Platão é tipicamente considerado um filósofo grego “respeitável”, que é amplamente ensinado em universidades de renome em todo o mundo e admirado por seu pensamento filosófico original. No entanto, há um outro lado de Platão que só é explorado por uma minoria de estudiosos, começando com Heinrich Gomperz na década de 1930 e continuando com a ‘Escola de Tübingen’ de hoje. Em muitas das obras de Platão, o filósofo faz referência a tradições orais que remontam a Pitágoras e aos Mistérios Órficos, e para alguns pesquisadores, como Savvas Pattakos (Plato’s Secret Doctrine, 1998), esses ensinamentos constituem o elemento principal na vida e obra de Platão. Neste artigo, gostaria de destacar alguns desses elementos esotéricos, principalmente como se encontram nos mitos e alegorias que pontuam seus diálogos.

O Mito de Er: Vida após a Morte e Reencarnação

Os céus clássicos. Domínio Público

Este mito aparece no Livro X da República. Nele, ele descreve a experiência de quase morte de um guerreiro grego que foi ferido numa batalha e viajou com as almas dos seus companheiros mortos para o outro mundo. Ele descreve céus e infernos temporários para onde vão as almas dos justos e injustos; depois de um tempo, as almas são reunidas novamente e conduzidas a um ‘salão dos destinos’, onde podem escolher entre uma série de vidas possíveis com base na sua inata sabedoria ou ignorância. Então, depois de cruzarem um deserto e beberem do rio do esquecimento, renascem na sua vida escolhida na Terra. Por terem bebido daquele rio, poucas almas se lembram de que já viveram ou entendem o significado e o propósito das suas vidas. O mesmo tema da reencarnação aparece no seu diálogo Fédon.

O Mito dos Gigantes e a Origem do Amor

O Olimpus: batalha com os gigantes (esboço), 1764. Francisco Bayeu. Museu do Prado, Madrid. Domínio Público

Outra interessante vertente do mito em Platão é aquela que fala da história esotérica da humanidade. Como podemos ler na Doutrina Secreta de H.P. Blavatsky, de acordo com o esoterismo oriental, a humanidade evoluiu de muitas formas durante um longo período de tempo. Numa certa época (como encontramos confirmado em inúmeros mitos de todo o mundo), éramos ‘gigantes’ e esses gigantes eram ‘hermafroditas’ ou ‘andrógenos’ e não se reproduziam da mesma forma que nós. Em algum ponto no passado muito distante, de acordo com essas tradições esotéricas, a humanidade dividiu-se em dois sexos, o modo atual de reprodução sexual começou e os gigantes diminuíram gradualmente de tamanho.

No mito de Platão, contado no seu diálogo O Banquete, ele diz que no passado os humanos não eram como são agora; eles eram muito maiores, de forma esférica e hermafroditas, tendo os dois sexos dentro deles. Orgulhando-se da sua força, decidiram invadir o céu e governar no lugar dos Deuses. Para reduzir a sua força, Zeus cortou-os ao meio, com o resultado de que ficaram menores e agora só tinham um sexo dentro deles, tornando-se macho ou fêmea. Como resultado, os seres humanos estão agora constantemente à procura da sua “outra metade”.

O Mito da Atlântida e o Grande Dilúvio

A Queda da Atlântida, de François de Nomé (século XVII). Domínio Público

Em outra obra, Timeu, e sua sequela, Crítias, Platão toca noutro relato esotérico da evolução humana – o mito da Atlântida, um continente que foi destruído no Grande Dilúvio (que também aparece por toda a mitologia mundial). Ele descreve uma civilização tecnologicamente avançada que existia muito antes de o Egipto histórico e a Grécia terem surgido e diz que houve muitas destruições e reconstruções na longa história da humanidade.

A Criação do Universo

A castração de Urano. Afresco de Giorgio Vasari e Cristofano Gherardi (ca. 1560). O tempo absoluto torna-se tempo limitado. Domínio Público

No Timeu, Platão também dá um relato altamente esotérico da criação do mundo, que é baseado na matemática, como no sistema pitagórico. Entre as muitas características interessantes deste diálogo está a ideia de que o Tempo foi projetado pelo Criador como ‘uma imagem em movimento da Eternidade’.

Existem muitos outros mitos e ensinamentos esotéricos para serem encontrados nas obras de Platão, como a Carruagem da Alma em Fedro, que explica como nós, humanos, caímos na matéria e como temos todo o conhecimento dentro de nós (teoria da “reminiscência” de Platão); ou a famosa Alegoria da Caverna, que aparece no Livro VII de A República e descreve a jornada do filósofo quando ele emerge da escuridão da ignorância para a luz da sabedoria, reminiscente daquela conhecida máxima oriental: “das trevas à luz”, o que poderia resumir toda a filosofia esotérica.

Esperemos que, à medida que a pesquisa sobre este aspeto dos escritos de Platão continua, mais e mais luz possa ser lançada sobre o assunto, de modo que esta parte importante do ensino de Platão entre no ensino universitário regular e beneficie uma nova geração de estudantes de filosofia.

Julian Scott
Publicado na revista New Acropolis em 17 de Abril de 2020