Etimologicamente, a palavra hipnose advém do grego, de Hipnos, o sonho, irmão mais novo de Tanatos, a morte.
O estado de sono artificial, com a sequência de fenómenos psicológicos e parapsicológicos que se englobam nesta denominação, é conhecido pela Humanidade há muitos milénios, mas a sua imbricação noutras disciplinas mais gerais, como a magia, a feitiçaria e as antigas e modernas formas religiosas, torna impossível fixar o início da sua prática, podendo dizer-se que, tanto os homens pertencentes às altas culturas como aqueles em estado tribal e ainda nómada, a conheceram desde sempre, ainda que o primeiro dado concreto que possuímos é o atribuído à escola hipocrática, que a utilizava para combater os espasmos ou contrações nervosas. Também sabemos que as curas por meio do sono artificial por imposição da vontade do praticante, com ou sem ajuda de drogas, eram utilizadas por médicos chineses em épocas anteriores à dinastia Han, inclusivamente para intervenções cirúrgicas e em alguns casos de parto.
Nas tradições hindus reconhecia-se que este poder de fascínio não era exclusivo dos homens, pois alguns animais, por exemplo a serpente, exerciam-no sobre os pássaros com base na fixação do seu olhar, dos movimentos cautelosos e de certos sons emitidos que paralisam a presa.
Na antiga civilização romana existiam templos, geralmente dedicados a Esculápio e a Serapis, nos quais multidões de homens e mulheres acudiam a restabelecer a sua saúde física e psíquica através do “sono artificial”, e onde é provável que a sugestão do ambiente e da interpretação das imagens oníricas surtissem efeitos terapêuticos dos quais temos muitas provas através das oferendas e relações que se conservam nos principais museus do mundo. O sono artificial também se aplicava na previsão de eventos futuros e na recuperação de objetos valiosos que tivessem sido perdidos.
Com a queda do Império Romano, para nos referirmos apenas à chamada bacia do Mediterrâneo, a hipnose é condenada se não for associada às novas formas religiosas vigentes. Mas estas novas formas envolvem-na num véu de uma casuística ou teologia moral que aparentam as formas puras de hipnose com o pecado e o diabolismo. A execução legal destes supostos delitos obscurece toda a pista do tema que nos interessa até meados do século XVIII. Isto não descarta que ao longo de toda a Idade Média e do Renascimento continuassem a praticar formas de hipnose, fascinação e sugestão, especialmente nas zonas rurais ou nas mais altas camadas da sociedade, sempre encobertas pelo “segredo de Estado”.
A memória de sábios especialmente dotados, como Paracelso e Raimundo Lúlio, não se perdeu e o austríaco Anton Mesmer, nascido nas margens do lago Constanza em 23 de Maio de 1734, depois matriculado na universidade de Viena na especialidade de Medicina, vai trazer novamente para o mundo “civilizado” o encontro de uma ciência perdida. O jovem médico vai dedicar a sua primeira tese – Viena, 1776 – à influência dos planetas sobre o corpo humano. Associando a astrologia tradicional às então revolucionarias leis de Newton, vão explicar um género de “fluído” que relacionaria todos os seres e coisas do Universo. E começa com algumas práticas curativas em doentes utilizando “passes” magnéticos feitos com as suas próprias mãos. Mas, como uma anciã religiosa que tinha feito o mesmo umas décadas antes foi decapitada e as leis contra a “bruxaria” não seriam abolidas em Viena até 1787, passou à Alemanha, Suíça e finalmente à corte de Luís XVI em França, sendo Paris o lugar dos seus primeiros e mais ressonantes êxitos, através de um consultório que instalou na Praça Vendôme.
Valendo-se de uma harmónica, um cómodo divã e dos seus obsessivos olhos cinzentos consegue, pondo uma mão na nuca do paciente e passando a outra de cima a baixo pelo seu corpo, produzir o sono artificial e a cura de alguns males, ou pelo menos, a melhoria de muitos deles. Redescobre os polos do magnetismo humano, que no Oriente se conhecem há milénios como expressões do yang e do yin. Escreve e trabalha incansavelmente. São tantos os seus clientes que no Hotel Bullón instala uma banheira magnética, cheia de água, da qual emergem braços metálicos articulados. Os doentes, aos 20 de cada vez, seguram esses braços de ferro e balançam ao som de um pianoforte enquanto Mesmer caminha ao redor deles, tocando-os com uma varinha de metal, especialmente nas partes em que registam dores. Os doentes reagem de maneiras diferentes, mas no geral gritam, fazem movimentos convulsos, entram em colapso e não faltam os que batem com a cabeça contra as paredes acolchoadas. Depois, todos se acalmam e passada a crise, sorriem e falam afetuosamente. Estes fenómenos recordam os registados pela Igreja Católica nos casos de “possessão”. Da mesma forma, cem anos mais tarde, seriam descritos de forma quase igual, por Charcot na Salpêtrière. Com a ajuda do Rei e de homens economicamente poderosos, vencendo os receios da “ciência oficial”, consegue fundar uma “Instituição Terapêutica e Pedagógica”. A Sociedade Real de Medicina, apesar de no seu relatório assegurar a autenticidade dos fenómenos, considera-os perigosos e impróprios. Mas o “magnetismo animal”, já se estendeu na sua prática a outras cidades como Lyon, Estrasburgo e Bordéus.
Chegam tempos confusos. França está a fervilhar com a existência de miríades de lojas mais ou menos “maçónicas” e muitos afirmam que Mesmer era o Grão-Mestre de algumas delas. Aos poucos tudo se politiza e o depois tristemente conhecido Dantón entraria em contato com Mesmer. Também com o herói da Independência dos Estados Unidos da América, La Fayette. Recebeu também a proteção pessoal – tão perigosa naqueles anos – da Rainha Maria Antonieta. Os seus contactos aconselham-no a fugir antes do advento da Revolução Francesa, pois a sua cabeça certamente rolaria sob a guilhotina. A sua vida obscurece-se e alguns dizem que perdeu a razão. Morreu onde nasceu em 1815, aos oitenta anos de idade.
Se nos detivemos nesta personagem é porque, para mal ou para bem, foi ele quem voltou a trazer à luz ciências e práticas perdidas que, de certa forma, constituem a hipnose. Embora na França houvesse uma tradição de que o Rei podia, simplesmente tocando um doente, curá-lo pela Graça de Deus, foi a primeira vez que esta Graça, dom natural ou o que for, chegou a interessar milhares de pessoas e a comover as Universidades, que no geral eram opostas a toda a inovação. Só no final do século XIX se voltou a olhar seriamente o tema, o qual retoma a sua antiga denominação de “hipnotismo”.
Concretamente em Espanha, e como resultado das experiências do inglês Braid, o ponto é extensamente abordado no Congresso Ginecológico Espanhol, celebrado em Madrid em 1888, no qual o Dr. Ángel Pulido apresentou uma memória interessante dando ao hipnotismo-sugestão as seguintes possibilidades:
- Corretivo e modificador de estados psicológicos.
- Regulador de um plano dietético.
- Sedante e sonífero excecional.
- Um anestésico rápido e completo.
- Um modificador instantâneo de contraturas, paralisia e parestesias do histerismo.
- O único meio de o médico prever a aparição das crises convulsivas e outros distúrbios do sistema nervoso.
Por razões de espaço, não podemos continuar a referir-nos à notável tese do Dr. Pulido, que esteve quase cem anos à frente do seu tempo, alertando até sobre os perigos da prática hipnótica sem um freio moral que evite a violação da vontade e as sugestões subliminares ante as quais o desprevenido não tem recursos de defesa. Estendeu-se sob formas hipnóticas atípicas que poderiam dar-se na pedagogia e na propaganda. Recomendou aos médicos que exercitassem a hipnose com propósitos humanitários e não deixassem esta poderosa ciência nas mãos de aventureiros… Como costuma acontecer, foi amavelmente escutado e passou-se para outros temas “mais importantes”.
No mesmo ano, 1888, no Congresso Médico Internacional reunido em Barcelona, o Dr. Barberá, de Valência, leu também um interessante trabalho sobre a hipnose. Ali destacou-se o Dr. Vilató Grasset, de Montpellier, França, eminente especialista em neuropatologia, de fama mundial. Mas, tendo em conta o seu tempo histórico, descartou que a hipnose pudesse curar enfermidades físicas e menorizou o seu perigo, reduzindo-a a uma técnica auxiliar.
Levará tempo até que a nascente ciência psicológica dê à hipnose a sua real importância, pois o positivismo materialista que se apoderou do mundo esmagou muitas daquelas atrevidas iniciativas. As igrejas religiosas combateram estas práticas nos seus “golpes cegos” perante o triunfo político do ateísmo e o renascimento de antigos simbolismos “pagãos”. Chegará a hora de Pavlov, Le Bon, Boirac, da psicanalise de Freud e a narcoanálise de Hosley.
O Hipnotismo como tal, pelo menos no Ocidente, ficou relegado em grande parte a esses senhores de casaca e capa, cartola e bengala, ou então disfarçados de hindus, que divertiam as pessoas em espetáculos públicos, misturados com palhaços, comedores de fogo e balecavas. Alguns eram realmente dotados – nos meus tempos de estudante de medicina tive a sorte de conhecer um –, a maior parte, eram simples farsantes mais ou menos inofensivos que conseguiam, quanto muito, despertar algumas reações hipnóticas em pessoas excecionalmente sensíveis ou fenómenos de sugestão coletiva, que são correntes em qualquer concentração humana, seja esta com fins políticos, religiosos ou desportivos.
Foi necessário esperar até à segunda metade do século XX, perante a crise geral das teorias materialistas e do contacto com o Oriente ocorrido após a Segunda Guerra Mundial, para que se desenvolvessem de maneira científica atualizada fragmentos das antigas ciências, como as hoje chamadas parapsicologia, acupuntura e os fenómenos registados pela Câmara Kirlian, para que se aceitasse a prioridade dos fluidos energéticos sobre a matéria corporal.
Obviamente ainda existe uma grande confusão entre a sugestão, o magnetismo e a hipnose e pensa-se que esta última é um simples entorpecimento das faculdades do paciente após a sua aceitação, da influência do operador. Os mitos atuais relativamente à inviolabilidade da liberdade individual restringiram as experiências hipnóticas sérias e profundas em prol do terror despertado pela “violação psíquica” do autoritarismo, não percebendo que os piores tiranos são as paixões, os medos e a ignorância que em temas metafísicos chicoteiam a multidão, vítimas da propaganda, das drogas e dos sectarismos obtusos.
O Ensinamento Tradicional, coincidindo com a intuição genial do Dr. Ángel Pulido, recomenda grande cuidado na prática da hipnose e requer do hipnotizador uma pureza moral imprescindível, pois a hipnose não é sugestão nem tão-pouco a estupidez momentânea causada pela sonolência provocada pelo olhar para um pêndulo situado a poucos centímetros da cabeça. A verdadeira hipnose é realmente a imposição de uma vontade forte e treinada através de formas mentais que se descarregam telepaticamente sobre o recetor, potenciadas por figuras geométricas que não serão reveladas jamais a quem lucrar com isso ou se aproveitar do próximo. E a operação deve fazer-se em benefício de quem dela precisa, com amor e respeito pela dignidade humana.
Nasce uma Nova Ciência e com ela uma Nova Medicina – à qual chamamos “nova” porque a milenária foi esquecida –; mas com ela nasce também, de maneira inexoravelmente necessária, uma nova conceção elevada do médico e do enfermo, irmãos na sua fé em Deus, no exercício da bondade e de um real humanismo. É necessário que esta ciência esteja apenas em mãos de médicos diplomados que conheçam o corpo para poder conhecer, por sua vez, os misteriosos elos que o unem à Alma, sem que a sua ação implique perigo e estando fortemente comprometidos com o juramento hipocrático, pondo a sua honra profissional em cima de todas as coisas e ainda de si mesmos.
Jorge Ángel Livraga
Publicado no livro Artigos Jornalísticos, Edições Nova Acrópole.
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Imagem de destaque: Hypnos, com tocha invertida, em forma de putti. Creative Commons