Os Jogos Olímpicos são sempre um grande fenómeno desportivo que capta a atenção de todo o mundo. São duas semanas de intensa competição, mas também de um conjunto especial de vivências, de superação, de alegrias e tristezas. Centenas de atletas vão competir, uns procurando a vitória, outros somente fazer parte do sonho que é participar de um tal evento.

Nessas duas semanas, muitas coisas ocorrem, que vão deixando uma marca por vezes forte nas consciências que gostam do desporto e veem nele uma forma de não só fomentar a saúde física, mas também, promover um conjunto de valores.

Este artigo procura singelamente aproveitar os acontecimentos que ocorreram em algumas das diversas provas que decorreram em Paris e fazer umas poucas reflexões.

Abrangência – O desporto é cada vez mais uma atividade global. Todos os anos, milhares de pessoas dedicam parte do seu tempo à prática desportiva, nomeadamente na área do desporto federado. Este fenómeno tem feito com que em certos desportos, atletas de países sem tradição nesse desporto em particular, tenham ganho algum peso, ao ponto de nestes Jogos Olímpicos terem tido posições de destaque. Um grande exemplo é a medalha de ouro conquistada pelos atletas do Canadá no lançamento do martelo: Ethan Katzberg, na vertente masculina, e Camryn Rogers, na vertente feminina. Este país nunca teve uma grande expressão nos grandes campeonatos de atletismo nesta disciplina. O predomínio no setor masculino normalmente era de atletas da Alemanha ou dos países de leste como a Polónia, a Bielorrússia e Hungria. Na vertente feminina, além de polacas, russas e alemãs, ainda havia a “intrusão” de atletas chinesas e cubanas. No entanto, este panorama está a mudar e os resultados dos canadianos são a prova disso.

Bravura – Esta qualidade pode muitas vezes ser confundida com destemor, no entanto, está mais associada com coragem, valor ou ousadia. Após um grande infortúnio é necessário ter valor e coragem para retornar à atividade onde esse mau acontecimento ocorreu. Nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 a ciclista de BMX, Saya Sakakibara, que surgia como uma das favoritas ao título, sofreu um aparatoso acidente que a levou a ser transportada inconsciente de maca para fora do recinto de corrida. Foi um golpe duro, que não só lhe deixou com prolongadas mazelas físicas, mas também, com traumas emocionais. Ela colocou em causa continuar a praticar a modalidade, questionando-se se realmente valeria a pena continuar. Porém, com o tempo decidiu enfrentar os seus medos e mostrar que eles podem ser conquistados. Trabalhou arduamente para conseguir estar em forma nos Jogos Olímpicos de Paris. Durante os dois anos prévios ao evento, praticamente dominou as provas onde entrou. No entanto, faltava a conquista que importava, o fechar de um ciclo após o acidente em Tóquio. Saya foi ganhando todas as corridas para se colocar na final onde dominou a corrida de tal modo que a outra favorita, a também invicta inglesa Bethany Schriever, não teve a mínima hipótese. O círculo estava completo, com toda a bravura que encontrou Saya enfrentou as suas dúvidas e medos e conquistou-os, tornando-se um exemplo para todos aqueles que passam por algum tipo de acidente desportivo e sentem receio em retornar.

Cumplicidade – Todo o grande atleta que vem aos Jogos Olímpicos quer competir e, se possível, alcançar uma medalha, sendo a de ouro a mais cobiçada. É para isso que dedicam horas e horas de esforço. Isto gera um espírito competitivo que, caso seja exagerado, pode levar a um mau ambiente entre os competidores. Não foi o que aconteceu na prova de Salto à Vara entre três dos finalistas: Armand Duplantis, Emmanouil Karalis e Sam Kendricks. Apesar de os três quererem alcançar a vitória o ambiente era de uma luta salutar. Foi bastante interessante ver como quando somente os três ficaram para os saltos finais, ao se cruzarem entres eles não deixavam de trocar algumas impressões e sorrisos. Mais se notou esse espírito salutar quando Duplantis ficou sozinho e lançou-se no desafio de tentar bater o recorde do mundo (o que conseguiu, lançando-o para uns impensáveis 6,25 m) e se viu o americano Sam Kendricks bater palmas e pedir o apoio do público para a empreitada de Duplantis. Um grande exemplo de cumplicidade e respeito dentro da competição.

Armand Duplantis saltando 6.00 m, Frankie Fouganthin. Creative Commons

Determinação – As provas de natação proporcionam grandes espetáculos devido à sua intensidade e competitividade. Os nadadores têm que ser bem determinados na sua ação para conseguirem vencer, têm que ser persistentes e firmes para atingirem aquilo que desejam e ambicionam. Nisso, se houve alguém que se destacou foi o nadador chinês Pan Zhanle na prova de 4x100m estilos. Esta era uma prova em que os Estados Unidos dominavam há décadas (excetuando os Jogos Olímpicos de Moscovo 1980 em que não participaram por boicote, os Estados Unidos são campeões olímpicos desde Roma 1960, ano de estreia da prova), era o seu feudo incontestado. No entanto, não contavam com a feroz determinação da equipa chinesa e, principalmente, de Pan Zhanle, que na última passagem mergulhou com um corpo de atraso em relação ao primeiro classificado, e na terceira posição. No entanto, talvez impulsionado pela desconfiança que colocaram no seu resultado conseguido dias antes com vitória e recorde do mundo dos 100m livres, Pan realizou uma perseguição feroz aos dois primeiros classificados, e com os últimos 50 metros fenomenais levou a formação chinesa a vitória por 0.55 s quebrando, deste modo, a hegemonia norte-americana.

Estratosférico – Por vezes há atletas que parecem estar talhados para grandes feitos. A neerlandesa Femke Bol é uma dessas atletas. Corredora de 400 m barreiras e 400 m, Bol tem deixado uma marca indelével da sua capacidade atlética, tendo dado autênticos recitais nas provas em que tem participado. Já foi campeã do mundo em 2023 e há quatro anos ganhou a medalha de bronze em 400 m barreiras. Em Paris fez uma das maiores demonstrações de qualidade na prova de 4×400 m mistos. Nesta prova de estafetas correm 2 homens e 2 mulheres por seleção, de forma intercalada (homem/mulher/homem/mulher). Quando recebeu o testemunho do seu colega para realizar os seus 400 metros, Bol ficou com um atraso de cerca de 10 metros em relação à atleta norte-americana que liderava a corrida. Ao entrar na curva para a reta da meta ainda estava 4-5 metros atrás, tendo à sua frente a atleta britânica e a norte-americana. Quase ninguém pensava que ela conseguisse a medalha de ouro, porém os últimos 80 metros foram estratosféricos ultrapassando primeiro a britânica e, nos últimos 20 metros caçando a norte-americana e cortando a meta em primeiro lugar para delírio do público e dos comentadores que realizavam a emissão nas televisões. Pode-se pensar que foi uma tarefa fácil, mas as corridas de 400 m são conhecidas por serem exigentes a nível psicológico e físico. No primeiro aspeto há que conseguir controlar a ansiedade e manter a cabeça fria para conseguir imprimir um ritmo certo. No segundo aspeto, nos últimos 100 metros começa a haver débito de oxigénio, o que faz com que o corpo comece a perder forças. O incrível com Femke Bol é que enquanto as atletas que iam à sua frente começaram a demonstrar que as forças se estavam a findar, ela, pelo contrário, mantinha a postura de corrida como se estivesse ainda nos primeiros 200 metros. Uma prova para recordar.

Femke Bol no Campeonato do Mundo de 2022, em Oregon (EUA), Eric van Leeuwen. Creative Commons

Façanha – Se há algo que muitas vezes galvaniza as pessoas que assistem aos Jogos são as grandes façanhas desportivas. Há sempre a expectativa de que alguém consiga superar-se e atingir um marco que fique para a história. Nestes Jogos isso aconteceu com o jovem (24 anos) ciclista belga Remco Evenpoel. Desde cedo destinado a ser um dos grandes no seu desporto, este ano Evenpoel demonstrou todo o seu potencial, tendo obtido a 3.ª posição no renomado Tour de França, somente atrás dos “monstros” Tadej Pogacar e Jonas Vingegaard, mas guardando o melhor para os Jogos Olímpicos onde alcançou uma façanha inédita: ganhar a prova de contrarrelógio e a prova de estrada no mesmo certame olímpico, demonstrando toda a sua qualidade, inteligência e força. É um feito tremendo, pois era algo que parecia inatingível, menos na cabeça de Remco Evenpoel. Icónica é a imagem do atleta, para na meta com a sua bicicleta diante da imponente imagem da Torre Eiffel. Um feito para a história!

Grandeza – Teddy Riner é um dos grandes judocas da história. Nove vezes campeão do mundo e quatro vezes campeão olímpico, tem deixado uma imagem de grandeza desportiva na modalidade. Porém, todo este êxito não construiu um carácter orgulhoso e egocêntrico. A verdadeira grandeza de um desportista não é atingida quando ele vence os torneios onde participa de forma consistente, mas na forma como se comporta quando atinge a vitória, na forma como lida com o êxito. Nestes Jogos, Riner foi exemplar na forma como quando conquistou o título olímpico contra o atleta sul-coreano Kim Min-jong, e antes de comemorar, pegou na mão do seu adversário, elevou-a e apontou para ele, pedindo a saudação do público. A verdadeira grandeza de um campeão.

Humanidade – Quando se está a competir, muitas vezes o fator humano é deixado de lado, pois a consciência fica num estado em que concentra todas as suas capacidades para a obtenção de um grande desempenho quer físico, quer psicológico para conduzir à vitória. Porém, os Jogos Olímpicos sempre tiveram uma tradição de solidariedade e de humanidade. Nestes não foi diferente. Dois exemplos: no jogo de andebol feminino entre o Brasil e Angola, a jogadora angolana Albertina Kassoma lesionou-se no joelho e não se conseguia movimentar. Ainda tentou, mas as dores eram muitas e não conseguiu. Foi então que a brasileira Tamires Frossard se aproximou da sua colega de profissão e pegou nela, carregando-a para fora do campo. Outro exemplo se calhar mais impactante por estar em causa a vitória na prova. Na competição de Omnium, competição do ciclismo de pista que é composta por vários tipos de corrida, o português Iúri Leitão, que competia com o francês Benjamim Thomas pela medalha de ouro, abrandou a sua corrida quando se apercebeu que o seu adversário tinha caído. No final, ele referiu que preferiu abrandar para verificar se estava tudo bem com o francês e que ele estaria em condições para disputar de forma justa a vitória com o próprio Iúri. A prova continuou e Thomas conseguiu no final prevalecer, relegando o português para a medalha de prata. No entanto, isso não pesou minimamente na consciência de Iúri Leitão. Duas grandes demonstrações de humanidade e que são exemplos da grandeza que o coração humano tem.

Iúri Leitão campeão europeu de Scratch em 2024, Nicola. Wikimedia Commons

Inovação – O desporto é algo vivo, que se vai transformando ao longo do tempo. Há desportos que apresentam transformações mais rápidas do que outros, dependendo da evolução da capacidade física dos atletas ou da intensidade com que a prática desportiva é exercida. No vólei de praia não se pensava que pudesse existir grande inovação até ao surgimento de uma dupla sueca composta por dois jovens de 22 anos, David Ahman e Jonatan Hellvig, que com a sua irreverência introduziu uma mudança a que os adversários ainda não se adaptaram. Normalmente o jogo é feito em 3 toques: Receção, passe e ataque que coloca a bola no lado contrário da rede. O objetivo é que a bola toque na areia no lado dos adversários. O que os jovens fizeram foi procurar fazer isso em 2 toques, o que implica uma muito boa receção, de modo a permitir que o segundo toque possa ser de qualidade. Para que os adversários não consigam ter a perceção sobre se a bola vai ser lançada ou não ao segundo toque, o jogador que recebe a bola após a receção normalmente salta: se não tiver oposição pode lançar a bola para o campo adversário, se tiver algum tipo de oposição toca a bola para que esta viaje paralela à rede e o seu companheiro poder bater a bola sem ninguém à sua frente. Isto tem causado uma enorme dificuldade nos adversários que muitas vezes ficam hesitantes entre saltar para bloquear o possível ataque ao segundo toque, ou ficar à espera para poderem tentar bloquear o ataque ao terceiro toque. Uma dúvida que tem sido bem aproveitada pelos dois jovens, que nem são muito altos para os voleibolistas e que os levou até ao ouro em Paris.

Juventude – A juventude é uma época de aprendizagem, de assimilação de conceitos que irão constituir os alicerces da vida futura, quer a nível quotidiano quer a nível desportivo. No entanto, muitos jovens atletas têm chegado a Paris e têm conseguido obter resultados extraordinários. Um dos exemplos é a jovem Amit Elor, de somente 20 anos, que ganhou de forma categórica a medalha de ouro na luta livre feminina na categoria de 68 kg. Não é algo totalmente surpreendente porque desde 2019 que ela não perde uma luta nas categorias em que esteve inserida. No entanto, não deixa de ser notável, pois para além da vitória ter sido obtida numa disciplina exigente em termos físicos como a luta livre feminina, onde a massa corporal e a experiência contam bastante, isso foi feito num palco como os Jogos Olímpicos, que são o maior evento desportivo à face da terra e onde, muitas vezes, muitos atletas falham, apesar de trazerem atrás de si um currículo impressionante em termos de vitórias em outros grandes eventos desportivos. Outro exemplo foi o da ainda adolescente japonesa Coco Yoshizawa, que aos 14 anos conseguiu a medalha de ouro em street skate feminino. Ambas demonstraram disciplina, vontade e capacidade de controlar as emoções para conseguirem ser campeãs.

Longevidade – Ser atleta de alta competição é algo de extremamente exigente. Há que ter muita disciplina, abdicar de muita coisa a nível pessoal e ter uma enorme vontade e espírito de sacrifício. Se isso é difícil em 10-15 anos, conseguir isso em 20 é algo extraordinário e ainda para mais se for numa disciplina exigente e desgastante. Em termos olímpicos, se tivermos que falar de longevidade teremos que necessariamente falar do atleta cubano de luta greco-romana Mijaín López. Neste certame olímpico, ele tornou-se no único atleta da era moderna a ser campeão olímpico 5 vezes(!!) no mesmo evento individual. Mijaín conquistou o seu primeiro ouro em Pequim 2008, tendo-se seguido as conquistas em Londres 2012, Rio de Janeiro 2016 e Tóquio 2020. Um feito impressionante e uma inegável demonstração de longevidade atlética com a manutenção das qualidades necessárias para se manter competitivo e, neste caso, campeão. Para a história fica o momento a seguir ao final do combate, em que com os olhos marejados e no meio de uma chuva de aplausos, Mijaín se ajoelha no centro do tatami, beija-o e deixa no centro do mesmo, os ténis com os quais lutou, anunciando assim a sua retirada. Um momento emblemático.

Mijaín López (esquerda) campeão mundial de luta greco-romana, em 2009, na Dinamarca. Domínio Público

Mentalidade – A mentalidade é um dos fatores determinantes para um desportista de alta competição. Ele tem que ter a capacidade para lidar com a derrota, a frustração ou a ansiedade de um momento determinado de modo a conseguir continuar na perseguição do seu objetivo, quer este seja vencer, quer seja superar alguma marca. A equipa de judo francesa mostrou ter uma mentalidade forte e quase inabalável na final por equipas. A França defrontava o Japão que se queria desforrar da derrota na final há quatro anos em Tóquio precisamente contra a equipe francesa. E os japoneses começaram bem com duas vitórias. No terceiro combate, Teddy Riner ganhou o seu combate e reduziu para 2-1. No entanto, no combate seguinte a francesa Sarah Cysique, medalha de bronze na categoria -57 kg perdeu contra a medalha de ouro na categoria -48 kg, Natsumi Tsunoda. E este era o momento decisivo pois a seguir ia lutar pelo Japão Hifumi Abe, quatro vezes campeão mundial e duas vezes campeão olímpico na categoria -66 kg. O seu oponente seria Joan-Benjamin Gaba, da categoria -73 kg e cujo maior feito desportivo a nível individual tinha sido a medalha de prata nestes jogos. Parecia um confronto entre David e Golias. Se Abe ganhasse, o Japão faria 4-1 e ganharia a competição. Muitos esperariam que fosse isso a acontecer, mas Gaba não se deixou abater e demonstrou uma determinação e uma força mental assinalável, oferecendo luta ao grande judoca japonês e acabando por vencê-lo e oferecendo um balão de oxigénio à França. Posteriormente, a lutadora francesa seguinte venceu a sua oponente japonesa colocando um 3-3 no marcador. Neste caso o que acontece é que há um sorteio para ver qual é a categoria de peso que será levada a jogo. Calhou a categoria de +90kg que lançou o campeoníssimo Teddy Riner para o tatami e que acabou por selar a vitória francesa. Mas isso teria sido impossível sem a força mental demonstrada por Gaba perante Abe.

Naturalidade – No desporto moderno estamos habituados a ver os atletas equipados com os melhores equipamentos para poderem exercer a sua ação da melhor maneira possível. Na prova de tiro com pistola de ar é normal ver-se os atletas com toda uma parafernália de acessórios para os ajudar a fazer com que consigam alcançar o seu objetivo: atingir o centro do alvo o maior número de vezes possível. Esses acessórios vão desde óculos apropriados para a competição, tapa-olho que ajudam na mira ou auscultadores que amortecem o som dos tiros e minimizam o som do ambiente envolvente. Só os óculos, por exemplo, são complexos, compostos por quase 100 peças diferentes que se resumem em três componentes básicos: uma lente, uma íris mecânica e um conjunto de visores. Tudo para fazer com que a vista se ajuste melhor à focalização que tem de realizar para o tiro. Porém, um atleta deixou isto tudo de lado e apresentou-se na prova de uma maneira simples e sem qualquer tipo de gadget: o turco Yusuf Dikec. Ele vestia uma roupa quase do quotidiano, usava uns óculos normais, sem utilizar os auscultadores e surpreendendo toda a gente ao disparar com os dois olhos abertos. Poder-se-ia pensar que com toda esta ausência de parafernália Yusuf iria claudicar. Erro grosseiro. O turco só perdeu na final, ganhando a primeira medalha para o seu país nesta modalidade. Por vezes, ser natural tem as suas vantagens.

Persistência – Podemos definir persistência como a capacidade de se conservar firme em sentimento, atitude ou resolução. Muitas vezes no desporto de alta competição esta é uma virtude que muitos desportistas têm demonstrado ao logo dos seus trajetos desportivos, pois nem sempre conseguem alcançar aquilo que almejam à primeira ou segunda tentativa. Para Novak Djokovic, um dos melhores tenistas de sempre, o sonho de conseguir ser campeão olímpico (o único grande título que lhe faltava num currículo recheado) demorou 5 olimpíadas. Ganhador múltiplas vezes dos torneios mais importantes do mundo como Wimbledon, Roland Garros ou o US Open, o seu currículo nos Jogos Olímpicos resumia-se a uma medalha de bronze em Pequim 2008, a sua primeira participação em olimpíadas. Pensava-se que seria o aquecimento para as vitórias que se iriam seguir. No entanto, as coisas não correram como o planificado em jogos posteriores, onde Djokovic foi sendo eliminado constantemente do jogo final. O tempo ia passando e em Tóquio 2020 parecia que a vitória finalmente se iria concretizar devido à grande forma que Djokovic tinha demonstrado em torneios prévios aos Jogos e às performances que tinha tido nos jogos já nas Olimpíadas. Porém, na meia-final, tudo ruiu ao ser eliminado algo surpreendentemente por Alexander Zverev. O sonho tinha acabado? Para Djokovic não, ainda iria haver um último assalto: Paris 2024. E assim, aos 37 anos ele chega à cidade luz para atingir o seu objetivo. Na sua frente havia um grande obstáculo: Carlos Alcaraz, a nova estrela cintilante no mundo do ténis. Quis o destino que ambos se cruzassem na final. O jogo foi intenso, e parecia que poderia ocorrer uma “passagem de testemunho”, ou seja, caso Alcaraz vencesse seria como o encerrar de uma época para o início de outra. No entanto, desta vez Djokovic agarrou-se com unhas e dentes à oportunidade que lhe surgiu e não descansou até ultrapassar o seu adversário com uma vitória por 7-6 e 7-6. Finalmente o sonho tinha-se concretizado, fazendo com que o tenista sérvio chorasse prostrado no court, talvez lembrando-se de todo o esforço e crença que teve que ter, para conseguir finalmente entrar no Olimpo dos campeões.

Novak Djokovic celebra a sua vitória nas meias-finais de Wimbledon de 2011 sobre Jo-Wilfried Tsonga. Creative Commons

Superação – A capacidade de superação é um fator que está implícito na prática desportiva. Quem pretenda, em alta competição, atingir um alto objetivo tem que superar as suas limitações. Muitas vezes essas limitações não estão relacionadas com a parte desportiva em si, mas em fatores extradesportivos que dificultam o exercício daquilo que se está a praticar. Foi o que aconteceu com a surpreendente medalha de bronze de boxe na categoria -51 kg, o cabo-verdiano David de Pina. A sua conquista foi a primeira para Cabo Verde e foi fruto de muito esforço, sacrifício e capacidade de sonhar. Isto porque tendo dois filhos para criar e não conseguindo sustentar-se com o boxe teve que trabalhar nas obras durante 10 horas diárias para ter dinheiro e poder alimentar a família. E isto aconteceu em Setembro passado, quando muitos atletas competiam e treinavam de modo a poderem estar na melhor forma possível para estes Jogos Olímpicos. Mesmo apesar destes impedimentos, David conseguiu demonstrar a qualidade do seu boxe e levar o nome da pequena ilha para o quadro de países vencedores de medalhas no maior evento desportivo do mundo. Uma verdadeira história de superação.

Tradição – Podemos definir tradição como a continuidade ou permanência de uma doutrina, visão do mundo, costumes e valores de um grupo social. Neste contexto dos Jogos Olímpicos há uma tradição que está bem enraizada num dos eventos: o tiro com arco feminino por equipas. Desde que esta prova foi implementada em Seoul 1988 que o ouro foi sempre para a Coreia do Sul. Já lá vão 10 olimpíadas e 36 anos e ainda nenhum outro país conseguiu retirar do mais alto lugar do pódio a equipe feminina coreana. É algo de impressionante, visto que ao longo dos anos as equipas se vão renovando com novas atletas a competirem, mas sem qualquer perda de qualidade na capacidade de atingir o centro do alvo. Quanto mais tempo irá esta tradição durar?

União – Viver a união é uma das experiências mais enriquecedoras do ser humano. Para que isso possa ser conseguido há que deixar um pouco de lado o ego individual e direcionar a consciência para o bem coletivo. É necessário entender o outro e estar disponível para dar em vez de esperar receber. A união é onde reside a verdadeira força, não na individualidade. Isto mesmo foi o que demonstrou a equipa masculina de ginástica artística do Japão na competição por equipas. Após a primeira rotação, Japão e China estavam separados por 0.734 pontos. No entanto, na segunda rotação aconteceu algo que colocou a vitória japonesa em risco: o seu melhor ginasta, campeão olímpico no Rio 2016, caiu do cavalo com arções o que fez com que a China se destacasse na liderança. Porém, a equipa não desabou e uniu-se em torno do seu capitão. Os outros ginastas pegaram na batuta, liderados pelo intenso Takaaki Sugino, e conseguiram manter o Japão na luta, apesar da excelente prestação dos ginastas chineses. Um pequeno pormenor saltou à vista: quando o melhor ginasta chinês, Zhang Boeng teve uma falha no solo que fez o Japão aproximar-se em termos de pontuação não se notou o mesmo sentido de apoio que os japoneses tinham dado a Hashimoto. Isso talvez tenha feito a diferença, pois os japoneses lutavam em conjunto, enquanto os chineses formavam um conjunto de unidades. A importância disso notou-se no último aparelho, a barra. Um ginasta chinês teve falhas que comprometiam a equipa. Mas tudo estava nas mãos de Hashimoto pois se ele falhasse novamente, o Japão perdia a oportunidade de passar para a frente. Após a competição, o ginasta japonês confessou ter-se sentido aterrorizado antes de iniciar a prova. Segundo ele, aquilo que o ajudou foi ter sentido o apoio dos seus colegas e isso deu-lhe forças para continuar confiante e conseguir a pontuação necessária para poder ultrapassar os chineses. O Japão acabou por vencer a China por meros 0.532 pontos, mas tudo se deveu ao sentido de união que se viveu dentro do conjunto.

Vitória – Se há algo que os grandes atletas de alta competição desejam é a vitória nos seus respetivos desportos. É o corolário de todo o esforço e dedicação que colocam no exercício da prática que escolheram exercer. Se essa vitória é algo bastante saboroso de se desfrutar, se ela surgir no final de uma longa carreira desportiva melhor ainda vai saber. Mikkel Hansen, andebolista da Dinamarca, considerado por três vezes o melhor jogador do mundo, três vezes campeão do mundo e uma vez medalha de ouro com a sua seleção, teve a oportunidade de desfrutar desse doce néctar da vitória no final da sua carreira. Logo no início desta temporada Hansen tinha dito que se iria retirar no final, sendo a sua última competição os Jogos de Paris. A seleção dinamarquesa é uma das mais poderosas formações no panorama atual do Andebol, a par da França. No entanto, isso não seria garantia de nada, como se veio comprovar com a seleção francesa, a jogar em casa, mas que acabou por ser eliminada nos quartos-de-final pela Alemanha. A Dinamarca não facilitou na fase de grupos realizando um percurso imaculado só com vitórias. No entanto, o jogo dos quartos-de-final alertaram os dinamarqueses de que o caminho seria duro. A vitória foi conseguida por 1 golo de diferença. Hansen foi sendo gerido na sua utilização, dando mais protagonismo à nova geração de jogadores, mas quando era necessário realizar grandes penalidades era ele sempre o chamado e converteu-as praticamente todas. Nas meias-finais novamente um jogo difícil contra a Eslovénia e nova vitória por 1 golo de diferença. A glória encontrava-se mais perto, mas pela frente ainda se encontrava a Alemanha, com um jovem trio de atacantes de qualidade e responsáveis por eliminar a França. No entanto, esta Dinamarca tem algo do espírito viking de não temer os adversários e lançou-se para a final com uma forte determinação não só espalhando o talento dos seus jogadores, mas também, aproveitando cada erro do adversário para vencer a final por uma diferença recorde de 13 golos e terminando o torneio olímpico invicta. Hansen retirava-se em estado de graça, no patamar mais alto que um atleta olímpico pode desejar: a vitória. Que melhor poderia algum desportista querer?

Cleto Saldanha

Imagem de destaque: Local dos Jogos Olímpicos de Champ-de-Mars, visto da torre Montparnasse, MFonzatti. Creative Commons