Fronteiras Naturais

No imaginário do ser humano, as montanhas, vales, mares e oceanos sempre constituíram um limite ou fronteira. Para a sociedade do século XXI, não há fronteiras geográficas que dificultem profundamente a nossa capacidade para viajar pelo mundo. O barco, e especialmente o avião, permite-nos circum-navegar a Terra em pouco tempo. Hoje em dia, apenas o espaço exterior constitui um limite físico, como o que os antigos exploradores encontraram nas suas viagens.

As fronteiras da geografia não são impermeáveis, nunca foram um limite intransitável definitivo que determinasse o isolamento total de um grupo humano. Exploradores e aventureiros sempre superaram os obstáculos da geografia, abrindo ao ser humano novos espaços para conquistar ou onde trocar diferentes experiências de vida.

Para aqueles que nos precederam, viajar ou explorar o mundo era uma aventura que só estava ao alcance dos mais ousados. As fronteiras físicas eram tão poderosas que às vezes levaram o homem a esquecer que do outro lado daquele espaço intransitável existiam outros seres humanos. Por outro lado, esses obstáculos têm sido utilizados pelos povos para manter a sua integridade cultural e política a salvo de interferências. As montanhas, como lembra Robert Kaplan na sua obra A Vingança da Geografia (1), têm sido o refúgio das culturas indígenas perante as ferozes ideologias modernizadoras que têm afetado as planícies.

A fronteira é um conceito muito amplo cujo significado mudou ao longo do tempo, assim encontramos fronteiras geopolíticas, económicas, raciais, religiosas, linguísticas, etc. Poderíamos dizer que há fronteiras naturais que marcam as características de cada lugar no mundo, do seu povo, do seu modo de ser, do seu modo de vida. Estas fronteiras não separam os seres humanos, mas o oposto, são o ponto de união entre um povo e outro.

Fronteiras Políticas

O conceito de estado e fronteira política, como entendemos hoje, nasceu na Europa posterior à paz da Vestfália (2). Esta deu lugar à primeira reunião diplomática moderna e iniciou uma nova ordem política baseada no conceito de soberania nacional e integridade territorial, frente à conceção feudal em que os territórios e povos eram património hereditário. A partir desta nova territorialidade, a maioria dos conflitos de guerra ocorreram por motivos de soberania jurisdicional.

No mundo globalizado do século XXI, essa conceção tem sido posta em causa, dando origem a tensões sociais e políticas que redefiniram os centros de poder e estabeleceram um novo mapa em que os Estados são altamente interdependentes entre si, tendo que enfrentar problemas comuns como superpopulação, a crise económica, as migrações, a pirataria marítima, o terrorismo global ou a recente pandemia COVID-19, e embora alguns destes problemas não sejam novos, uma das suas consequências é a redefinição do conceito de fronteira política.

Uma mulher idosa recebendo a vacina COVID-19 em dezembro de 2020. Creative Commons

COVID-19 e pirataria

A atual pandemia de coronavírus COVID-19 e a pirataria marítima provocaram duas reações políticas distintas dos Estados em relação às suas fronteiras. No caso da pirataria marítima no Corno de África e no Índico, os países associaram-se para proteger a livre circulação e o transporte marítimo, uma ação básica para o funcionamento da nossa sociedade do bem-estar. A ONU, através dos seus programas de ajuda aos países do Corno de África, e à União Europeia, através da Operação Atalanta (3), têm tido uma participação ativa que chegou a um consenso político para resolver o problema.

No caso da pandemia COVID-19, em geral, a reação política dos países tem sido muito diferente. Houve um encerramento temporário de fronteiras, mesmo em zonas como o espaço Schengen (4), onde os controles fronteiriços estavam anulados desde 1985, uma vez que os países subscritores, em vez de combater conjuntamente a luta contra a epidemia, fizeram valer a sua jurisdição e de facto voltaram às fronteiras políticas antes do acordo, para combater o vírus individualmente e não coletivamente.

A falta de solidariedade, apesar dos esforços da Organização Mundial da Saúde (OMS), prevaleceu entre os países que até recentemente se gabavam de que a união política e económica era a maior conquista de uma Europa acostumada a conflitos. O bloqueio de material sanitário em trânsito entre os países (5) tornou-se em mais um episódio desta pandemia que assola quase todo o mundo.

Os EUA dobrando o preço das cargas para mantê-las, os franceses, alemães e canadianos dizendo que os compradores americanos “roubaram” uma carga de máscaras, ou a Turquia requisitando um lote de respiradores que a Espanha adquiriu na China e que estava sendo montado lá, são exemplos disso.

A fronteira como Ponte

Como ensinou o professor J.A. Livraga aos seus discípulos, fronteiras não são barreiras, são pontes.

Quando as fronteiras dividem e os seres humanos e os confrontam, são um claro exemplo da grande separatividade e distanciamento que criamos entre nós. Os seres humanos começaram a construir muros quando perdemos a capacidade de conviver, quando perdemos o respeito e a confiança, que deram lugar ao medo e à intolerância. Se apostarmos na convivência, temos que mudar o conceito de fronteira. É um assunto que levará tempo, mas precisamos fazê-lo.

José Morales

Bibliografia:

(1) Kaplan, R. (2018). La venganza de la geografía. Barcelona: RBA.

(2) Paz de Westfalia. (2020). Revisto em 21 de agosto de 2020.

(3) Operación Atalanta. (2020). Revisto em 21 de agosto de 2020.

(4) Espacio Schengen. (2020). Revisto em 21 de agosto de 2020.

(5) Guerra mundial por el tráfico de material médico en plena pandemia. (2020). Revisto em 21 de agosto de 2020.