“Em primeiro lugar encontramos o Zero; este número (se é que lhe podemos chamar assim) foi conhecido, ao contrário do que pensa a ciência histórica actual, em todas as épocas, mesmo que nem sempre os povos o utilizassem, devido ao seu carácter mágico e sagrado(…) O Zero é o símbolo mental do Tudo-Nada ou do Um Sem Segundo. Abstracto por excelência é, no entanto, a causa sem causa de toda a base numérica e geométrica.” [1]
Qual é a antiguidade do zero? Infinita, uma vez que os números estão numa dimensão que não é afectada pelo tempo. Fundamentalmente, é a máxima abstração nunca concebível, que as antigas cosmogonias representavam como um círculo de perfeita brancura sobre um negro abismal, e que os filósofos hindus chamaram “eka advaita” (o Um sem Segundo).
Perguntar a antiguidade do zero é como perguntar a antiguidade do fogo. Mas quando terá sido descoberto pelos humanos? Esta pergunta também se aplica à antiguidade do fogo, encontrar uma fogueira acesa por mãos humanas e dizer que essa foi a data é absurdo, mais cedo ou mais tarde encontraríamos uma prova de que é ainda mais antiga.
Até aqui, nos tratados da História da Matemática e nas diversas enciclopédias, ensinava-se com presunções sagradas, que o zero tinha sido descoberto na Índia, no século VII e que o primeiro testemunho do mesmo, se encontrava numa inscrição num templo do Camboja, do ano 683 d.c., representado por um ponto e com um valor de zero posicional (ou seja, indicando, conforme a posição onde esteja uma potência de dez). A cifras em questão são o 605 da era de Saka, que está indicado com um ponto ao meio do 6 e do 5; e o 608, de forma igual, entre o 6 e o 8.
Outro dos testemunhos mais antigos do Zero é um tratado matemático, também hindu, o manuscrito de Bakhshali, encontrado numa aldeia com o mesmo nome, em 1881 e que também seria datado do século VII.
Actualmente consta-se que o manuscrito referido é mais antigo do que se pensava. Um estudo efectuado de estilo literário datava-o entre os séculos VIII ao XI. Agora um novo estudo com carbono 14 coloca-o no século III ou IV; ao que parece, das 70 folhas que o compõem, havia conteúdos de três períodos diferentes (?) [2], esta teria sido a origem da confusão inicial.
Na sublime citação anterior, o professor Livraga menciona que o Zero foi conhecido em todas as civilizações antigas, dignas desse nome, mas manteve-se ciosamente oculto nas Escolas de Mistérios. O objectivo das mesmas seria evitar a sua vulgarização em assuntos quotidianos e comerciais. Já Platão advertia da profanação da Matemática, quando aplicada ao serviço do comércio. O fundador da Nova Acrópole ficou surpreendido ao aperceber-se que metade dos que estudam Matemática actualmente, dedicam-se a explorar as possibilidades e os subterfúgios do mundo financeiro, para que os poderosos possam obter o fruto sem trabalho, sem o suor no rosto. De qualquer forma não vale a pena impressionar-se em demasia, o sentido divino e inteligível que o discípulo de Sócrates atribuiu à Matemática, já estava há vários séculos afastado do uso intelectual. Para Platão havia uma distinção clara entre as matemáticas sublimes, escada desde o sensível ao Ideal, base de toda a Ciência, magia e metafísica; e as matemáticas vulgares. Como menciona H. P. Blavatsky no seu livro Isis sem Véu [3], “As Matemáticas sublimes estão em relação com toda a ciência superior, mas as matemáticas vulgares não passam de falaz fantasmagoria, cuja enaltecida precisão advém apenas do convencionalismo dos seus fundamentos.”
Ou seja, podemo-nos sentir orgulhosos porque recuamos a descoberta do Zero em quatro ou cinco séculos. Mas este orgulho é infundado pois, se nas colunas de Ashoka (Índia), no século III a. C. apareciam os nove números de base do sistema numérico, os que denominamos como algarismos indo-arábicos, na forma mais antiga que conhecemos, e não aparece o zero, isto não é indício que não se conhecesse na mesma época ou até antes. Talvez antes não se usasse com valor posicional, mas conhecer-se sim, como conceito, como símbolo e como número entre os gregos, na matemática babilónica e no Egipto.
A própria H. P. Blavatsky no seu livro Doutrina Secreta [4], ao estudar o símbolo do Ovo do Mundo, faz uma dissertação acerca do número zero, como símbolo de si mesmo, e da sua antiguidade:
“Perante esta forma circular, com o I a sair do O, ou Ovo, ou o macho sair da fêmea na figura do andrógino, é estranho verificar um erudito dizer que com base nos manuscritos hindus mais antigos não mostravam rastro dele, que os antigos indo-arianos (na Índia antiga) ignoravam a notação decimal. O 10, sendo o número sagrado do Universo, era secreto e exotérico, tanto como unidade e como zero, o Círculo. Além disso o professor Max Müller dizia que “as duas palavras, cypher e zero, que não são senão uma, bastam para provar que os nossos números derivam dos árabes. Cypher é o cifrão árabe, que significa vazio, ou da tradução de sunyam, o nada – referiu o professor acima mencionado. Os árabes tomaram os seus números do Hindustão, e nunca pretenderam a sua descoberta. Relativamente aos pitagóricos, basta verificar nos antigos manuscritos do tratado de Boecio, De Arithmetica, realizado no século VI, para ver entre os números pitagóricos o I e o O, como o primeiro e o último número. E ainda Porfírio que refere do Moderatus pitagórico, dizendo que os números de Pitágoras eram símbolos hieroglíficos, que explicavam assim as ideias respeitantes à natureza das coisas”, ou a Origem do Universo.
“Se por um lado, os manuscritos mais antigos da Índia não mostraram, até agora, vestígio de notação decimal, e Max Müller afirmava claramente que só tinham encontrado até agora nove letras, iniciais dos números sânscritos; por outro lado existem registos tão antigos quanto estes, que fornecem provas necessárias. Referimo-nos aos sepulcros e às imagens sagradas dos templos mais antigos do Extremo Oriente. Pitágoras absorveu o seu conhecimento da Índia e vemos o professor Max Müller a corroborar essa teoria, pelo menos até ao ponto de admitir que os neopitagóricos foram os primeiros a ensinar Cálculo aos gregos e aos romanos. Que “em Alexandria ou na Síria conheceram os números hindus e adaptaram-nos ao Ábaco pitagórico”. Esta admissão cautelosa, implica que o próprio Pitágoras só conhecia nove números. Assim sendo, podemos afirmar e com razão que embora ainda que não tenhamos provas exotéricas que a notação decimal era conhecida por Pitágoras, que viveu no fim das idades arcaicas, temos testemunhos suficientes para demonstrar que o conjunto dos números, tal como o dá Boécio, era conhecido por Pitágoras, antes mesmo da fundação de Alexandria. [5] Este testemunho encontra-se em Aristóteles, ao dizer que “alguns filósofos defendem que as ideias e os números são da mesma natureza, e que no total somam dez”. Este facto é suficiente para demonstrar que a notação decimal era conhecida, pelo menos 4 séculos antes de Cristo, uma vez que Aristóteles não parece referir o assunto como uma inovação dos neopitagóricos.
Mas nós sabemos algo mais que isso, sabemos que o sistema decimal deve ter sido utilizado pela humanidade, desde as idades mais arcaicas, pois todo o conteúdo astronómico e geométrico da língua sacerdotal secreta, era baseada no número 10, ou a combinação dos termos masculino e feminino, e que a chamada “Pirâmide de Cheops” foi construída através de medidas desta notação decimal [6], mais concretamente com os seus números e as suas combinações com o zero.”
Texto magnífico de H. P. Blavatsky, com impressionante erudição e impecável argumentação!
Além de que, sempre se disse que os egípcios não conheciam o zero mas este facto não é correto, o que denota até uma preguiça ou rigidez intelectual em aceitar o evidente. Num artigo publicado no site do Departamento de Matemática da Universidade de Buffalo, Nova Iorque, um artigo disponível há mais de 10 anos aos leitores interessados, explica de forma muito clara:
“O símbolo para o antigo Zero Egípcio, era o mesmo que o do hieróglifo para beleza, sendo que a imagem egípcia era constituída por uma traqueia humana, coração e pulmões. As letras consoantes eram NFR mas desconhecemos as vogais. Na construção dos edifícios foram implementadas linhas para orientar a construção das pirâmides e das grandes estruturas. Estas, de uma imponente massa de pedra, exigiam alicerces profundos e um nivelamento cuidadoso para as fileiras de pedra. Uma destas linhas de nivelação foi utilizada como referência para outros níveis e foi designada de “nfr” ou “zero”. Outras linhas foram espaçadas a cerca de um passo de distância e apelidadas como “um passo acima de nefer”, ou 1 codo, 2 codos, etc., debaixo de nefer. Assim o zero, neste caso foi usado como uma referência para o sistema dos números inteiros ou demarcados. Um destes exemplares era ainda visível na Grande Pirâmide de Giza no ano de 1931. O mesmo símbolo NFR foi também usado para expressar o resto zero numa folha de contabilização mensal na dinastia XIII do Império Médio. O registo da contabilidade assemelhava-se a uma folha de contabilização de dupla entrada, com colunas separadas para cada tipo de mercadoria. Ao final do mês a conta ficava equilibrada. Para cada item agregavam-se as entradas e eram depois retiradas despesas. No final o total das despesas de cada coluna equiparou-se ao ingresso total da coluna. Várias colunas teriam resto zero, com o símbolo nfr.” [7]
Isto descontando, claro está, a Enéada de Heliópolis, os primeiros nove Deuses que geram o Universo, e que correspondem aos 9 primeiros números naturais, uma vez que estes eram os símbolos das primeiras Potências que geraram toda a realidade. O Um é ATUM, o “não ser que é o ser de todas as coisas” e até o seu aspecto era semelhante ao do 1 actual, um traço vertical, pois é representado por um obelisco que surge nas profundidades de NUN, as Águas Primordiais de todos os “Génesis” de todas as culturas, o grande Vazio Primordial, o Nada, ou seja, o Zero. O UNO que surge do Zero, tal como explica H. P. Blavatsky, uma das páginas mais importantes e reveladoras de todas as cosmogonias.
O que acontece é que o Zero era considerado mais como um Não-Número, que como número. Um número é definido como “aquele que permite medir”, ou contar ou somar ou tornar racional e inteligível o indefinido, aquele que permite estabelecer uma proporção, e o zero por si mesmo não permite. Se somarmos o zero a um número, obtemos o mesmo número. Se o multiplicarmos que daria capacidade de acção mas não dá nada. Se o dividirmos encontramos o paradoxo irresolúvel do infinito. Ou seja não obtém nenhuma razão ou proporção. De facto a divisão por zero é considerada uma indefinição na matemática. O matemático hindu Bhaskara já tinha formulado no século VII que qualquer número dividido por zero, originava infinito. Alguns matemáticos, identificando o zero, como o conjunto vazio, como algo que “existe mas ao mesmo tempo não existe” como nos recordam os Vedas, que narram o estado prévio da origem do Universo: “não existia algo nem existia nada, o céu resplandecente não existia, nem a imensa abóboda celeste se estendia no alto”. O zero dividido pelo zero pode dar qualquer número, e carece, em verdade, totalmente de sentido; usa-se na demonstração sofística de que o um é igual ao dois. [8] Brahmagupta, do século VII, o primeiro matemático conhecido que sistematizou sobre o zero e os números negativos, será que se engana ao dizer que zero dividido por zero é zero?
Contudo, no Lilavati, tratado de matemática de Bhaskara, escrito por volta do ano de 1150, encontramos já o seguinte problema de álgebra, o número 48:
“Diz-me quanto é zero mais cinco, o quadrado de zero, a sua raiz quadrada, o cubo, raiz cúbica, cinco multiplicado por zero e dez dividido por zero. E qual o número que, multiplicado por zero, que somando este com a metade do que se obtém, multiplicado depois por três e dividido por zero, dá sessenta e três?”
Neste caso cancelam-se os zeros no numerador e no denominador e obtém-se o número.
Para os cabalistas o Zero é o Ain Suph, definido precisamente por sua ausência ou negatividade [9], e os Maias também conheceram o zero e o incorporaram nos seus cálculos e menções astronómicas, usavam ainda a sua representação posicional. O seu hieróglifo é um caracol, uma concha ou semente, uma cara tapada por uma mão, uma mão por baixo de uma espiral e uma espécie de meia cruz de malta.
A forma de caracol cortado, outra forma do Zero, aparece no peito do Deus Quetzalcoatl, simbolizando que no seu coração está o poder inteiro do cosmos, a Raiz da Vida Universal, como podemos ver abaixo no Códice Bórgia.
No final, o enigma “O que é maior que o Universo e mais pequeno que o mais ínfimo átomo? O que é mais duradouro que a Eternidade e mais breve que um instante?” A resposta é o NADA, ou seja, o ZERO: nele estão todos os enigmas, todas as potências e actos do passado infinito e do infinito futuro. Quando foi descoberto pelo ser humano? Talvez quando olhou, com plena consciência, o infinito. Quando a chama do real se acendeu no seu coração e na sua mente. Como quando a Fada Azul de Pinóquio, de Walt Disney, vinda da mais bela estrela, toca com a sua varinha mágica ao boneco inerte e lhe dá vida interior e consciência.