Muitos dos grandes artistas do mundo foram inspirados pela filosofia perene, esotérica ou oculta e as suas obras de arte expressam verdades intemporais que continuam a falar às nossas intuições. O artista e poeta William Blake não é exceção, mas não é fácil localizá-lo dentro da tradição esotérica, porque ele esteve submetido a muitas influências diferentes. Katleen Raine, autora de William Blake (publicado por Thames&Hudson), disse que “Blake era amplamente versado… nos escritos de Platão e Plotino, Berkeley e a Hermética, Paracelso e Fludd, e a teologia mística de Boehhme e Swedenborg”. Noutra parte ela escreve: O Casamento do Céu e do Inferno (uma das obras de Blake) é o fruto do seu trabalho profundo da teologia mística de Boehme, os escritos alquímicos de Paracelso, Fludd e Agripa e o seu conhecimento da tradição Esotérica Ocidental.” Blake referiu-se a estes e outros pensadores como seus “amigos espirituais” que “jantaram com ele” no “pão do doce pensamento e vinho do deleite.”

Nos seus textos e pinturas podemos encontrar um número de temas esotéricos, que eu listei abaixo sem nenhuma ordem específica.

  • Movimento eterno, ou a Única-Vida em todas as coisas. Este é um ensinamento universal da filosofia esotérica: que a Vida, ou Consciência, nunca termina, nem com a morte, nem mesmo com a destruição cíclica do universo material. Para Blake, esta Vida, que pode ser vista nas coisas mais pequenas e humildes, tais como o verme e a pequena mosca alada, é feliz na sua essência. “Tudo quanto vive é sagrado”, escreveu. De acordo com Raine, esta é a razão para a leveza das figuras de Blake – elas são expressões do livre espírito da Vida, que está em movimento perpétuo. De acordo com G.P. Lomazzo, um autor renascentista de um tratado de pintura, “a maior graça e vida que uma pintura pode ter é que expresse Movimento: à qual os pintores chamam o Espírito de uma imagem.”

Oberon, Titania e Puck com fadas dançando. Do sonho de uma noite de verão de William Shakespeare. William Blake. Public Domain

  • A nossa perceção do mundo é limitada pelos constrangimentos dos nossos sentidos e da nossa mente. A este respeito, Blake escreveu uma vez estas famosas palavras: “Se as portas da perceção estivessem desimpedidas tudo apareceria ao homem tal como é, infinito. Pois o homem fechou-se a si mesmo até ver todas as coisas através das estreitas fendas da sua caverna.” A caverna neste caso é o corpo e as estreitas fendas são os sentidos limitados do homem. Mas não são os sentidos em si mesmos que são limitados, e sim a restrição deles às perceções estritamente materiais. Também podemos desenvolver os nossos “sentidos subtis”, que nos permitiriam compreender a própria Vida, infinitamente manifestada em todas as coisas. Há uma imagem fascinante de “Aged Ignorance” a cortar as asas de um anjo com umas tesouras. Com isto Blake atacava a visão mecanicista e racionalista que prevalecia no século XVIII, onde razão e ciência mecanicista, divorciada do espírito de Vida, separavam o ser humano da fonte do seu ser, que para Blake era a Imaginação.

Pena. William Blake. Public Domain

  • O Corpo e o Mundo são uma Caverna e um túmulo. Este é outro ensinamento esotérico universal, que se encontra particularmente na tradição Órfica da Grécia Antiga e ecoa nos escritos de Platão e Plotino. Blake estava familiarizado com estes através das traduções do Platonista do século XVIII Thomas Taylor, a quem ele conheceu. Não significa que Blake menosprezasse o corpo ou odiasse o mundo, mas simplesmente acreditava que a alma é mais livre e mais verdadeiramente ela própria quando libertada do seu “invólucro terreno”, ou quando ela pode entender a Vida para lá das restrições dos sentidos: “O Homem não tem corpo distinto da sua alma; por isso o chamado Corpo é uma porção da Alma percebida pelos cinco sentidos.” Encontramos a mesma ideia nas Enéadas de Plotino, onde ele fala de “alma corporizada”, e também na doutrina indiana de Maya (normalmente traduzida como “ilusão”). A natureza física é vista como uma projeção ilusória do Real, que é intangível. Platão expressa o mesmo ensinamento na sua “Alegoria da Caverna”.

De acordo com Kathleen Raine, The Little Girl Lost e The Little Girl Found de Blake são um recontar dos Mistérios Maiores e Menores de Elêusis, da descida de Cora ao Hades, e das nove noites místicas da busca da mãe pelo seu filho. Os poemas baseiam-se na Dissertação de Taylor sobre os Mistérios Eleusinos e Dionisíacos. Muitos dos temas de Blake derivam de textos e traduções de Thomas Taylor.

Songs of Innocence and of Experience. The Little Girl Lost & Found. William Blake. Public Domain

  • Cristianismo Esotérico. Blake descreve-se a ele próprio como um “adorador de Cristo”, apesar de nunca ter ido à Igreja. De acordo com Raine, ele era “swedenborgiano na religião”. “O Jesus de Blake é tão essencialmente o único Deus em tudo, mais do que o Jesus da história.” Podemos ver isto na pintura da Natividade de Blake, onde, em vez da cena usual da mãe e da criança, vemos um ser luminoso emergindo no espaço envolvente da sua mãe Maria. Esta é a parte divina de todo o ser humano, que está em nós, mas é normalmente suprimida por todo o tipo de fatores, incluindo uma educação materialista. O Cristianismo Esotérico vê os acontecimentos da vida de Cristo de um ponto de vista mais simbólico: a crucificação é o conflito interior entre as aspirações espirituais do homem e os seus anseios mais materiais; e a ressurreição e ascensão ao céu representam a resolução deste conflito conectando com a parte divina do próprio e sendo libertado das limitações de matéria e da mente inferior. Tudo isto pode ser encontrado na “mitologia” criada por Blake e expressa nas suas pinturas e poemas.

A Natividade. William Blake. Public Domain

  • O mundo espiritual. Como um visionário, Blake “viu” não só as formas das suas pinturas e recebeu alguns dos seus poemas por “escrita automática”; muitas vezes também intuiu seres subtis na natureza, tais como anjos e fadas. Podemos assim ver na obra de Blake os “três mundos” dos ensinamentos esotéricos tradicionais: o mundo das formas arquetípicas (que ele chama mundo da imaginação), o mundo dos seres subtis e próprio mundo físico. Como o próprio Blake escreveu: “Este mundo da imaginação é infinito e Eterno, enquanto o mundo da Geração ou Vegetação é Finito e Temporal. Existem nesse Mundo Eterno as Realidades Permanentes de Toda a Coisa que vemos neste Vidro Vegetal da Natureza.”

Blake via as fadas como os espíritos vivos do mundo vegetal e uma vez descreveu a uma mulher um “funeral de fada” que testemunhou uma noite: “Eu caminhava sozinho no meu jardim; havia uma enorme quietude entre os ramos e as flores, e mais doçura no ar do que habitualmente: ouvi um som baixo e agradável, e não sabia de onde vinha. Por fim, vi a larga pétala de uma flor mover-se, e debaixo vi uma procissão de criaturas de tamanho e cor de gafanhotos verdes e cinzentos, levando um corpo deitado numa pétala de rosa que enterraram com canções, e depois desapareceram. Era um funeral de uma fada.”

O sonho de Jacob. William Blake. Public Domain

Estaria ele a visualizar a realidade ou seria um produto da sua imaginação? Talvez ele estivesse a ver a realidade através da sua imaginação. Afinal, o que é Imaginação, e o que é Realidade? Na visão de Blake ambas estavam interligadas. Nas palavras do poeta: “Aos olhos do Homem de Imaginação, a Natureza é ela própria Imaginação… Imaginação é Sensação Espiritual.”

William Blake. Thomas Phillips. Wikimedia Commons

Julian Scott
Publicado em New Acropolis. January 15, 2020.