O tema da nossa conversa de hoje vai ser sobre a educação, no sentido de uma formação de carácter, ou seja, como uma atividade permanente do ser humano. Porque creio que se vamos falar de educação, primeiro temos de fazer entender que a educação deve fazer parte de todos nós, ou seja, não podemos pensar que a educação é algo assim como um jarro de flores que se coloca em algum lugar para que as pessoas o vejam ou para que as visitas o possam admirar, mas deve ser algo que carregamos connosco, que faz parte de nós, que seja como o ar que respiramos, que seja útil a todos, embora cada qual seja ator da parte que lhe é mais necessária.

É difícil definir o que é a educação, porque em diferentes momentos históricos, diferentes correntes deram diferentes versões. Vamos cingir-nos a um conceito clássico, desde o ponto de vista da nossa filosofia acropolitana, ou seja, um conceito clássico e primeiro. Educação é aquela ciência que trata da capacidade que tem o ser humano de eduzir uma série de elementos que lhes permitem relacionar-se com a cultura e transmiti-la.

Sabeis perfeitamente que, dos seres vivos conhecidos, o Homem é o único que tem realmente cultura, os demais seres vivos que conhecemos nesta criação tem a possibilidade de transmitirem geneticamente uma série de aptidões instintivas que lhes permitem sobreviver, mas não há uma transmissão cultural por meios intangíveis, por meios do tipo espiritual.

Todos já admiraram, por exemplo, ver a perfeição maravilhosa com a qual as abelhas fazem os seus favos de mel ou as aranhas tecem as suas teias, porém, as diferentes investigações paleontológicas demonstraram que as aranhas e as abelhas, durante milhões e milhões de anos, seguiram recreando as mesmas formas, fazendo os favos de mel com as suas células e fazendo suas teias exatamente da mesma maneira. Se tentarmos, por exemplo, cortar a teia que uma aranha está a tecer, essa aranha não tem a possibilidade de remendá-la e de seguir a diante, de recrear uma situação nova que lhe permita saltar por cima das dificuldades. Essa aranha deixará a tela rota de lado e começará outra de novo desde o princípio. À maneira de computadores vivos, que estão programadas para executar uma obra, mas não para recomeçar desde a metade ou desde algum outro ponto.

A diferença do Homem é que ele tem uma capacidade de criação, de imaginação e de fantasia que lhe permite passar por cima dos obstáculos e não ter programação mecânica, senão uma força espiritual humana que faz com que não se adapte somente ao meio ambiente, mas superá-lo e recrear em obras todo um mundo interior. É obvio que os Homens têm um mundo interior, cada um de nós tem o seu mundo interior. O mundo interior está muitas vezes em conflito ou em relação não harmónica com o mundo exterior ou com o mundo circundante. Nesta riqueza da humanidade cada um dos Homens têm a sua forma de sentir, de pensar, de viver mas também, todos nós, temos uma cultura que nos une. Essa cultura que nos une permite falar de ciência, de arte, de literatura, do que for, entendendo-nos, por meios de sinais convencionais que fomos conhecendo. Ou seja, os Homens, pela parte genética, só herdam uma série de capacidades instintivas, mas faz falta a aprendizagem, isto é, faz falta a transmissão da cultura para que o Homem se realize como tal.

Jorge Ángel Livraga, fundador da Organização Internacional Nova Acrópole e autor da conferência que deu origem a este artigo.

Vamos supor que um pai e uma mãe são ciclistas e que têm um filho. Esse filho não nasce a saber andar de bicicleta, a esse filho tem de ensinar-se, tanto é assim que o Homem é um em poucos, se não o único mamífero, que necessita aprender – bem, parece que de alguma forma o camelo também, não nada instintivamente quando é colocado na água, tem e aprender a nadar. Tudo o que nós temos na nossa herança espiritual, na nossa manifestação e nas nossas possibilidades de sobrevivência, em grande parte ou em tudo, é adquirido mediante a cultura.

A transmissão da cultura é o que nos permite comunicar, escrever, entendermo-nos, criar obras de arte, executar projetos sociais, políticos e económicos. Por isso a cultura é fundamental. Mas como podemos entender o processo cultural sem entender previamente o processo educacional? Há um problema! O que é realmente educar? – por isso referia-me aos clássicos – Educar é transmitir os nossos pontos de vista, as nossas conceções, as nossas limitações? Se isto é educar, obviamente, a humanidade jamais poderia progredir, porque gerações anteriores não poderiam transmitir mais do que têm às gerações novas, isso é óbvio.

Uma garrafa que tenha meio litro de água não pode passar à outra garrafa mais de meio litro de água. Existe então, um fenómeno inerente ou talvez essencial: a educação não é somente a transmissão dos elementos da cultura de uma geração a outra, mas um certo âmbito psicológico e mental do tipo espiritual e físico que permite a cada Homem recrear um processo e recrear em si todo o processo da Humanidade, contribuindo com a sua própria matriz, cor e força. Daí que os antigos dissessem que educar era eduzir, ou seja, ensinar, ao jovem, neste caso, a extrair o que tem dentro. Logicamente, para poder aceitar isto teríamos que aceitar, pelo menos em teoria para podermos entender, o que pensam os antigos sobre as almas, sobre a natureza do Homem.

Os antigos, no mundo clássico – por exemplo, no mundo platónico -, supunham, pressupunham, afirmavam, com razão ou sem razão, que o homem possuíam uma alma imortal; que esta alma imortal não era a primeira vez que vinha ao mundo, que tinha outras encarnações anteriores e que ia ter outras encarnações posteriores. Diziam que as distintas almas dos Homens tinham diferentes experiências e que acumulavam em suas vidas anteriores aspectos diferentes que lhes permitiam uma ou outra coisa. Assim explicavam os filósofos da Academia como alguns, sendo crianças, podiam ter tanta facilidade para a música, para a pintura ou para a oratória. Obviamente, se aceitarmos esta hipótese ou esta teoria do mundo clássico, ser-nos-ia muito mais fácil entender as suas hipóteses e teorias da educação, sendo que, se é verdade que temos dentro de nós um recetáculo do tipo parapsicológico que guardou as experiências, as faculdades de outras contingências neste mundo – ou seja, de outras vidas anteriores -, unicamente a educação que permite essas possibilidades nos enriqueceria. Daí que o conceito de educação no mudo clássico, por exemplo, o mundo de Platão, esteja baseado em chegar a educar as pessoas jovens numa série de aptidões para depois canalizá-las. Ao jovem não se lhe ensina estritamente uma coisa ou outra, mas sim o jovem era colocado num ambiente especial, que lhe permita eduzir o que ele tinha em si mesmo.

Agora entendemos um pouco mais esta frase enigmática de Platão quando disse. “O conhecimento não é mais que uma forma de recordação”. A isso se referia, todo o conhecimento não seria mais que uma reelaboração e recriação baseadas em memórias anteriores. E agora poderíamos entender um pouco esse sentido “teatral” da educação grega, incluindo a relação que tem a educação com o que se chama de Mistérios.

Platão explica no seu livro “A República” que a educação deve consistir de música e ginástica.

No livro “A Republica” de Platão, e em “As Leis” de uma maneira mais extensa, está talvez melhor definido este problema da educação. Quando começa o livro, com os caminhantes que vão caminhando em direção ao templo de Zeus Olímpico, diz-se que a melhor forma de educar é mediante a ginástica e a música.

Obviamente, quando escutamos as palavras “ginástica” e “música” hoje, desde o nosso ponto de vista, nós fazemos uma imagem um tanto falsa. Ao pensar em ginástica imaginamos jogos do tipo físico: levantamento de pesos, boxe, dardo; quando pensamos em música, pensamos em tocar a guitarra ou a citara ou o que fosse. Não é isso exatamente o que entendiam os gregos, o que queria expressar Platão.

Ele falava da ginástica – de gimnos, nudez – como de uma aptidão especial nos jovens, os quais podiam desenvolver toda a sua pureza, no sentido físico de descontaminação. Platão recomendava separar as gerações – e isso foi muito discutido – não estava de acordo que os jovens fossem educados pelos pais; Platão propõe na “A Republica” que só durante 5 anos – no chamado gineceu – as crianças estejam a cargo de seus pais, e que depois têm de passar para as mãos dos professores ou mestres. Disse Platão, de uma maneira muito dura, que qualquer homem é capaz de ter filhos, mas não qualquer um capaz de educá-los. Então, propunha que depois dos cinco anos – coisa que se fazia na Grécia clássica – as crianças passavam para institutos especiais, onde se educava a parte física e a espiritual.

Essa parte física, baseada principalmente no culto das forças é um culto da pureza – quase “tarzânica”, diríamos hoje – era a ginástica, e a parte espiritual era a música, mas por música entendiam o exercício das musas. Sabeis que as musas eram as antigas deusas que regiam a História, a oratória, a música propriamente dita, a pintura, o teatro, etc. Ou seja, o jovem tinha estas duas grandes vertentes; pretendia-se um corpo são e pretendia-se um espírito cultivado, um espírito propenso às artes e a tudo o que fosse humanista. Este conjunto de um corpo são e de um espírito aberto a toda a criação é próprio do mundo clássico. Também, Platão crê que existia uma grande relação entre o corpo e a alma. Os socráticos diziam que o corpo era como uma garrafa e a alma como a água que a enchia, e que é óbvio que a água toma a forma da garrafa que a contém, pelo que faz falta um corpo são em todas as suas extensões e faz falta uma vida sã, um meio são para que possa também a alma eduzir todos os seus aspectos sãos.

Faz falta também ao espírito ter não só aprendizagem direta do que podem ser os antigos textos ou as convenções da ciência, mas a possibilidade de recrear aspectos desinteressados. Para isso era utilizado especialmente o teatro, que formava parte dos Mistérios, coisa que nos tempos mais atuais, nos últimos gritos da moda e da educação, está a voltar de novo a ter a sua importância. Já não se trata de ensinar a uma criança quem descobriu a América – que no fim parece que não foi Colombo – nem tão pouco ensinar-lhe quem fez determinada obra – porque depois vem uma revisão e demonstra que a coisa não foi assim – mas sim ensinar à criança a origem de si mesmo, a origem da Natureza.

Agora, para isso faz falta um espaço que permita essa atividade especial. Para poder educar segundo os clássicos, fazem falta meios que permitam fazê-lo, meios não só estritamente físicos, mas também psicológicos e mentais, faz falta que o mestre, o pedagogo seja uma pessoa normal, seja uma pessoa sã, que o ambiente onde estão a ser educados possa refletir completamente tudo aquilo de bom e de puro que se quer educar a eles, e que os separe prudentemente das antigas gerações para que elas não projetem sobre o novo ser humano todas as desgraças e angústias. Isto parece que poderia ter algo de certo ou de realidade, porque vemos, hoje mesmo, que as crianças às vezes estão numa mesa a comer com os pais e eles estão a discutir sobre o problema do salário não ser suficiente, de ciúmes, de casos de amor, entre outros, e quando uma criança pequena escuta isto, mesmo não participando, sente-se frustrada, entra num estado de frustração e rebeldia – de má rebeldia – e de rejeição de tudo que seja o mundo, estes elementos ficam no subconsciente de rejeição e destruição face a toda a forma que ela trazia quando veio ao mundo. Daí que os antigos preferiam que as crianças fossem criadas em jardins abertos afastados das pessoas, que não tivessem contacto direto com os maiores, que dormissem completamente aparte dos maiores e fossem conduzidos pelos professores.

Como poderíamos resumir os tempos ou momentos nos quais os antigos professores pensavam que se podia ensinar? Todos os antigos pensavam e afirmavam que nunca é tarde, nem nunca é cedo para poder aprender, que todos os homens e todas as mulheres de alguma forma, podem aprender em qualquer instante da sua vida, mas que haveria uma certa forma para a aprendizagem comum.

A criança desde que nasce – dizemos – está cinco anos no gineceu perto da mãe, pois necessita de afeto, do amor da mãe, coisa que foi muito ridicularizado pelos professores desde o século XVIII, mas que hoje redescobrimos que há uma certa verdade nele. Quando os clássicos afirmam que as crianças necessitam do amor, do carinho de uma família, do amor e do carinho de uma mãe sobretudo, estavam na verdade. Não temos de pensar que a criança ou qualquer pessoa que vai ser educada, vai ser educada apenas a mente, porque o homem sozinho está fechado na mente; também vai ser educada a emoção e a parte física. Ou seja, um homem que tenha muito educada a mente, que seja muito inteligente, que carece de coração, esse homem tarde ou cedo vai ser um tirano, um tirano de milhões de pessoas ou um tirano da sua esposa, um tirano da sua mãe ou de seus filhos. Um homem que tenha nada mais educado que a parte sentimental, carece de formação lógica que lhe permita lidar com as ideias de uma forma harmónica, de alguma maneira ele é um tolo e a vida vai superá-lo. Se a parte física está arruinada, também vai-se encontrar completamente constrangido. Daí que a educação no mundo clássico tenha estas vias, três etapas, as três formas do mundo físico, psicológico e o que poderíamos chamar mental ou espiritual.

“As crianças necessitam do amor, do carinho de uma família, do amor e do carinho de uma mãe sobretudo” / imagem pxhere

Dizíamos, então, que havia vários períodos. O primeiro já falamos, é o período do amor, da união com sua própria mãe, da qual não devia ser separado violentamente. Depois, passava ao que hoje poderíamos chamar da idade do conto, a criança necessita de alguma maneira que lhe contem contos.

Somente a criança, amigos? Também os grandes necessitamos às vezes que nos contem contos. E às vezes, quando decidimos: “a verdade e nada mais que a verdade, a mim diga-me a verdade!”, não será porque estas verdades não nos afetam? O médico que geralmente diz a verdade a tantos doentes, não tem também um pouco de mentira piedosa? Estamos preparados para a verdade nua e crua? A verdade nua e crua é algo assim como a chama de fogo que, às vezes destrói mais que constrói.

Necessitamos então envolvê-la, para carregá-la com uma espécie de recipiente que impede que queime as mãos; ou seja, que a verdade nos dê luz e calor para que não nos destrua.

Assim, à criança não devem apresentar-se certas realidades da vida, segundo os clássicos, de uma maneira brutal e despida, mas sim mostrar-se de uma maneira simbólica e envolta de uma série de imagens e uma série de contos ou narrações que lhe permitem extrair ensinamentos. Vemos que ainda esse grande livro ao qual chamamos “O Livro”, a Bíblia, contem uma série de ensinamentos baseados em parábolas; e ainda os que no momento atual não obedecem tanto à Bíblia ou não se baseiam nas parábolas, reconhecerem que é quase imprescindível utilizar parábolas para dar um exemplo que nos permita, através delas, tomar contacto de uma maneira direta. Muitas vezes o que as palavras não conseguem dizer, pode dizê-lo um instante de silêncio; muitas vezes um conto, uma imagem qualquer criada no momento pelo orador, pela pessoa que está a escrever, pelo poeta ou pelo artista, sugere muito mais que grandes textos. Às vezes um artista, com poucas pinceladas numa tela, consegue sugerir, expressar algo que não poderia fazê-lo através de miríades de palavras.

É necessário que a criança, segundo os clássicos, possa assimilar uma série de realidades através da idade do conto, onde o fundamental era mostrar-lhe toda a Natureza como conformando um grande ser vivo, ou seja, a teoria do macrobios. Os antigos não ensinavam que estamos sobre uma pedra no cosmos, os antigos ensinavam às suas crianças que formavam parte de uma grande vida, de um macróbio, que tudo tinha vida, coisa que as atuais investigações da física quântica demonstram. Tudo isso está vivo. A nossa velha terminologia de falar, por exemplo, da química orgânica ou dos seres vivos e uma química inorgânica para os elementos sem vida, já não existe, já não tem sentido, se é usado, usa-se mal. Hoje sabemos perfeitamente que uma pedra em movimento molecular e atómico é tão ativo e tão vital como pode sê-lo o sangue que corre nas nossas veias, ou seja, todas as coisas estão vivas.

Aos antigos ensinava-se-lhes isso também, e as crianças aprendiam nesse sentido a teoria do macróbio que depois vai desenvolver Marcião na época Romana, onde as árvores, os animais, as estrelas, as rochas, tinham diferentes formas de vida, e que os homens tinham que pôr-se em relação de respeito e semelhança com todo esse resto da Natureza viva. Daí nasce esse conceito mágico que tinham os antigos e que hoje temos perdido, o sentido mágico de crer que se pode estar em comunicação com a Natureza, que se pode dominá-la psicologicamente, e ler na natureza augúrios e presságios, que, de alguma maneira, o voo dos pássaros, a inclinação dos ramos das árvores ou a queda das pedras sobre uma fogueira podem significar algo. Esta recomendação que se fazia servia para que a criança tomasse contacto com o mundo circundante sem sentir-se agredido por ele ou lamentado, sem vê-lo tão pouco como algo estranho. Porque se visse uma árvore tão viva como ela e pensasse que as árvores também tinham tido pai, que a árvore também ia ter filhos, que crescia e tinha sido criança, e se lhe ensinava a plantar, por exemplo, pequenos vegetais que ela mesma via crescer e devia regar e cuidar, ela entendia, então, que o mundo circundante não era diferente dela, portanto ia perdendo o medo do que a rodeava.

Depois da idade do conto, nesta educação clássica, surgiu a idade da aventura. Há algo mais que é antigo e que temos esquecido; hoje afirmamos sempre que todo Homem tem direito a um pedaço de pão, que todo Homem tem direito a uma manta, que todo o Homem tem direito a uma casa; isso é certo, e basta a um animal ter direito a ter uma caverna, e ter direito a comer a sua comida; pois diziam algo mais os antigos, todo o Homem tem direito natural a ter um pedaço de honra e um pouco de História.

Todo homem e toda a mulher necessitam através da sua vida ter alguma satisfação interior, poder dizer: “Hoje fiz uma coisa e fi-lo bem.” / imagem pxhere

Isso esqueceu-se, esqueceu-se o sentido da dignidade do ser humano; o ser humano não se corrompe só porque faltam alimentos físicos ou porque tem frio, ele corrompe-se, também, quando carece de ter um pouco de glória e de um pouco de história. Todo homem e toda a mulher necessitam através da sua vida ter algo, algo no qual fixar-se, ter um pouco de glória, ter alguma satisfação interior, poder dizer: “Hoje fiz uma coisa e fi-lo bem”, e todos, todos necessitamos também ter desenhado uma pequena linha no livro da História e poder dizer: “Hoje eu contribui com algo, fiz algo”.

Esta é uma necessidade intrínseca do Homem. A negação disto traz, desgraçadamente, a destruição psicológica do ser humano em seus aspectos mais profundos. A falta de respeito pela dignidade humana suja as características humanas e faz aparecer características pré-históricas completamente bestializantes.

Os gregos sabiam-no e por isso defenderam uma idade da aventura na qual o jovem podia, relembrando Ulisses e outros heróis, fazer viagens, subir montes e mergulhar sobre as águas. Claro, nós hoje pensamos que isso é perigoso porque alguma criança podia sofrer algum acidente, mas o homem clássico não temia os acidentes. Diziam que se estivesse escrito o acidente acontecia mesmo, pois de alguma maneira o risco valia a pena porque permitia à criança crescer, crescer forte e com um ânimo que estava mais além das portas da morte.

Hoje perguntámo-nos se não era esse espírito que animou aqueles 300 espartanos que nas Termópilas desafiaram mais de um milhão de persas. Conta-se que ao dizer-se a alguém Leónidas: “Leónidas, estás disposto a correr o risco de, com tão poucos soldados, desafiar tantos persas?” Respondeu: “se pensais que corro risco pelo número, nem toda a Grécia seria suficiente, já que entre todos formaríamos uma pequena parte deles, mas se o que considerarmos é o valor, então somos suficientes”. E alegremente foram para a morte; é o mesmo espírito daquela dama espartana que ao entregar ao seu filho o escudo, exortou-o e disse: “Filho, ou com ele ou sobre ele”, fazendo referência à reprovação que significava para um soldado grego o tirar ou abandonar o escudo e colocar-se em fuga, e a tradição espartana de devolver à cidade natal os guerreiros mortos em combate sobre seus escudos.

Obviamente, muitas das coisas soam-nos a estranho, quase bárbaras, pois teríamos que rever um pouco e ver até que ponto são válidas, porque se bem no mundo da Antiguidade havia grandes contradições e padecia de grandes sofrimentos e injustiças, nós hoje sabemos que o nosso mundo também padece de contradições, injustiças, que causam dor; e devemos tratar de extrair – segundo propomos, os filósofos da Nova Acrópole – de cada coisa a melhor parte, ou seja, poder comparar, poder selecionar e reter aquilo que seja melhor e mais útil. Esta é uma atividade especial dentro da filosofia que se chama atividade eclética, que permite comparar todos os elementos, tomar os mais úteis e pô-los em contato com a realidade. Precisamente, educação é isso: colocar-nos em contato com a realidade.

Também se argumentou neste mundo clássico que o homem podia aprender sempre, que não só podia ser educado quando era criança, mas também quando era grande. Tanto é assim que Platão propõe uma educação especial para os anciãos: que os prepara para a morte. Dado que o advento da morte num ancião é mais provável que numa pessoa relativamente jovem ou numa criança, considera Platão uma coisa justa e digna preparar o ancião para esse novo mundo. Dizem precisamente os filósofos platónicos: “se quando vamos viajar a Atenas ou a qualquer outro lugar preparamos uma mala, preocupamo-nos por ver se está bem o barco, como é que antes da grande viagem que é a morte não preparamos os viajantes?”

A educação estava feita de tal forma que não só se fixava na criança, no jovem e no adulto, que eram capazes de dar algo á sociedade, mas também no ancião, que já deu à sociedade e que tem direito àquilo que deu: um pouco de Honra e de História. O ancião também tem direito a essa educação, educação nas questões da vida que já aprendeu mas que há que interpretá-las, educação em relação à morte, que faz falta porque todos vamos morrer e os anciãos estão mais próximos e, portanto, necessitam obviamente conhecer onde vão, como vão, como apresentar-se face ao facto biológico irreversível. Esta educação permanente abarca desde os primeiros até aos últimos anos do Homem, era o que propunham os filósofos clássicos.

Entrega de prémios nos Jogos Olímpicos para Órfãos, organizados pela Nova Acrópole na Eslováquia / Acropolis

Cremos, amigos, que hoje esta educação permanente, esta forma de aprendizagem eclética é ainda válida. Hoje não creio em modas. Creio nas modas das roupas, das coisas que não têm importância, mas nas coisas fundamentais do espírito, não! Somos seres humanos. O quê é que nos diferencia do homem antigo? O quê é que nos diferencia tanto do homem do futuro? Foi um homem à Lua, alguns perguntam-se para quê, pois não importa. Foram uns senhores à Lua numa nave que se chamava Apolo XI; estes senhores que foram à lua tinham um veículo que era muito diferente, que podia ser uma biga romana. Obviamente, andava mil vezes mais, pode separar-se da Terra. Os homens que iam dentro, eram muito diferentes dos que conduziam as bigas romanas? Os homens que iam dentro? Não tinham também emoções, pensamentos, dúvidas, esperanças e temores?

Ou seja, o Homem como Homem não é muito diferente do homem do passado, assim como o Homem como Homem, não é muito diferente o asiático, o africano ou o americano do homem europeu; as diferenças são substanciais, são os condicionamentos exteriores, pois o Homem interior, esse não é diferente. O Homem interior sente e vibra como sentimos e vibramos todos nós e como sentirá o Homem que vem no futuro – que não sei se irá á Lua; talvez vá plantar batatas, porque não sabemos o que se passará.

As voltas da História são cíclicas e o que gostamos hoje pode ser que não gostem as próximas gerações; ou talvez tenham mais sabedoria que nós e não se lhes ocorra ir ver o que há na Lua, pois esses Homens vão amar, sofrer, sentir, questionar-se, estar em desacordo e em acordo, sonhar e fazer grandes coisas, sonhar e fazer coisas mais pequenas. Quando se encontram um homem e uma mulher que simpatizem vão amar-se, e quando de encontrem homens que simpatizem serão amigos, e se se encontrarem muitos homens que pensam igual farão grupos humanos. Isto está marcado na História e no Destino, sempre foi e será.

Se podermos extrair da vida um sentido mais eterno e mais duradouro, se podemos despojar-nos um pouco do imediato e circunstancial, daremos conta que há um sentido filosófico em tudo o que nos rodeia; poderemos interpretar este macrobios no qual vivemos e dentro de nós toda a vida que também há; poderemos ver que, mais que forçar as crianças ou as novas gerações a seguir as nossas próprias afirmações e alienações, faz falta permitir-lhes eduzir a sua própria realidade, a sua própria vida, faz falta rodeá-las de beleza, de carinho, de harmonia, de paz, de trabalho, de concórdia que lhes permita realizar um mundo que não deve ser só novo, mas melhor.