, prende-se com a detecção das supracitadas “partículas suaves”, permitindo a tão almejada unificação da Mecânica Quântica com a Relatividade e a Termodinâmica. 

Ao afirmarmos que a natureza tem o “horror vacui” impulsionando a “Necessidade” e depois a “Vontade” de o preencher, vamos de encontro a outras ideias reveladas por Helena Blavatsky na “Doutrina Secreta” e naquelas expressas primordialmente nas “Estancias de Dzyan”, onde o “Princípio”, na fraseologia oculta se designa por “Desejo Cósmico” e que equivale á designada “Luz Absoluta”.

Logo surge o enquadramento do “Desejo Cósmico” e da “Necessidade/Vontade” como motores da construção do Universo, por detrás das quais está a Consciência do Uno a “Luz Absoluta”, ou um campo que se contem a si próprio, onde os referenciais de espaço e tempo não existem. Neste caso poderemos dizer que a Vontade gerada pela Necessidade é a entropia própria do Uno.

No Livro dos 24 filósofos (Liber XXIV philosophorum), no 2º aforismo é dito que “Deus é uma esfera infinita cujo centro está em todo lugar e cuja circunferência não está em lugar nenhum.”. No aforismo 18 volta-se a referir que “Deus é a esfera cujo todo tem tantas circunferências quanto pontos”. Em 24 aforismos, dois são dedicados á ideia de esfera!

Como é do conhecimento geral, a curvatura é uma quantidade geométrica que vem da teoria das superfícies curvas. Destas, a mais simples é a esfera, que tem curvatura igual ao inverso do raio ao quadrado. Um teorema bem conhecido da geometria euclidiana, que tem curvatura nula, diz que o somatório dos ângulos internos de um triângulo rectilíneo é igual a 180 graus. No entanto, na geometria esférica essa soma é maior que 180 graus, e na geometria hiperbólica é menor que 180 graus.

A teoria geral da relatividade de Einstein considera o espaço-tempo como uma estrutura unificada, considerando-se 3 casos de acordo com a geometria esférica supracitada: o caso de espaço-tempo de curvatura constante ou espaço de Sitter (curvatura positiva, K>0), o caso do espaço de Minkowski (curvatura nula, K=0) e o caso do espaço anti-de Sitter (curvatura negativa, K<0). Todas representam um universo vazio com uma constante cosmológica positiva, nula ou negativa respectivamente. Assim num espaço anti-de Sitter, como também num espaço de Sitter, a curvatura do espaço-tempo corresponde à constante cosmológica Ω (ómega).

Na verdade, a investigação matemática actual com a confluência da Teoria da Informação, do Princípio Holográfico, da Teoria das Cordas, da Gravidade Quântica e do Espaço Granular, da Radiação Hawking, assim como a experimentação conduzida pelos projectos GEO600 e LIGO, levam a crer que habitamos um “De Sitter (dS) espaço” de curvatura positiva, que se assemelha à superfície de uma esfera que se expande sem limites, como aquela da Figura 3, a que Roger Penrose designa por “representação conforme do plano hiperbólico”. Assim, os tamanhos das figuras inscritas, de acordo com a geometria euclidiana do plano, estão representados de forma fidedigna até perto da fronteira circular em formas infinitesimais até aonde quisermos, onde a própria fronteira representa o infinito.

“Jacob Bekenstein resumiu especulativamente uma tendência actual iniciada por John Archibald Wheeler , que sugere que os cientistas podem considerar o mundo físico como feito de informação , com energia e matéria como incidentais”, referindo-se ao princípio holográfico  do espaço De Sitter. Mas isto também é dito no 6º aforismo do Liber XXIV philosophorum:

“Deus é aquele em cuja comparação a substância [eterna] é meramente acidental,

 e o acidental é nada”.

“O princípio holográfico afirma que a entropia da massa comum (não apenas buracos negros) também é proporcional à área da superfície e não ao volume; que se o volume é ilusório e o universo é realmente um holograma, que é isomorphic à informação ´inscrito´ na superfície da sua fronteira”.(cfr.https://pt.qaz.wiki/wiki/Holographic_principle#Black_hole_information_paradox).

Geometria Hiperbólica de Escher, “Circle Limit III”, representa o Espaço Anti-de Sitter. WikiArt

Mais uma vez façamos uma viagem no tempo: “Os Sete Sublimes e as Sete Verdades (a) haviam cessado de ser; e o Universo, filho da Necessidade, estava mergulhado em Paranishpanna (b), para ser expirado (c) por aquele que é e, todavia, não é. Nada existia.” – A DOUTRINA SECRETA, Antropogénese, vol. III, Estância I, 6 de Helena P. Blavatsky, onde:

  1. Sete Sublimes e Sete Verdades são os Campos de Forças veículos para a manifestação do Pensamento e Vontade do Uno.
  2. Paranishpanna é o estado entre dois éons após um período de expansão do universo (Manvantara) e um período de repouso que antecede outro período de expansão, em perfeito acordo com a Cosmologia Cíclica Conforme (CCC) de Roger Penrose.
  3. O aparecimento e desaparecimento do Universo, descrito como acto de expiração e inspiração, em que a primeiro corresponde á emissão de um Pensamento do qual surge o cosmos.

Também é nossa intenção fazer sobressair nesta Estância o facto de ser referido pela primeira vez que o Universo é filho da Necessidade, dado que “nada existia”, nem o próprio Espaço-Tempo. 

Esta Necessidade traduz-se por uma Lei, tal como a Entropia, que manda o Universo existir, manifestar-se, e que estará presente em todas as coisas sob a forma de uma seta do tempo (passado-presente-futuro) e nos valores das constantes físicas, sempre no sentido de ascese (Dharma) e reposição do equilíbrio perturbado por esta Necessidade.

Para epílogo lembremos Jorge Angel Livraga Rizzi, fundador da Nova Acrópole Internacional, “Tenhamos muito cuidado em negar a “Parte Esotérica” das coisas e desconhecer que há quem a possa ter de interpretar. Não caiamos na superstição do vulgo, que não sabe ultrapassar a “letra morta” de um Livro Sagrado, mas interpreta como válido o simbolismo dos seus sonhos sobre as coisas mais triviais… pela “suprema razão” de que foram eles que sonharam e não é uma interpretação de Platão ou de H. P. B.

Esta forma de egocentrismo infantil, consciente ou não, deve ser suplantada por um estudo mais sério e responsável; por um estudo que diga não à superstição e sim à Magna Ciência.”

 

João Porto 

Notas:

  1. https://www.quantamagazine.org/why-gravity-is-not-like-the-other-forces-20200615/

Bibliografia

AS UPANIṢADS DO ṚIG VEDA EM PORTUGUÊS Traduzidas do inglês para o português Por Eleonora Meier (De agosto a dezembro de 2016). Aitareya Upaniṣad (Mukhya) – Max Müller Akṣamālika Upaniṣad (Śaiva) – K. Srinivasan Ātma-Bodha Upaniṣad (Sāmānya) – K. Nārāyaṇasvāmī Aiyar Bahvṛca Upaniṣad (Śākta) – A. G. Krishna Warrier Kauṣītaki (Brāhmaṇa) Upaniṣad (Sāmānya ou Mukhya) – Max Müller Mudgala Upaniṣad (Sāmānya) – A. G. Krishna Warrier Nādabindu Upaniṣad (Yoga) – K. Narayanaswami Aiyar Nirvāṇa Upaniṣad (Saṃnyāsa) – Paul Deussen Saubhāgya Lakṣmī Upaniṣad (Śākta) – A. G. Krishna Warrier Tripurā Upaniṣad (Śākta) – Douglas Renfrew Brooks/ A. G. Krishna Warrier.

O VISHNU PURANA Um sistema de mitologia e tradição hindu, traduzido do sânscrito original, e esclarecido por notas derivadas principalmente de outros Puranas, por H. H. Wilson, m. A. F.RS, Publicado por John Murray, Rua Albemarle. [1840] Escaneado, revisado e formatado em sacred-texts.com, fevereiro de 2006, por John Bruno Hare. Este texto está no domínio público nos EUA porque foi publicado antes de 1923. Traduzido para o português por Eleonora Meier – 2012.

INTRODUÇÃO A PLOTINO, Margherita Isnardi Parente, Biblioteca Básica de Filosofia, Edições 70, 2005. 

LAS ESTÂNCIAS DE DZYAN, H. P. Blavatsky, Editorial Sirio, 2ª edição 2002.

THE BOOK OF THE TWENTY-FOUR PHILOSOPHERS, Liber XXIV philosophorum, editio minima, The Matheson Trust For the Study of Comparative Religion.

A DOUTRINA SECRETA, Antropogênese, Volume III, Helena P. Blavatsky, Editora Pensamento, 2019.

O SENTIDO OCULTO DA VIDA, Jorge Angel Livraga e Delia Steinberg Guzmán, Edições Nova Acrópole, Colecção Mnemósine 3, 2008.

CICLOS DO TEMPO, Roger Penrose, Edição Gradiva, 2013

Imagem de destaque: Sh2-131 e IC1396/Nebulosa da Tromba do Elefante, João Porto