Primeiro a ter presente é que vamos falar destes três elementos segundo o simbolismo, e que o simbolismo é a linguagem para falar do sagrado a partir da intuição e não da razão. E neste sentido, fogo, sol e coração são a mesma coisa refletida em três diferentes e complementares planos da realidade.
Quando à noite fazemos uma fogueira no acampamento, todos nos reunimos ao seu redor, tornando-se o fogo no centro dele mesmo, é o centro da união de todos. E isto é o que significam o fogo, o sol e o coração: a união em torno de um centro. Centro que no mundo simbólico é o espírito e os seus valores, que transcendem espaço e tempo.
Fogo, sol e coração representam a busca dos valores espirituais, do ser.
Fogo, sol e coração: sua relação simbólica
Esta busca apresenta-se sob um triplo aspeto, pois o fogo tem um simbolismo trino: relaciona-se com três elementos ou aspetos.
O número associado ao fogo é o 3; e a figura à qual se relaciona é o triângulo equilátero apontando para cima.
No mundo simbólico, o número 1 representa a Unidade ou Ser Supremo, desconhecido para a nossa mente, de onde tudo procede e para onde tudo há de retornar. Dois pontos (cuja união forma a linha reta) ou número 2, é a dualidade: tudo o que existe tem espírito e matéria (matéria como o que muda, o que se transforma). E três pontos ou número 3, o triângulo, a presença do espírito num universo em movimento. Se o triângulo aponta para cima, predomina a força do espírito; e se aponta para baixo, a atração da matéria.
A forma geométrica que representa o fogo é o tetraedro: uma pirâmide formada por quatro triângulos. Algumas das suas características do simbolismo são: a) Sempre o piramidão ou a ponta está sempre para cima: tudo, por natureza, tende a Deus, ao espiritual. b) Há três faces triangulares ascendentes apoiadas sobre uma base triangular: as três faces ascendentes são o aspeto trino de Deus ou espírito; e a sua base triangular é o reflexo ou pegada de Deus em tudo o que existe: «Pan to pan», o «O Todo em tudo».
Assim é mais fácil compreender por que os gregos chamaram «pirâmide» a essas construções egípcias, já que este nome vem do grego pyr, ‘fogo’.
O fogo está relacionado com o cosmos, o Sol ao nosso mundo ou universo próximo (a Terra e o sistema solar) e o coração com o ser humano e o seu destino.
Como tudo no universo é dotado de espírito e matéria, vejamos algumas características simbólicas de ambos os aspetos (esclarecemos que apresento apenas alguns dos seus aspetos simbólicos):
FOGO
(O cosmos. O Primeiro Sol.)
NO ESPIRITUAL: Como fogo espiritual refere-se ao nascimento do cosmos a partir do Ser Supremo, uno, absoluto e desconhecido do qual tudo procede.
Expressa-se em três forças que põem o universo em movimento, que o regem desde o seu princípio até ao seu fim e que estão presentes em todos os seres:
- Kundalini ou força espiritual. A Presença do Deus Único em tudo, causa da evolução. É a verdadeira natureza interna de cada ser, a que se referiam os gregos e os romanos.
- Prana ou força vital: tudo cresce e se reproduz. Em sânscrito é chamado de Jivaprana, “a Vida-Única”. Tudo está “vivo” e faz parte da mesma Vida-Única ou “uni-verso”.
- Fohat ou força motriz: tudo está em movimento. A inação não existe, tudo está em andamento, em permanente evolução. Para nós, parar é cair na inércia; simbolicamente é “morrer” diante das oportunidades da vida.
Desta forma, o espírito é concebido como uma força viva e dinâmica, não é passivo ou estático.
No antigo Egito, em Heliópolis —a norte—, é o primeiro Ra, a Primeira Luz (representada também como Harmakis —a Esfinge— ou Sol no Horizonte, guardiã do planalto de Gizé); e em Tebas —a sul— é Amon, o vento invisível que tudo move. Em essência, ambos os deuses representam o mesmo.
Na Índia, é Brahman, a mente universal vinda do Eterno, anterior a Trimurti.
No cristianismo é o Pai eterno.
Simbolicamente, este fogo espiritual também se chama de Primeiro Sol.
A sua principal característica é trazer ordem ao caos.
NO MATERIAL: o fogo físico, o que conhecemos.
- Luz. Simbolicamente é claridade espiritual; coloquialmente, clareza mental.
- Calor. Expressão do amor pela humanidade e amor por alguém.
- Vida. O milagre da criação, do nascimento, seja de uma planta ou de uma galáxia.
Estas três qualidades vemo-las tanto no Sol como no nosso coração ou no fogo físico.
Por que chamamos «hogar» (em espanhol, lar em português) à nossa residência? “Hogar” e “hoguera” (em espanhol, lar e fogueira em português) têm a mesma raiz.
SOL
(Nosso mundo ou universo próximo. Nosso Sol.)
NO ESPIRITUAL: os grandes ciclos da natureza que regem a vida espiritual e a vida material. É o Deus Criador das religiões e o Logos platónico. Refere-se às três forças da vida.
- O poder da criação. A força dos inícios.
- O poder de conservação. A força da continuidade.
- O poder de destruição. Como renovação, mudança e colheita de experiências, abrindo um novo ciclo.
É simbolizado pelas tríades divinas das religiões.
No Egito: Osíris, Ísis e Hórus.
Na Índia: a Trimurti formada por Brahma, Vishnu e Shiva.
No Cristianismo: Pai, Filho e Espírito Santo.
É o nosso Sol, em torno do qual giram os planetas, como mestre do sistema solar e da humanidade.
NO MATERIAL: são os ciclos da vida humana, regidos por:
- nascimento
- desenvolvimento ou vida
- morte
Também está relacionado a:
- passado
- presente
- futuro
Está relacionado ao tempo e, filosoficamente, ao uso que fazemos dele.
CORAÇÃO
(O ser humano e seu destino. O pequeno sol.)
NO ESPIRITUAL: é a nossa alma imortal, o Deus vivo em nós; a força viva interior que aspira à Unidade com o Todo.
Simbolicamente está relacionado a três forças, características do poder espiritual:
- força de vontade
- a força para amar
- a força para agir com inteligência
Ao coração às vezes se chama o pequeno sol.
Quem domina estas três forças torna-se num sábio ou iniciado nos mistérios do universo, representado através do ciclo solar, algo fácil de ver com os Enviados ou Avatares, fundadores de grandes religiões: Jesus, Buda, Osíris… Nascem como uma luz ou chama na escuridão, descem aos infernos ou deserto, são sacrificados, renascem e têm uma ascensão gloriosa aos céus. Tudo isso representa a viagem da consciência da matéria para a luz espiritual, pois o sol tem que atravessar a noite para se elevar em plenitude ao meio-dia. Como o sol, o sábio emite a sua própria luz e o faz para todos, sem esperar recompensa alguma.
Diz um texto dos mistérios compilado por Helena P. Blavatsky: «Conduz-me das trevas à luz, da ignorância à sabedoria.»
NO MATERIAL: são as emoções e a mente egoísta; a força atraída pela matéria. Filosoficamente representa o trabalho que temos de fazer para dominá-las.
Simbolicamente, como qualidades humanas temos:
- o pensamento
- as emoções
- nossas ações
E o trabalho para dominá-los é, segundo Delia Steinberg:
«Querer saber, para ter mais consciência.
Saber querer, para dominar as nossas paixões.
E poder atuar com sabedoria.»
Está relacionado com o controle do caráter e o autoconhecimento, a função original da filosofia.
Conclusão
Como dissemos no início do artigo, fogo (espiritual), sol e coração são uma e a mesma coisa: a força que nos leva a buscar a união com nós mesmos, com a natureza e com esse mistério que chamamos de Deus.
A importância de perceber a sua relação simbólica é perceber que esta busca começa em si mesmo, pelo coração, provocando a partir daí uma expansão da consciência do eu pessoal ao eu superior: conhecimento de mim mesmo (coração), compreensão e capacidade de colaboração com a vida (sol) e intuição de Deus ou o sagrado, vivendo a unidade que move todas as coisas (fogo espiritual). E esta é a via filosófica.
E é que o nosso coração, como bem sabiam no antigo Egito, é o «nosso centro», o nosso «pequeno sol».
O grande sábio do século XX, N. Sri Ram deixou-nos este ensinamento: «Quando não sabes o que fazer, escolhe sempre a via do coração».
Javier Saura
Publicado na revista Esfinge em 1 de outubro de 2022.
Imagem de destaque: Fuego ceremonial del solsticio de invierno, Centro de Convenciones Tlatelolco. Creative Commons
Bibliografia
Tola, Fernando. Los himnos del Rig Veda. Ed. Las Cuarenta.
Livraga, Jorge Á. Simbología teológica I y II. Ed. NA.
Blavatsky, Helena P. Doctrina Secreta, tomos I, II y III. Ed. Kier.
Steinberg, Delia. Recopilación de conferencias I, II y III. Ed. NA.
Sri Ram, Nilakanta. Pensamientos para aspirantes. Ed. Teosófica.
Eliade, Mircea. Lo sagrado y lo profano. Ed. Austral.
Martín, Juan. Salida del Alma hacia la plena luz del día. Edit. NA.