Realizando um estudo mais circunspecto à componente da ciência, na obra de Helena Blavatsky, conhecida por Doutrina Secreta, damos conta de um manancial científico que não passou, de qualquer forma, despercebido à autora, se por um lado, nos abstrairmos da sua densidade esotérica, e por outro, se focalizamos nos conteúdos do domínio da ciência. Porém, ao aprofundarmos um pouco mais esse estudo, constatamos que nas edições da Doutrina Secreta após a morte de Blavatsky, são identificadas muitas obras que foram publicadas no primeiro terço do século XX, que versam as diversas temáticas científicas, mais emergentes para a época, que merecem ser motivo de análise. Podemos mesmo afirmar que tais obras, que designamos por complementos bibliográficos da Doutrina Secreta, têm um amplo interesse para quem estuda a Filosofia da Ciência. Estamos assim a reportarmo-nos a obras, que na sua maior parte, têm mais de cem anos.

Antes de avançarmos para a sua análise, torna-se importante contextualizar este último século de produção e divulgação científica, atividades fundamentais para a evolução do conhecimento. Evidentemente que somos contemporâneos do nosso tempo, e desse modo, testemunhamos em plena presença, os avanços da ciência nas suas diversas disciplinas, o que geralmente, nos dá uma ideia de supremacia de conhecimento, precisamente por aquilo que designamos por efeito da contemporaneidade. Parece que o nosso tempo nos traz as maiores conquistas, concretizações e desígnios científicos. Presunçosamente, julgamos que o nosso tempo é o melhor de todos! Pensamos que as coisas não são assim tão lineares. E se analisarmos na perspetiva evolutiva da Filosofia da Ciência, então, essa suposta linearidade do conhecimento, torna-se ainda menos evidente.

A edificação do conhecimento segue o princípio da construção em blocos, tal como acontece no jogo do Lego (em linguagem anglo-saxónica, block building), onde uma peça é colocada sobre outra, até visualizarmos a obra. Nenhuma peça é montada fora do seu momento, apesar de poder estar identificada, esperando pelo instante da sua montagem.

Mas em que consiste o conhecimento como conceito filosófico? Não nos parece que seja passível de ser definido com simplicidade.

O conceito de conhecimento desenvolvido por Platão refere-nos uma ideia de homogeneidade, ou seja, o encontro do semelhante com o semelhante, ou ainda tornar o pensante semelhante ao pensado. Então o conhecimento, segundo Platão (Dicionário de Filosofia), é uma reprodução do objeto, tendo distinguido os seguintes graus do conhecimento:

– a suposição ou conjetura, que tem por objeto as sombras e as imagens das coisas sensíveis;

– a opinião acreditada, mas não verificada, que tem por objeto as coisas naturais, os seres vivos e, em geral, o mundo sensível;

– a razão científica, que procede por via de hipóteses e tem por objeto os entes matemáticos (a própria natureza tem estrutura matemática);

– a inteligência filosófica, que procede dialeticamente e tem por objeto o mundo do ser.

Todavia, não podemos aceitar uma definição de conhecimento, tão concreta e objetiva, uma vez que iremos encontrar diferentes perspetivas filosóficas ao longo da história, e que motivou reflexões profundas entre tantos pensadores: Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, S. Tomás de Aquino, Nicolau de Cusa, Marsilio Ficino, Campanella, Descartes, Malebranche, Francis Bacon, Kant, Heidegger; os fundadores da nova ciência, com o seu pitagorismo, Leonardo da Vinci, Copérnico, Kepler, Galileu; no idealismo alemão por Fitche, Schelling, Hegel; no espiritualismo moderno, Schopenhauer, Maine de Biran, Bergson, Husserl; no positivismo de Auguste Comte e Wittegenstein. Para citar apenas alguns, pois de facto, este conceito não passa despercebido a qualquer filósofo. Parece-nos que a ideia platónica de conhecimento mencionada, constitui uma excelente referência.

Ora, retornando à Doutrina Secreta e contrariando o efeito da contemporaneidade, vamos encontrar a partir da segunda metade do século XIX, um grande fulgor na produção de conhecimento, nas ciências físicas, sociais e humanas, com interessantes desenvolvimentos na área tecnológica (meios de comunicação, transportes, eletricidade e magnetismo, fotografia, cinema), onde podemos considerar o século das descobertas e invenções. É também neste quadro que identificamos o conhecimento patente nesse complemento bibliográfico da Doutrina Secreta, que merece sem dúvida, uma análise mais detalhada. O conhecimento de há cem anos tinha atingido um patamar de grande relevo. Parece que a grande mudança na ciência de hoje é integrar os novos factos numa visão geral, que carece naturalmente de maior integração e amplitude de visão. Iremos então focar nessas obras, nas questões mais entrosadas com a Filosofia da Ciência.

Iniciamos então, esta viagem bibliográfica com Henri Bergson (1859-1941), filósofo e diplomata francês, com duas das suas obras: A Matéria e Memória (1912) e Tempo e Livre-Vontade (1913). Na primeira, Bergson reflete as dificuldades que os filósofos têm sobre o entendimento da matéria, pois existe um erro persistente de reduzir a matéria àquilo que é percecionado ou a capacidade que tem para nos produzir perceções. Considera que a matéria é como uma agregação de imagens, e cada imagem é uma entidade entre a coisa e a sua representação. De facto, quando temos consciência de que vivemos num mundo ilusório, devemos entender que o objeto é bem diferente daquilo que percecionamos, pois é acima de tudo é uma representação pictórica. Essa ideia é transmitida à mente, tal e qual a matéria é percecionada. Assim, Henri Bergson, alerta para a confusão entre as qualidades secundárias e primárias da matéria, pois ambas manifestam a mesma realidade. Segundo Bergson, quando ensaiamos estabelecer a diferença entre o materialismo e o espiritualismo ou espiritualidade, entre a interioridade e a exterioridade, tudo acontece num processo de relações entre imagens. Por exemplo, o universo existe somente no nosso pensamento ou fora dele, aceitando que essas imagens pertencem ao mundo da ciência e ao mundo da consciência. Vivemos balanceados entre o realismo e o idealismo, quase sempre alheados desta dualidade de conceções. A questão para Bergson não é perguntar como reage a perceção, mas porque está limitada, como imagem de um todo, reduz-se praticamente aos interesses do indivíduo.

Na segunda obra, Tempo e Livre-Vontade, Bergson elabora um ensaio sobre os dados imediatos da consciência. Os estados de consciência, sensações, sentimentos, paixões, esforços, estão sujeitos a muita variabilidade, capazes de crescer e de diminuir. A expressão de sentimentos provenientes da música, da poesia, das artes plásticas e da natureza, são uma prova disso mesmo. E essa expressão de sentimentos reverte um conjunto de manifestações na matéria, no corpo físico (naturalmente, também nos outros corpos da personalidade), deixando-nos muitas competências intrínsecas à matéria. Por exemplo, Henri Bergson evoca Charles Darwin (A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, 1872) quando este fez uma considerável descrição dos sintomas da raiva: o coração acelera, a face fica vermelha ou pálida, a respiração é mais elaborada, o peito arfa, as narinas dilatam, o corpo inteiro treme, a voz fica afetada, os dentes rangem, e os músculos são estimulados para a violência. Podemos pensar qual o sentido do estímulo, se é externo ou interno, se vem de fora ou se vem de dentro, e quais os mecanismos que moderam a nossa livre-vontade. Entendemos este processo da livre-vontade, como uma gigantesca interação de variáveis que impactam reações, estímulos, motivações e decisões, que geralmente acontecem sem tomarmos consciência, de que a matéria é inseparável do espírito.

O Homem Esse Desconhecido (1935), de Alexander Carrel. Abebooks

Uma outra obra complementar é da autoria de Alexander Carrel (1873-1944), O Homem Esse Desconhecido (1935). Este biólogo, médico, cirurgião e fisiólogo, recebeu o Prémio Nobel em 1912, sobre o seu trabalho em transplantes de tecidos. Carrel considerava que a descoberta científica e o desenvolvimento das ideologias, não levou em conta as leis do corpo e da alma, e admite que temos sido vítimas de uma desastrosa desilusão. Tem uma expressão muito interessante: Esquecemos que a natureza nunca esquece. Este cientista galardoado com o Nobel, nunca afastou o espiritual e intelectual, do fisiológico, porque a jurisdição da ciência estende-se a todos os fenómenos observáveis. Há cem anos, este autor já considerava as fragilidades da ciência, que ainda não tinha conseguido trazer a segurança económica, a felicidade, o senso moral e a paz. E vai mais longe, afirmando que, se o entusiasmo e a fé não forem unidos ao conhecimento e a toda a realidade, aqueles permanecerão estéreis. A renovação da sociedade moderna passará por um forte impulso espiritual, e a necessidade de conhecer o Homem integralmente, em todos os seus diferentes aspetos ou objetos da ciência. Alexis Carrel é um exemplo de um cientista não materialista, apesar do seu objeto de trabalho estar orientado para os mecanismos fisiológicos. Tal como Bergson preconizava, existem imensas interações entre a matéria e o espírito, que devem ser equacionadas nos caminhos da ciência.

Na perspetiva da Filosofia da Ciência, a obra do filósofo Richard Burdon Haldane (1856-1928), O Reino da Relatividade (1922), merece uma referência muito particular. Refere este autor, que o princípio da relatividade remonta aos tempos da Grécia antiga, Platão e Aristóteles conheciam a sua grande importância. E mais tarde, Plotino ocupou-se com a relatividade. Leibniz e Kant estiveram perto de abordar a sua aplicação, como matéria para a filosofia. Mas foi Einstein que lhe deu uma nova roupagem, com a ajuda dos padrões rigorosos e o raciocínio exato da matemática e da física. Haldane considera que no nosso tempo (o do efeito da contemporaneidade), é necessário resgatar o tema da obscuridade, que decorre de suposições inconscientes e metáforas distorcidas. Perguntamos como é possível, um princípio tão relevante, já depois de ter sido pensado na Antiguidade, e por outros filósofos, ainda hoje lhe sejamos indiferentes?  Evidentemente que muito poucos entendem a extensão do princípio da relatividade. Haldane referiu que temos de aprender a estudar filosofia, e mesmo, em grande medida, a ciência, mas tendo sempre em consideração as circunstâncias e a linguagem do período em causa (voltamos a presenciar o efeito da contemporaneidade) que são influenciadores da nossa mente. Não se trata de abordar levianamente a verdade em si, mas significa que devemos ter em mente que a verdade tem duas componentes: a qualitativa e quantitativa. Se não considerarmos este propósito natural, então, a história do esforço humano não foi proveitosa em todos os seus múltiplos aspetos. E conforme adianta Haldane, teremos de envolver a investigação metafísica na busca da verdade, apesar de sabermos a sua impopularidade no mundo atual. Digamos que sem a metafísica, significa o impossível encontro com a filosofia, mesmo que a ciência esteja trilhando um caminho racional, positivista, materialista, teimosa e orgulhosamente.

Richard Haldane considerou as ideias notáveis desenvolvidas por Einstein, com substância significativa para os novos desenvolvimentos da Filosofia da Ciência, fundamentais para reorientar as perspetivas científicas. Sem desprimorar o valor do método científico, consideramos que a investigação iniciada por Albert Einstein, constitui um marco inovador para levar mais longe as reflexões filosóficas sobre as ciências. Estas novas visões que alteram profundamente o espírito da ciência, encontram sempre grandes obstáculos para as necessárias transmutações do status quo científico. A História da Ciência assim o comprova. Não podemos esquecer que o mundo é percecionado por todos, mas em graus diferentes da absorção do conhecimento. Tal como Alexis Carrel e Henri Bergson, também Richard Haldane nos fala da relação do conhecimento com o organismo. Refere-nos que a mente e o corpo representam, não entidades distintas, mas apenas ordens diferentes na experiência, considerando o carácter da irrealidade do universal e do particular, quando tomados isoladamente. É caso para perguntarmos sobre as metamorfoses que o conhecimento opera na nossa mente e organismo, pois não somos meros objetos de uma natureza isolada. Na perspetiva da evolução do ser humano, e a sua relação com o conhecimento, Haldane avançou com um conceito que merece ser sublinhado: a tendência da experiência para a autocompletude. É como se estivéssemos a notar uma versão para o Conhece-te a ti mesmo, esta noção íntima de integridade septenária, esta interiorização plena de completude, esta ambição saudável de querer ser completo. Mas para ser completo é necessário integrar, cruzar, conectar, porque não miscigenar todos os domínios do conhecimento. Parece-nos ser esse o maior desiderato da Filosofia da Ciência. Afinal existimos em permanente relatividade, porque o espaço e o tempo são relativos.

Mas foi a obra de William Bragg (1862-1942), O Universo da Luz (1933), que trouxe as competências da luz, pois é ela que nos traz as novidades do Universo. Este físico e químico recebeu o Prémio Nobel da Física, em 1927, pelos estudos de análise da estrutura cristalina, através da difração dos raios X. Por mais distante que esteja, um raio de luz abandona a sua fonte e chega até nós devido ao tempo. Esta noção factual do papel da luz e a sua relação com o tempo, sugere-nos uma questão de extrema importância para a Filosofia da Ciência: o universo leva em conta o tempo ou o tempo é uma necessidade do Homem, porque sem ele, não tem argumentos para entender a extensão dos mecanismos universais? Mesmo que o universo seja o guardião do tempo, como poderemos interiorizar as dimensões do tempo no universo? Estamos tão impregnados com a medição do tempo, que não damos oportunidade de o considerar como uma entidade abstrata. O tempo é um reflexo, não é um objeto existente. Esta obra fala-nos sobre os avanços da ciência, concretamente as experiências de Newton, Huygens, Young, Fresnel, Crookes e Thomson, entre outros. Apesar de abordar as duas teorias da luz: a corpuscular e a ondulatória, não deixa de considerar que a luz é apenas uma parte de um fenómeno de radiação de grande dimensão.

E escolhemos mais duas obras identificadas na Doutrina Secreta, da autoria de Arthur Eddington (1882-1944), a primeira Novos Caminhos na Ciência (1935), e a segunda A Ciência e o Mundo Invisível (1929). Arthur Eddington foi astrónomo, físico e matemático, mas também filósofo da ciência. Foi ele que conduziu uma expedição na ilha do Príncipe, em S. Tomé, para observar o eclipse solar de 29 de maio de 1919, com o objetivo de confirmar a teoria da relatividade geral.

Uma das fotografias de Arthur Eddington do eclipse de 1919 (ilha de Príncipe), apresentada no seu artigo de 1920 anunciando o seu sucesso. Domínio Público

A perspetiva filosófica da ciência moderna, tal como Eddington a entende, mostra como a imagem científica do mundo descrita na física está relacionada com a história familiar nas nossas mentes. Como é interessante esta ideia de Eddington para a exploração da Filosofia da Ciência. Diz-nos que é crucial valorizar o significado filosófico da mudança, especificando que a nova atitude da ciência física, depois de ter adotado uma mecânica clássica, consistentemente durante mais de 200 anos, não deve ser tratada com ligeireza, a qual pressupõe uma reconsideração dos pontos de vista vigentes, relativamente a um dos problemas mais desconcertantes da nossa existência. A abrangência da mudança reside também nos meandros da ciência, cuja história nos tem demonstrado uma certa resistência para a predisposição de mentes abertas, capazes de romper com o status quo científico. Segundo o nosso pensamento, esta é uma questão fulcral para a Filosofia da Ciência. Veja-se o exemplo dado por Eddington, sobre as consequências da lei estatística, introduzida pela primeira vez na física, na disciplina de termodinâmica, que veio expulsar completamente a antiga lei de tipo causal dos fundamentos da física. Julgamos que não está em questão a lei causal em si mesmo, mas o seu emaranhado complexo exigiu uma nova abordagem da ciência física para um tratamento mais adequado do problema. Não podemos esquecer que a ciência é feita pelo ser humano, e assim, deve reconhecer as suas próprias limitações.

Arthur Eddington refere que a história da exploração do interior de uma estrela começa no ano de 1869, quando J. Homer Lane escreveu um famoso artigo intitulado On the Theoretical Temperature of the Sun, under the Hypothesis of a Gaseous Mass maintaining its Volume by its Internal Heat, and depending on the Laws of Gases as known to Terrestrial Experiment [Sobre a Temperatura Teórica do Sol, sob a Hipótese de uma Massa Gasosa mantendo o seu Volume pelo seu Calor Interno, e dependendo das Leis dos Gases como conhecidas pela Experiência Terrestre]. Talvez o autor pudesse ter escolhido uma frase mais curta, mas a sua plenitude tem a vantagem de nos apresentar uma série de ideias importantes, afirmou Eddington. O trabalho nesta linha convenceu Eddington de que o tema da expansão do universo, não é apenas uma pista lateral interessante, mas está na rota principal do futuro desenvolvimento da física. E terá também uma importância prática na astronomia.

Em Novos Caminhos da Ciência, Arthur Eddington estabelece uma relação com a epopeia científica da Criação, considerando-a talvez mais para a glória de Deus do que a história tradicional. Este é mais uma questão com interesse para a Filosofia da Ciência, enquanto uns santificam as revelações da ciência, aceitando-as como uma nova visão do poder divino, outros defendem a mente científica e o espírito livre de investigação. O ponto crucial para Eddington não é a convicção da existência de um Deus supremo, mas a convicção da revelação de um Deus supremo, que implicitamente habita na mente do ser humano. Esta leitura de Eddington faz-nos lembrar uma ideia do matemático alemão, Leopold Kronecker (1823-1891): Deus criou os inteiros, tudo o resto é obra do Homem. Trata-se de uma ideia que resume as suas conceções filosóficas, algo exagerada na relação de Deus com a Ciência, mas por outro lado, faz-nos pensar que a tónica não está na relação da Religião com a Ciência, antes primordialmente, do Divino ou Sagrado com a Ciência.

Estes complementos bibliográficos não ficariam enriquecidos sem a prestação de Albert Einstein (1879-1955), com a obra Sobre o Método da Física Teórica (1935), começando por estabelecer um conselho, fundamental para a Filosofia da Ciência:

Não escuteis as suas palavras [do físico teórico], examinai as suas realizações. Porque para o descobridor nesse domínio, as construções da sua imaginação parecem tão necessárias e tão naturais que ele tem tendência a tratá-las não como criações do seu pensamento, mas como realidades dadas.

Esse pensamento de Einstein é revelador de profunda honestidade e discernimento, no reconhecimento dos mecanismos que relacionam o método teórico ou da teoria pura com a totalidade dos dados da experiência. Segundo Einstein, aqui está a eterna antítese dos dois constituintes inseparáveis do conhecimento humano, a Experiência e a Razão, no domínio da física. Honramos a Grécia antiga como o berço da ciência ocidental. A razão dá a estrutura ao sistema; os dados da experiência e as suas relações mútuas devem corresponder exatamente às consequências da teoria. Só na possibilidade de tal correspondência reside o valor e a justificação de todo o sistema, e especialmente dos seus conceitos fundamentais e leis básicas.

Mas Albert Einstein sempre acreditou na possibilidade de desenvolver um modelo da realidade, uma teoria, capaz de representar os acontecimentos em si mesmo, e não apenas a probabilidade da sua ocorrência.

Passamos agora a um conjunto de obras de natureza mais filosófica. Começamos pela A Teoria de Meinong sobre Objetos (1937), de John Niemeyer Findlay (1903-1987). John Findlay teve uma formação universitária tradicional, mas foi no Transvaal University College, onde ficou fascinado com a mistura de crenças religiosas orientais da Sociedade Teosófica, desenvolvendo a partir daí, um estudo sério sobre escritos hindus, budistas e neoplatonistas. Aprendeu sozinho sânscrito, suficiente para ler o Bhagavad Gita.

John Findlay relata que foi conquistado para o realismo, e ficou atraído pelas ideias do filósofo austríaco, Alexius Meinong (1853-1920). Em 1930, depois de ter adquirido a língua germânica, John Findlay começou a ler seriamente as obras de Meinong, sob a orientação de outro filósofo austríaco, Ernst Mally (1879-1944), que tinha sido discípulo de Meinong.

Em plena época do materialismo científico ou do positivismo, na maior parte do mundo anglófono, John Findlay defendeu a fenomenologia, e reviveu o hegelianismo, escrevendo obras inspiradas na teosofia: As minhas Gifford Lecturesrepresentam a minha tentativa de retirar uma teosofia eterna e necessária do ensino teosófico defeituoso da minha adolescência (Studies in the Philosophy). As Gifford Lectures eram palestras, que segundo o seu criador, Adam Lord Gifford (1820-1887), deveriam ser públicas e populares, abertas não só aos estudantes das Universidades, mas a toda a comunidade sem matrícula, pois os assuntos devem ser estudados e conhecidos por todos, quer recebam instrução universitária ou não.

Estas Gifford Lectures de Findlay também podem constituir a defesa mais abrangente da doutrina da transmigração da alma (reencarnação) na filosofia académica do século XX. De acordo com este sistema místico, Findlay escreveu em The Transcendence of the Cave, que as perplexidades filosóficas, por exemplo, relativas aos universais e aos particulares, à mente e ao corpo, ao conhecimento e aos seus objetos, ao conhecimento de outras mentes, bem como as relativas ao livre-arbítrio e ao determinismo, à causalidade e à teleologia, à moralidade e à justiça e à existência de objetos temporais, são experiências humanas de antinomias (contradição entre proposições, princípios ou ideias) e absurdos profundos acerca do mundo. Pensamos que esta leitura defendida por Findlay é essencial para a uma nova Filosofia da Ciência, numa espécie de antecipação ao que ocorreu em 2014, quando cerca de 300 investigadores assinaram um manifesto para uma ciência pós-materialista, oriundos das mais diversas áreas do conhecimento. Todavia, também devemos sublinhar os esforços de investigação, desde 1967, da Divisão de Estudos Perceptuais, criada pelo Dr. Ian Stevenson, no seio da Universidade da Virgínia (EUA), que se dedica à avaliação rigorosa das provas empíricas de experiências e capacidades humanas extraordinárias. O principal objetivo desta divisão é investigar a relação da mente com o corpo e a possibilidade de a consciência sobreviver à morte física. Em geral, este processo envolve o estudo de fenómenos que desafiam os paradigmas científicos dominantes no que diz respeito à natureza da consciência humana (https://med.virginia.edu/perceptual-studies/). Sendo a Filosofia da Ciência identificada com os princípios epistemológicos e ontológicos, não faz qualquer sentido separar os fenómenos da matéria e do espírito, e provavelmente, a ausência desta integração seja nefasta para a real interpretação das diversas dimensões da matéria.

A Transcendência da Caverna, de John Niemeyer Findlay. Etsy

Também o filósofo Gottfried Leibniz (1646-1716), aparece referenciado na Doutrina Secreta, com os seus Escritos Filosóficos (1934). Pensamos que a ciência também se faz de perceções, e tal como refere Leibniz, a perceção é a primeira faculdade da mente exercida sobre as nossas ideias, sendo a primeira e mais simples ideia que temos da reflexão. A perceção é nua e crua e está na mente de forma passiva, e o que ela percebe, não pode evitar perceber. Ao passo que pensar significa aquele tipo de operação da mente sobre as nossas ideias, e existe de forma ativa. Mas perguntamos a nós, qual a importância dos mecanismos da perceção para a Filosofia da Ciência? Trata-se de um problema epistemológico central, considerando os mecanismos percetivos na produção de conhecimento ou de uma crença argumentada sobre o que julgamos ser a realidade. Se alinharmos com o princípio de que vivemos no mundo de Maya (o mundo ilusório), então, as pseudorrealidades sugeridas pela perceção levar-nos-ão ao ceticismo acerca do mundo exterior. Colocam-se assim, em evidência uma série de dificuldades epistemológicas, relativas à natureza da experiência e à consciencialização da natureza da perceção. Há sempre a necessidade de exercitar um trabalho analítico, e talvez por isso, Leibniz considerava a existência de dois tipos de verdades: as verdades de raciocínio e as verdades de facto. Quando uma verdade é necessária, a sua razão pode ser encontrada por análise, isto é, resolvendo-a em ideias e verdades mais simples até se chegar às primárias. Evidentemente, que não podemos confundir as verdades de raciocínio, com as deturpações que conduzem, por exemplo, à teoria da Terra plana. A perceção tem uma natureza velada que não nos permite aceder diretamente aos objetos exteriores, seja por aparências sensoriais, seja pelas características do próprio mundo exterior, cuja captação aparece condicionada. É aqui que reside a primeira confrontação do encontro entre semelhantes, conforme sugerido por Platão.

Adianta Leibniz, que o único conhecimento que nos pode tornar perfeitos é o conhecimento das razões em si mesmas, ou das verdades eternas e necessárias, especialmente aquelas verdades que são mais abrangentes e que têm mais relação com o Ser Soberano. Neste caso estamos perante o valor metafísico para a Filosofia da Ciência: a busca das verdades eternas.

Surgem-nos seguidamente, duas obras de John William Dunne (1875-1949), engenheiro aeronáutico e filósofo irlandês, que teorizou sobre a natureza do tempo, considerando a sua condição serializável (dispor em séries). A primeira é Uma Experiência com o Tempo (1927), e a segunda O Universo Serial (1934).

Existem dimensões do tempo que julgamos desconhecidas, e talvez por isso, haja tantas reflexões sobre o tempo. Será que o tempo é parte do universo ou necessitamos do tempo para entender o universo? Apesar da mensurabilidade do tempo, será que é uma fonte de perceções? Não iremos aprofundar a relação do ser humano com o tempo, mas não temos dúvidas sobre a estranheza desta relação. Este tempo é nosso, é da Terra, e nada mais. A teoria de Dunne sobre o tempo foi elaborada a partir de anos de experiências com sonhos e estados precognitivos induzidos, o que o levou a afirmar, que na realidade, todo o tempo é eternamente presente, ou seja, que o passado, o presente e o futuro estão, de algum modo, acontecendo simultaneamente, embora a consciência humana experimente esta simultaneidade de forma linear e sucessiva. Dunne postulou que durante o sono esse modo de interpretar o tempo, deixa de ser tão pretensiosamente real como quando estamos acordados. Se passamos tanto tempo dormindo, durante uma vida, significa que a nossa consciência fica liberta para vagar entre o passado, o presente e o futuro. John Dunne pensou a nossa existência em dois níveis: um dentro e outro fora do tempo. Isto sugeriu-lhe a ideia de imortalidade que configura as suas obras posteriores: A Nova Imortalidade e Nada Morre. Para Dunne, conseguir apreciar simultaneamente o passado, o presente e o futuro, implicaria uma completa reformulação da natureza de nossa existência em termos de consciência, tempo e realidade física.

Na segunda obra, John Dunne trata da estranha descoberta do ordenamento da Natureza e a ligação desta inteligência ao Homem.  Pergunta Dunne: o Universo foi um produto da Mente, cuja experiência deve ilustrar os axiomas da Mente? Ou o Universo existe independentemente? E os nossos axiomas infrangíveis não seriam, no fundo, mais do que os nossos reconhecimentos do tipo especial de ordem que por acaso descobrimos permeando esse universo e, portanto, não mais do que ilustrações da nossa incapacidade de compreender a possibilidade de qualquer outro tipo de ordem? Para John Dunne esta questão nunca foi respondida, uma vez que a ciência procura explicar qualquer coisa, para que seja aceite como realidade fundamental, baseando-se em narrativas de acontecimentos racionais. Porém, refere este autor que existe um sentimento bastante generalizado, que a história da ciência nos oferece muitas irracionalidades. As palavras certas estão lá, mas parecem estar nos sítios errados. Por exemplo, as ondas, as partículas, o espaço-tempo, os quanta e até mesmo os dados sensoriais devem, de acordo com John Dunne, encaixar-se de uma forma mais simples. Podemos acrescentar que a busca dessa simplicidade seria eliminar as irracionalidades, que pela própria natureza e evolução do ser humano, nem sempre consegue formular as narrativas racionais para o encontro de todos os semelhantes. Vamos-lhe chamar, a incompletude epistemológica, porque esse encontro tem sempre uma natureza limitada, reservada e desconhecida, na evolução em si mesmo.

John William Dunne (1875-1949). Domínio Público

E por último, mas não menos importante, escolhemos o escritor de ciência e jornalista literário, inglês, John William Navin Sullivan, e a sua obra As Limitações da Ciência (1933). Nesta obra, há quase cem anos, John Sullivan identificou os mesmos problemas e fragilidades da ciência atual. A ciência foi criada pelo ser humano, e existe, evidentemente, para satisfazer certas necessidades e desejos humanos. A busca do conhecimento é um desiderato do ser humano, e por isso prosseguiu com firmeza durante tantos séculos, o interesse intelectual dominante da humanidade, que mostra uma apetência muito poderosa e persistente. Buscar conhecimento é uma razão de subsistência, apesar de isso ser um argumento tão velado, mas é uma componente insofismável da humanidade.

Sullivan expressa a falta de sentido histórico para ridicularizar os primeiros astrónomos como sendo supersticiosos, talvez porque a perspetiva científica ainda não tinha nascido. A ciência não é criada pela perspetiva científica; é o conhecimento científico que cria a perspetiva. No tempo dos primeiros astrónomos babilónicos e egípcios, havia muito pouco conhecimento científico no mundo para justificar a criação de uma nova perspetiva para o acomodar. Eles já tinham uma visão abrangente do mundo, uma visão baseada na sua experiência e no seu raciocínio sobre ela. Adverte-nos Sullivan que só séculos mais tarde é que os factos científicos se tornaram tão abundantes e recalcitrantes que, obviamente, não podiam ser encaixados na antiga perspetiva. E mesmo no século XVII, um cientista ou melhor, um filósofo natural, como Kepler utilizou os seus conhecimentos astronómicos para fazer previsões astrológicas.

Nas ciências não matemáticas, as novas formas de pensar não são tão evidentes. De facto, pode ser devido às limitações do senso comum que estas ciências se encontram na sua condição relativamente insatisfatória. John Sullivan exemplificou com o caso da biologia, que parecia necessitar urgentemente de novos conceitos, e não parece que tenha aparecido ainda algum biólogo capaz do esforço imaginativo necessário. Atualmente ainda é uma área que apresenta muitos desafios para o mundo da ciência: a busca de soluções biotecnológicas, a compreensão plena do genoma humano, os avanços entre a biologia molecular e a genética, o impacto das mudanças climáticas e a biodiversidade, as terapias avançadas para tratamento de doenças globais e raras. E Sullivan também continuou dizendo que as dificuldades da própria física, no seu tempo, resultam provavelmente do facto de os seus esforços imaginativos não terem sido suficientemente imaginativos. Continuamos presos aos nossos modos de pensamento habituais, mesmo quando, como acontece com o físico matemático moderno, eles afastaram-se muito do senso comum. Sullivan recorda uma intervenção do físico britânico, Frederick Lindemann (1886-1957), que defendeu a necessidade de uma revisão das nossas noções de espaço e tempo.

Ao longo deste curto périplo, com recurso a obras complementares identificadas na Doutrina Secreta, de Helena Blavatsky, pretendemos evidenciar algumas questões que se mantêm atuais no campo da Filosofia da Ciência. Não podemos esquecer que o conhecimento produzido pela ciência, advém da sua aceitação por parte dos seus representantes, com assento nas academias, colégios e centros de investigação. O conhecimento científico é certificado pelos seus pares. Buscar o conhecimento é intrínseco ao ser humano. Produzir ciência é um ato humano. Todavia essa aceitação ou oficialização, pelo facto de ter um carácter institucionalizado, não significa que o conhecimento seja atemporal, quer seja pela latência do erro, quer seja pela mutabilidade da realidade das coisas. Então, são exigidas atitudes inovadoras, resultantes da nova imaginação, da nova intuição e porque não da nova perceção, que permitam proceder à revisão de muitos conceitos e princípios, aparentemente solidificados pelo método científico, capazes de criar novas condições para formulação de novos encontros com o semelhante. Em nosso entender, o grande desafio da Filosofia da Ciência é o encontro com a plena realidade das coisas.

Carlos Paiva Neves

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Imagem de destaque: Mapa celestial do séc. XVII, do cartógrafo neerlandês, Frederik de Wit (1629-1706). Domínio Público