Todos nós, provavelmente, ouvimos falar de diferentes tipos de inteligência: corporal-cinestésica, verbal, lógico-matemática e, ultimamente, também de inteligência emocional e até espiritual. Recentemente deparei-me com o termo inteligência estética e isso inspirou-me a pensar no que isto poderia significar de uma forma filosófica e metafísica e por que poderia ser importante.
Do ponto de vista filosófico, poderíamos definir a inteligência como discernimento, que é a capacidade de julgar bem e reconhecer as diferenças subtis entre coisas semelhantes. Quer se trate de arranjar flores numa jarra, escolher entre dois vinhos, interpretações diferentes de uma peça de música, entre o certo e errado e o melhor ou o pior – precisamos sempre de discernimento para avaliar a qualidade de algo e tomar uma boa decisão. O discernimento aplica-se a todas as áreas da nossa vida – incluindo a psicológica, moral, estética e espiritual. Num nível mais metafísico, permite-nos separar o efémero do transcendente e a duração do transitório. Então, se a inteligência é discernimento, então a inteligência estética seria a capacidade de perceber a beleza não só nas suas manifestações efémeras, mas também na sua essência transcendente.
Por que devemos desenvolver a nossa inteligência estética? Porque nos permitirá experimentar estados elevados de consciência; porque nos ajudará a transcender o mundo físico e material e a aproximar-nos do reino dos arquétipos; porque nos permitirá amar mais a vida se conseguirmos perceber mais a sua beleza. Num mundo onde tantas pessoas sofrem de depressão e falta de sentido, a beleza pode ser um medicamento poderoso. As pessoas com menos inteligência estética vivem num mundo muito mais restrito, é quase como se vivessem num mundo a preto e branco, incapazes de ver todas as cores à sua volta.
Como podemos aumentar a nossa inteligência estética? Em primeiro lugar, temos de desenvolver e aprofundar a nossa percepção de beleza. Todo o ser humano é dotado da capacidade de apreciar a beleza, e qualquer aspecto de nós mesmos pode ser desenvolvido com o tempo, se lhe dermos a nossa atenção e praticarmos. Também é importante alargar o leque da nossa experiência de beleza. Todos temos hábitos estéticos, os quais acabam por nos ligar ao que já conhecemos. Se procurarmos sempre a nossa experiência de beleza na música, pode ser útil tentar vê-la na poesia, na dança ou no teatro, numa paisagem diferente ou no nosso ambiente urbano. Também precisamos de permitir que a beleza nos emocione e nos penetre. Quanto mais aprendemos a integrar a beleza nas nossas vidas, mais nos mudará: vai alterar a forma como nos sentimos, pensamos, agimos, nos relacionamos e vivemos as nossas vidas.
Como podemos aprender a separar a beleza transcendente das suas manifestações efémeras? A melhor resposta a isto é dada por Platão no seu Simpósio, onde a sacerdotisa Diotima descreve a escada da beleza. É possível, diz ela, perceber a beleza em si mesma, para além de qualquer uma das suas manifestações efémeras. Mas para atingir este objectivo, temos que aprender a vê-lo em todo o lado. Primeiro no mundo visível dos corpos e objectos, depois no mundo moral das qualidades interiores, depois em ideias filosóficas e abstrações matemáticas. Assim, a nossa experiência de ver a beleza em formas cada vez mais subtis vai levar-nos para cada vez mais perto da beleza absoluta. É significativo que Platão dê uma hierarquia a experiências de beleza. No entanto, tal não significa que não devamos valorizar todas as experiências genuínas de beleza, por muito diferentes que sejam das nossas.
A experiência da beleza acontece muitas vezes espontaneamente e não pode ser repetida: uma formação de nuvens repentina, um raio de luz iluminando uma gota de chuva numa folha, o sorriso inconsciente na face de outra pessoa – são momentos em que algo profundo dentro de nós é tocado e nos enche de prazer. Momentos depois desapareceu. Quase que podíamos compará-lo a um fenómeno paranormal: uma vez que não pode ser repetido num laboratório com diferentes tipos de pessoas, não pode ser muito bem estudado pela ciência. A beleza leva-nos a zonas além dos nossos sistemas de controlo. Não pode ser definida, medida ou possuída. Para entrarmos no misterioso reino da beleza precisamos de desenvolver a nossa própria bússola interior, ou seja, precisamos de desenvolver a nossa própria inteligência estética e não depender do que os outros dizem. Não temos de gostar das coisas só porque toda a gente gosta delas. O discernimento gradual e a apreciação da beleza é um bom caminho para se tornar autêntico.
Há muito mais que poderia ser dito sobre inteligência estética. Mas, como último ponto, gostaria de salientar que todas as formas de discernimento nos permitem escolher melhor. A capacidade de discernir a beleza permitir-nos-á escolher o que é mais belo, uma vez que o Belo, o Verdadeiro, o Justo e o Bom são todos aspectos da mesma Realidade Divina de acordo com os gregos antigos, e permitir-nos-á, ao mesmo tempo, escolher o que é certo, o que é justo, o que é ético. Na Nova Acrópole destacamos a ligação entre a estética e a ética, que já era reconhecida há milhares de anos ao longo das filosofias do Oriente e do Ocidente. A Beleza pode ser um guia fiável e um ponto de referência para a nossa vida. Se vivermos em harmonia com as suas leis, a nossa vida também será boa, justa e verdadeira.
Sabine Leitner
Publicado em New Acropolis Library em 1 de Outubro de 2020
Imagem de destaque: As Três Graças, Canova, Museu Hermitage. Creative Commons