Quando o escritor americano Cormac McCarthy publicou em 2005 o seu romance “Este país não é para velhos” (No country for old men), que logo seria levado ao cinema em 2007 pelos irmãos Coen, estava assinalando, talvez sem desejá-lo, uma premonitória frase que recorda a discriminação por causa da idade.
Não deixa de chamar a atenção a quantidade de preconceitos que se têm configurado sobre os velhos e a velhice na sociedade moderna, a que se junta o facto de a população atual ter uma maior expectativa de vida como resultado de melhores condições de salubridade. Na Declaração Política da Segunda Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, promovida pelas Nações Unidas, elaborada em 2002, indicava que “o mundo está a experienciar uma transformação demográfica sem precedentes, com o número de pessoas com mais de 60 anos a aumentar de 600 milhões para quase 2 biliões em 2050”.
Interessantes resultados da investigação apresentada pelo Instituto Nacional contra a Discriminação, Xenofobia e Racismo da República da Argentina (INADI), em que se analisa a Discriminação por idade e se reivindica a velhice, face aos estereótipos e preconceitos existentes, e onde se refere que “se envelhece desde o nascimento. O ciclo da vida é uma evolução constante e a velhice – com as suas características próprias – faz parte dessa evolução. Devemos ter a noção clara de que para além das perceções e crenças sociais, as pessoas adultas mais velhas têm a mesma oportunidade de crescimento, desenvolvimento e aprendizagem, assim como passar por novas experiências, como as pessoas que estão a passar por outras fases da vida”.
Tenhamos em conta que a representação que uma sociedade faz do envelhecimento encontra-se determinada pela conceção sociocultural do que quer entender-se como velhice e que tem mudado consideravelmente no decorrer da história. No Egito faraónico, a velhice era um grau de consideração e respeito. Na China, recordemos os ensinamentos de Confúcio e o valor dos anciãos como fonte de conhecimento e equilíbrio. Na Grécia, o termo geronte era como se denominava em Esparta aos membros da Gerúsia que constituía um dos órgãos do governo espartano e que era integrado por 28 cidadãos com mais de sessenta anos de idade, que se considerava e respeitava justamente pela sua idade, como um valor de conhecimento e poder. Em Atenas, os membros do Areópago eram constituídos por um conselho de anciãos. No caso de antiga Roma, os senis eram aqueles cidadãos com mais de sessenta anos que formavam o Senado romano.
Lamentavelmente, tanto no século XX como no atual século XXI, ainda existem estereótipos reminiscentes sobre os anciãos, ao ponto de alguns políticos considerarem que os velhos são um encargo para a sociedade e os estigmatizam com uma visão pejorativa da velhice. A isto se chama de Idadismo. Efetivamente, a propósito da discriminação por idade foi muito oportuna a Declaração Pública da Comissão Mista da Cátedra da Macrosad de Estudos Intergeracionais da Universidade de Granada, apresentada em abril de 2020, com o título “Mais intergeracionalidade, menos idadismo”. A Declaração tem três argumentos determinantes: “o idadismo existe e é muito prejudicial”, o que significa que se utilizam preconceitos e estereótipos negativos que são uma fonte importante de desigualdade e de injustiça; “a discriminação por idade é inaceitável”, mais ainda em temas tão perigosos e pouco éticos como no caso duma pandemia (como o que acontece com o coronavírus em 2020). No momento de tomar decisões sobre a aplicação de cuidados intensivos, a Declaração considera inaceitável livrar-se duma pessoa doente de COVID-19 por ultrapassar a idade; e, finalmente, indica que “um adequado contato intergeracional diminui o idadismo”. Por isso se argumenta que chegou o momento de introduzir definitivamente, tanto nas agendas públicas como privadas e para todas as idades, o fomento de uma educação adequada sobre o processo de envelhecimento juntamente com um forte impulso, dentro e fora do âmbito familiar, das relações intergeracionais. Por esta razão assinala Diego Hurtado, presidente do SECOT de Jaén, num artigo publicado recentemente no Diário Jaén (17/06/2020) intitulado As relações entre as gerações, mito ou realidade?: “É óbvio que o idadismo é uma das três grandes formas de discriminação da nossa sociedade, por trás do racismo e do sexismo, e que é uma tendência que cresce a um ritmo, infelizmente, não desejável ou conveniente (…) É curioso e, não menos chocante, que todos os partidos políticos, sem exceção, ao elaboraram as suas candidaturas eleitorais, especialmente para as eleições municipais, orgulhem-se e gabem-se de ‘apostar na juventude’ e não contem com as pessoas mais velhas que possuem uma experiência valiosa”.
Deveríamos voltar a ler os clássicos, pois com Platão cria-se uma nova configuração de velhice. Os anciãos são hierarquizados, deve-se-lhes respeito, subordinação, escutam-se e consultam-se. Acedem à dialética (o que não é recomendado aos jovens), o saber os habilita como filósofos e os coloca nas práticas políticas. Os anciãos têm virtudes como sabedoria, equanimidade, dignidade e a sociedade pode aproveitar estes valores. Disse-nos Platão, citando Píndaro, que “aquele que viveu a sua vida com justiça e devoção o acompanha, alimentando o seu coração de boa esperança, ama de velhice que melhor orienta o versátil julgamento dos mortais.” (Platão, República. 331a). Tanto na República, como nas Leis, se destaca a presença dos anciãos em cargos executivos do estado: o supervisor da educação das crianças deverá ter mais de 50 anos. No conselho noturno, juntamente com os sacerdotes, a reunião tem dez guardiães da lei mais idosos e os membros entre 30 a 40 anos os acompanham e são convidados por eles, e as decisões mais importantes devem recair sobre os magistrados anciãos. Não esqueçamos que Platão fixa os 50 anos, tendo em conta a esperança de vida daquele tempo, como a idade para captar a ideia do Bem e para o exercício da filosofia.
Por estas razões, considero conveniente que comecemos a valorizar a experiência e a idade como um aval de conhecimento e sabedoria, que, sem dúvida, deve ser verificado pelos atos que desenham a vida dos idosos, mas é necessário, de uma vez por todas, que reconvertamos os critérios confusos e injustos do idadismo. Por isso proponho uma nova fórmula que intitularia como a “Geração 20/21”, isto é, aqueles que tenham vivido e passado de um século para o outro e como tal, guardam uma importante experiência e, além disso, desejam continuar sendo uteis à sociedade de maneira ativa e efetiva e interrelacionando-se com as novas gerações que irão defrontar o seu século que é o vinte e um.
Como escreveu a jornalista e antropóloga María Dolores Fernández-Fígares no jornal Ideal de Granada (06/05/2020) no artigo O prejudicial idadismo, “a solução que têm para este problema é já conhecida há algum tempo nos meios científicos gerontológicos: o contato intergeracional não deve ser perdido. Numa sociedade sã o natural é que conviva as gerações e se enriqueçam mutuamente”.
Esta proposta geracional que fazemos tenta resumir vários aspetos que deveriam ser resgatados: a) a capacidade de ter vivido uma mudança de século em plena atividade, o que permitiu a um amplo grupo de seres humanos terem sido testemunhas duma mudança de era ou de uma rotação temporal, ou como melhor o queiramos chamar, uma ponte entre dois séculos; b) o volume de experiências que sustentam uma vida cheia de contrastes, que permitiu superar guerras, crises económicas, desastres ambientais, construir uma família, ter filhos, ter netos e até bisnetos; em conclusão, uma vida no sentido estrito da palavra; c) o feito de que culminada a sua fase profissional e alcançada a reforma, desejam continuar ativos, geralmente em muitos casos como exemplos de voluntariado sem fins lucrativos, com a simples satisfação de ajudar as novas gerações; d) que estão dispostos a colocar todo o seu esforço para gerar laços intergeracionais com o fim de colaborar com as novas gerações dando-lhes o melhor que possuem que é a sua experiência; e) muitos deles e delas têm conseguido o doce sabor da pequena sabedoria que se atesoura nesse recanto do coração e do cérebro onde se guardam os êxitos e os fracassos, como dizia Rudyard Kipling em If, “a ambos impostores trata-los de igual forma” (If you can meet with Triumph and Disaster. And treat those two impostors just the same).
Convém aceitar que a mudança de século gerou e continua a gerar uma nova consciência para aqueles que tenham sido capazes de cruzar esta ponte da história e elevar-se sobre um novo século que aguarda expectante renovadas epopeias.
Na medida em que todos aqueles e aquelas que estejam dispostos a seguir em frente apesar dos anos se vão integrando nesta Geração 20/21, se poderá estabelecer entre todos, jovens e velhos, uma sociedade mais justa e sobretudo mais feliz; até que se vá chegando ao ponto final, o momento da partida, na qual possam retirar-se para os Campos Elíseos com a segurança e a satisfação de ter “servido”.
Juan Manuel de Faramiñán Gilbert
Publicado no blog de Antonio Garrido em 18 de Junho de 2020