Se há algum tema que não deixa ninguém indiferente é o de que é que ocorrerá quando chegarmos à morte, uma etapa obrigatória para todos, mas cuja incerteza nos faz valorizar especialmente as contribuições que a ciência actual oferece através das experiências de quase-morte de milhares de pacientes.

A 21 de Dezembro de 2012, milhares, talvez centenas de milhares de pessoas, esperavam uma grande mudança motivada por alguma profecia maia obscura. Eu não sei se o mundo mudou, porque ultimamente ando um tanto distraído e há muito tempo que deixei de acreditar em profetas e profecias. Preocupa-me mais saber por que razão, a cada dez ou quinze anos, nos importunam com algo parecido. Mas reflectiremos sobre isso noutra ocasião. O que posso assegurar é que nesse dia algo se moveu no meu interior. Nesse dia terminei a leitura do terceiro dos livros mais apaixonantes que tive a oportunidade de ler nos últimos meses. As suas referências estão indicadas no fim do artigo.

Esta experiência quase sempre traz consigo mudanças fundamentais e duradouras na atitude da pessoa ante a vida, assim como o desaparecimento do medo de morrer.

Quando acontece que três livros sobre um mesmo assunto, excelentemente editados, escritos por três médicos, com enfoques diferentes mas complementares, com a disposição de enfrentar um dos fenómenos mais dificilmente explicáveis com que a ciência se depara hoje, aparecem no prazo de um ano… perguntamo-nos se é casualidade, se existe uma conspiração editorial ou é que algo se move na sociedade que desperta o interesse de autores, editoriais e leitores. Sincronicidade, talvez.

Todos recordamos o Dr. Raymond Moody quando, algures nos finais dos anos setenta, publicou um livro que causou uma grande revolta; tratava-se do célebre Vida depois da vida. Desde então o nosso imaginário começou a enriquecer com expressões como “experiências de quase-morte”, “a luz ao fundo do túnel”, “ver passar num instante o filme das nossas vidas”… Aparições na televisão, documentários e um ou outro filme que nos familiarizam com um fenómeno inquietante. Se te ligas à Internet e ao youtube, os resultados de qualquer busca sobre este assunto são impressionantes. Até que ponto se penetrou em algo que somente há trinta anos era algo perfeitamente marginal.

Mas o livro de Moody era pioneiro e só descrevia a grandes rasgos a natureza do fenómeno, só descobria a estrutura da experiência daquelas pessoas que tinham tido essa vivência. Mas faltava-lhe o rigor científico e a contundência de centenas de provas acumuladas desde então: as resenhas de diversas investigações paralelas, a correlação com os dados que os modernos avanços em neurociência aportam, a perplexidade dos investigadores na hora de interpretar. Desde então os relatos dos pacientes que passaram por essa vivência pouco mudaram na forma, mas sim no conteúdo e nas implicações filosóficas, éticas e científicas. E tudo isso que faltava ao livro de Moody, os três livros que acabo de mencionar aportam-no.

Dr. Raymond Moody

ECM ou Experiência de quase-morte

O que é uma experiência quase-morte ou ECM? Para Pin Van Lommel “trata-se da reminiscência (documentada) de todas as impressões experimentadas durante um estado especial da consciência, que incluem elementos específicos, como vislumbrar um túnel, uma luz, uma retrospecção panorâmica da própria vida, pessoas falecidas anteriormente ou a própria reanimação cárdio-pulmonar… Esta experiência quase sempre traz consigo mudanças fundamentais e duradouras na atitude da pessoa ante a vida, assim como o desaparecimento do medo de morrer”. Jeffrey Long enumera-nos os doze elementos fundamentais de uma ECM: uma experiência extracorporal, agudização dos sentidos, sentimentos positivos intensos, entrar num túnel, encontro com uma luz mística ou brilhante, encontro com outros seres defuntos parentes ou amigos, sensação de alteração do tempo e do espaço, revisão panorâmica da própria vida, encontro com planos ultraterrenos (interpretados como celestiais), aprendizagem de conhecimentos especiais, encontro com um limite ou barreira e regresso voluntário ou involuntário ao corpo.

Esta é a essência do que falam, com uma extensão variável, os livros de Gaona, Van Lommel e Long. Os dois primeiros aprofundam cada um destes aspectos, analisando literatura científica, opiniões de muitos investigadores, similitudes com experiências de outras épocas, possíveis interpretações a partir de uma óptica material, similitudes com o que nos transmite certa literatura ocultista, semelhanças com o que nos contam outras tradições (egípcia, tibetana, grega…). Especial menção merece o mito de Er, que já nos narra Platão no seu décimo livro de A República, e que em alguns aspectos é de uma semelhança assombrosa… Ou seja, as ECM, pode dizer-se que são experiências universais, mais para além da condição de quem as suporta.

As memórias das ECM em crianças é impressionante; é melhor lê-las, pois o que costumam narrar não está condicionado pelo que se tenha lido ou lhe tenha sido contado sobre estas experiências. Mais interessantes ainda são os resultados observados em pessoas cegas de nascimento, pois ao não terem elementos de referência visual, o que narram coincide com o exposto por aquelas personas que vêem.

Jeffrey Long é mais forte nas suas conclusões. Elaborou um complexo questionário que podemos consultar na sua página web, e dos resultados dos relatos de quase mil e quinhentas pessoas, deduz que as ECM são autênticas e que demonstram a realidade do fenómeno, que não são meras experiências subjectivas, que há algo verosímil e muito coerente em tudo o que se descreve. E junta nove maneiras para demonstrá-lo, que não enumero aqui pelo extenso que seria. Mas destaco este dado, porque vemos que este autor está disposto a não eludir as possíveis implicações que todo este complexo fenómeno tem.

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A última fronteira

Por detrás de tudo está a eterna pergunta que agora tem uma actualidade especial: O que é a consciência? Sustenta-se em algum fenómeno material? Há algo de escorregadio nela, que faz com que cada vez que tentemos fixá-la na bioquímica, na genética, as sinapses mais escondidas do nosso cérebro fazem com que se nos escape entre os interstícios dos nossos complicados aparelhos científicos.

As ECM serão um outro cenário onde a batalha profunda entre os enfoques materialistas e não materialistas, e as carências de uns e outros, terão novamente lugar. Há que estar atentos, porque quem sabe, temos provas mais que definitivas da existência de um mais além ou como quer que se chame a isso que experimentaremos quando a nossa vida se extingue.

Na minha humilde opinião, depois de reflectir sobre o que li, tenho a sensação de que a ciência moderna, nos seus aspectos mais vanguardistas, está-se a deparar com fenómenos paradoxais que exigirão dar um passo para além dos limites do actual paradigma materialista que impregna tudo. Chocamos com o mundo do subtil, do “incorpóreo”, onde as coisas são paradoxais porque ainda não se desenvolveram os conceitos filosóficos nem um método claro para interpretá-los. E a morte e tudo o que a rodeia sempre esteve ali. De facto, as concordâncias com os dados trazidos de diferentes tradições é algo que deveria chamar-nos à atenção, porque quiçá vamos atravessar um umbral que já foi percorrido muitas vezes. Valeria a pena investigar todo este assunto com uma verdadeira amplitude, com enfoques interdisciplinares.

Na sua introdução, José Miguel Gaona diz-nos: “Estou seguro de que estamos a abrir uma brecha nos conhecimentos da ciência actual. O mero facto de fazermos perguntas obriga-nos a encontrar respostas, porque, inclusive ainda que tudo esteja no nosso cérebro e quase todos nós sigamos uma pauta semelhante, o motivo ou origem deste fenómeno é tão interessante como a experiência em si mesma… É a última fronteira”. Ou talvez seja a mesma de sempre, só que em vez de crenças teremos convicções apoiadas em conhecimentos comprovados cientificamente.

 

BIBLIOGRAFIA:
Do outro lado do túnel. Um caminho face à luz no umbral da morte. Dr. José Miguel Gaona Cartolano, com prólogo de Raymond Moody. Edita Esfera dos Livros. 2012.
Consciência além da vida. A ciência da experiencia quase morte. Pim Van Lommel. Editorial Atalanta. 2012
Evidências do além. Provas da existência de outra vida depois da morte. Jeffrey Long e Paul Perry. Editorial EDAF. 2011.