Hoje vi, numa estranha visão, a Morte.
E essa visão me ajudou a entender, pelo menos por um momento, que não estão vivos todos os que estão dentro de um corpo, nem estão mortos todos aqueles que não podem perceber sensivelmente.
A morte, com a sua fatal claridade e nitidez, com a sua definição sem rodeios, foi-me apresentada como um limite entre duas formas de vida: uma, a que já conhecemos, e a outra, cheia de mistério, mas também atraente. E então, a morte, como extinção, não seria mais do que o instante de transferência em que já não se serve para permanecer na Terra, e em que ainda não foi tomada a posição exata do campo do Céu.
Apesar da morte, costumamos chamar vivos na Terra todos aqueles que têm um corpo biologicamente funcional. Mas isto nos leva a uma análise imediata: se estar vivo é ter um corpo funcionando, as plantas e os animais estão vivos como os homens, e não haveria diferença entre a sua existência e nós. Na verdade, deve haver alguma diferença, quando é tão pouco punido o corte de uma flor, e é tão criticada a morte de um homem.
Assim, como é costume, chegamos à conclusão de que a diferença está na capacidade de pensamento que é própria dos seres humanos, e que é a riqueza capital que torna a vida tão valiosa neste nível superior.
Por isso, novamente nos perguntamos: todos os homens estão vivos? Para isso, todos os homens deveriam estar preparados para o correto pensamento, e infelizmente não é assim. A discrepância diária de opiniões nos revela que o correto pensamento ainda não é domínio do homem, porque o correto, o bom e o que é exato não pode ser variável.
Nem todos os homens pensam, nem todos os que pensam o fazem de forma construtiva. Pensar apenas no próprio benefício não é exclusivo do ser humano. Pensar e expor belas ideias que são pedidas para os outros, mas não para si mesmo, é degenerativo do ser humano. Não pensar ou se preocupar com nada além de uma boa vegetação é roubar espaço da vida e estagnar uma alma que precisa de outros alimentos e outras atividades.
Na realidade, o que vive em nós não é a máquina corporal; ela não é outra coisa que um bom instrumento para a manifestação do que realmente está vivo e nunca pode morrer; daquilo que não é material, que escapa ao tempo e aos limites, e que nos enche (muitas vezes apesar de nós mesmos) de estranha nostalgia de um Mundo diferente…
Por outro lado, e igualmente apesar da Morte, aqueles que perderam os seus corpos, não desapareceram. Tudo depende da memória que eles gravaram ao seu redor, pelos nobres feitos bem podem perdurar mesmo sem matéria de apoio. Há vidas passadas que foram tão nítidas que ainda se espalham entre os homens de hoje, dando-lhes novas forças e novo alento para trabalhar por um Ideal.
Muito pouco é roubado pela Morte: apenas um corpo; apenas um veículo; mas nada toca a essência Divina que pulsa nas profundezas de cada ser. Por isso, não é válido o medo da Morte. Ao contrário da nossa tradicional crença na imortalidade da Alma, a Morte não pode vencer a Vida Eterna. E aqueles que não creem nem na sua Alma nem na sua própria imortalidade, também não precisam temer a Morte, pois nada lhes pode tirar…
É difícil entendermos como aqueles que rejeitam todas as ideias místicas e espirituais, que fingem ver na Vida uma centelha do acaso, são os que mais se apegam a essa vida, mesmo que, na realidade, só trabalhem para a morte. Porque propor uma vida vazia, onde não há Deus, onde a honra saiu de moda, as virtudes são obstáculos de uma moral retrógrada, a História é um incómodo e a arte uma mera perda de tempo, é o mesmo que propor a morte. Aqueles que quiserem impor tal estilo de vida terão que fazer muito trabalho, na melhor das hipóteses só conseguirão ser seguidos por aqueles que, mortos de antemão, só arriscam uma vã vaga pelo mundo, sem sentido e sem propósito.
Chamaremos, sim, vivos aqueles que, sem medo da Morte, sabem trabalhar para hoje e para sempre, empenhando-se naquilo que é verdadeiramente imperecível. A luta por uma conceção material, por uma existência dedicada exclusivamente ao estômago e à violência, sem um pingo de durabilidade, nem merece ser iniciada. Essa é a vida do reino dos mortos, onde até a própria Morte tem medo de entrar porque não tem nada para levar…
E em homenagem a essa Morte que hoje pude ver, devo confessar que ela também prefere os homens vivos, aqueles com alma desperta e mente lúcida, aqueles que se derramam em ações altruístas, com profundo respeito pelas figuras que marcaram os caminhos prévios da História, e com grande entusiasmo por aqueles que caminharão mais tarde por esses caminhos. Porque neste reino dos Vivos, a Morte encontra neles o único material digno de ser transportado para a Glória e a Imortalidade.
Delia Steinberg Guzmán
Publicado na Biblioteca Nova Acrópole em 20-08-2023
Imagem de destaque: O enterro prematuro, Antoine Wiertz. Domínio Público