Quando se pretende investigar as fontes que exploram os princípios da economia que sejam consonantes com a filosofia espírita, não é muito vulgar encontrar autores, palestrantes, conferencistas que desenvolvam esta temática.

O próprio Allan Kardec, na sua obra “Viagem Espírita em 1862”, publicou um projeto de regulamento da Sociedade Central de Paris para uso de pequenos grupos e sociedades espíritas, no qual começa por expressar a proibição das questões políticas e de economia social, bem como as controvérsias religiosas.

É perfeitamente compreensível esta precaução na obra de Allan Kardec. De facto, para a época, a economia social significava um comprometimento com o confronto ideológico entre os adeptos do socialismo que sustentavam a capacidade de auto-organização dos assalariados e as correntes religiosas sociais cristãs que recusavam quer o liberalismo, quer o socialismo. O conceito atual de economia social evoluiu desde então, sendo definida por uma vasta diversidade de atividades económicas e sociais que não buscam o lucro como um fim, mas sim o bem-estar dos cidadãos. De uma forma ou de outra, não está em causa a análise da economia social no presente artigo. Por outro lado, é legítimo que aspiremos a refletir todos os temas da nossa existência, à luz da filosofia espírita, onde naturalmente, a economia não foge à regra. Para reforçar a importância desta reflexão, relevamos todo o quinto capítulo de “O Livro dos Espíritos”, dedicado à “Lei de Conservação”, que envolve questões consagradas aos princípios da economia espírita, numa perspectiva muito abrangente. O tópico por excelência da economia espírita denomina-se “instinto de conservação”, que nos remete para as relações entre os meios de conservação proporcionados pela natureza, os limites das necessidades e o controlo do supérfluo, na existência humana.
A definição de economia deriva da palavra do grego clássico “oikonomía”, que significa simplesmente a “gestão da casa”. Mas podemos encontrar outras definições provenientes das fontes disponíveis, como por exemplo, o conjunto de atividades desenvolvidas pelo homem para obter os bens e serviços indispensáveis à satisfação das suas necessidades, ou a regra e a moderação nos gastos, ou a habilidade em administrar os bens ou rendimentos, ou o proveito de que resulta gastar pouco. Claramente, não é necessário refletir sobre a economia na sua vertente espírita, com recurso a posicionamentos ideológicos. Basta exercitar esse desígnio no percurso da humanidade, contrabalançando entre o instinto da conservação com a moderação da necessidade e o controlo do supérfluo, por via da consciencialização dos exageros da ambição, dos gozos, dos prazeres, das emoções e dos desejos.

Os economistas estudam as decisões de produção, troca e consumo, como aquelas que ocorrem em um mercado tradicional. Creative Commons

Recorrendo a uma linguagem mais técnica, os princípios da economia espírita não se identificam com os da corrente mundial macroeconómica conhecida por economia do crescimento. Há muito que somos conduzidos pela crença deste modelo económico, com a justificação de que a economia mundial tem de crescer. Então, competimos uns com os outros, extorquimos os recursos da Terra, degradam-se as condições ambientais, porque nos fazem crer que esse indicador macroeconómico, chamado “produto interno bruto” tem de crescer sempre! Para garantir este objetivo, o consumismo aparece como um grande aliado, sustentado pelo marketing que promove junto dos consumidores um conjunto de necessidades artificiais, pelo crédito que facilita o acesso ao consumo e pela obsolescência programada, que visa tornar o produto não-funcional ao fim de um tempo determinado, com o objetivo de forçar o consumidor a comprar a nova geração. Tudo isto é paradoxal para o instinto da conservação. A resposta à pergunta 716 de “O Livro dos Espíritos” é inequívoca, na medida em que a natureza traçou o limite das nossas necessidades, mas a insaciabilidade do homem engrandece-lhe os vícios que buscam necessidades que não são reais. A propósito, Jean Jacques Rosseau (1712-1778), que influenciou o pensamento do pedagogo Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) e este por sua vez foi mestre de Allan Kardec, sublinhou precisamente que é de uma imprudência enorme multiplicar as necessidades irrealistas e de colocar deste modo, a alma numa maior dependência.

Liquidação/Promoção. Creative Commons

A economia espírita é congruente com os princípios da economia do decrescimento controlado, pela sua identidade com o instinto de conservação. Segundo o Prof. Serge Latouche este projeto económico corresponde à rotura criada pela redefinição de felicidade, definido como «abundância frugal dentro de uma sociedade solidária». Entenda-se pela palavra “frugal” aquilo que é característico da sobriedade, da temperança, da moderação, do comedimento, da parcimónia. Trata-se de um projeto que contrapõe a competitividade da economia do crescimento ao cooperativismo (não confundir com corporativismo) da economia do decrescimento. Em termos comparativos, o Prof. Serge Latouche advoga que todos os organismos crescem, sendo uma lei da natureza. Mas reforça a ideia que é preciso insistir sobre a diferença entre os organismos naturais e o organismo económico, porque este nada tem de natural, pretendendo acima de tudo, escapar ao declínio e à morte, assim como às consequências da sua inserção no ecossistema planetário. Conforme foi detalhadamente analisado pelo Prof. Serge Latouche, estes conceitos foram profundamente diligenciados por grandes filósofos ancestrais. Lao Tse (V-IV séc. a. C.) preconizou a rejeição do supérfluo, e defendeu uma certa ética da frugalidade e da autolimitação, valorizando a busca de harmonia com a natureza mais do que a acumulação de bens materiais. Diz-nos Lao Tse que a sabedoria é o caminho que desprende o excesso, a extravagância e o exagero. Diógenes de Sínope (412-323 a. C.) interpretou a felicidade através de uma vida simples e a necessidade de retornar à natureza, apesar de todas as convenções e costumes que nos tendem a afastar. Epicuro (342-270 a. C.) identificou que a raiz do mal se encontra na intemperança dos desejos, que sobre o efeito de uma falsa representação do prazer e da felicidade, impulsiona-nos a possuir sem limite, quando não é buscar a qualquer preço um diminuto poder ou glória de um instante. Mahatma Gandhi (1869-1948) deixa-nos a máxima de que «a terra é suficientemente grande para satisfazer as necessidades de todos, mas será sempre muito pequena para satisfazer a avidez de alguns». E acrescenta que não há necessidade do sistema da concorrência, da competitividade que atormenta a vida. A sabedoria de Gandhi estabelece que o bem-estar é necessário, mas para além de um certo limite torna-se um obstáculo, porque por detrás da criação de necessidades ilimitadas esconde-se uma armadilha: a satisfação das necessidades materiais deve ter os seus limites, de outra forma degenera no culto da matéria. 

Interior de Supermercado Hiper Lider de Quilicura. Creative Commons

Esta simbiose entre o instinto da conservação e o decrescimento económico está também presente nas tradições africanas, ameríndias e asiáticas. Uma vez mais é o testemunho deixado pelo Prof. Serge Latouche. O conceito de “desenvolvimento” no Zimbabwe pode ter múltiplos significados, consoante os diferentes dialetos: em sindebele significa “ter o controlo sobre o que temos necessidade para trabalhar”; em siwasivaku traduz que “nós estamos na terra e nós queremos erguer-nos”; em siyaphambili significa que “vamos para a frente”; em dingimpilo denota a “busca pela vida”; em sivamerzela “nós o fazemos, nós mesmos”; em vusanani expressa que “nós apoiamo-nos uns aos outros para nos erguermos”. As comunidades do rio Senegal entendem que o desenvolvimento “é a busca por uma sociedade fortemente enraizada na solidariedade, de um bem-estar social harmonioso, onde cada um dos seus membros, do mais rico ao mais pobre, pode encontrar um lugar e a sua realização pessoal”. Na Bolívia e no Equador o conceito “viver bem, viver em plenitude” é representado pelas expressões “aymara suma quamaña” e “kichwa sumak kawsay”, respetivamente, e ambos traduzem o seguinte princípio filosófico: «viver em harmonia e em equilíbrio com os ciclos da Terra-Mãe, do Cosmos, da vida e com todas as formas de existência». No Japão, especificamente no templo budista Ryoan-ji (um dos mais célebres do budismo zen), aparece no seu Jardim das Pedras o princípio filosófico da “satisfação”: «Aprendo somente para estar satisfeito. Aquele que aprende somente para estar satisfeito é espiritualmente rico, ao contrário, aquele que não aprende para estar satisfeito é espiritualmente pobre, mesmo se for materialmente rico». 

A evolução da humanidade defronta novos desafios económicos que sejam mais capazes de interpretar o instinto de conservação, reformulando eficientemente o conceito de necessidade, sem descurar o seu progresso científico e tecnológico, através de um modelo de decrescimento económico controlado, solidário, cooperativo e sustentável em benefício da nossa Casa Comum.

Por Carlos Paiva Neves

Imagem de destaque: Allan Kardec (Nome completo: Hippolyte Léon Denizard Rivail). Domínio Público