Fotografia de Pierre Poulain / www.photos-art.org

Fotografia de Pierre Poulain / www.photos-art.org

Este texto de José Carlos Fernández foi inspirado na fotografia acima de Pierre Poulain, fazendo parte de um projeto intitulado FiloFoto.

Quem gira em torno de quem? Por mais que na Idade Média se insistisse que o Sol e todos os planetas giravam à volta da Terra, Copérnico demostrou, e depois Galileu sofreu ao dizer a pura e simples verdade. A mecânica de Newton disse-nos que na realidade, ambos giravam em torno a um centro de gravidade comum, mas que dada a massa do Sol, e apesar de se mover a uma enorme velocidade pelo espaço, ele era o Rei e todos os planetas davam voltas ao seu redor, permanecendo ele imóvel. Antes Giordano Bruno, que foi torturado e queimado pela Inquisição, disse que não tinha sentido falar de centro num universo infinito, porque no infinito tudo é centro, do mesmo modo que o infinito mais um é igual a infinito. Ao decifrar os hieróglifos egípcios ficamos admirados, pois estes construtores de pirâmides ensinavam que o mesmo Sol, senhor de toda a vida na Terra, e dono dos movimentos e atividade de todos os planetas, depunha o seu cetro perante a estrela Sírio, e que perante este misterioso Olho Azul girava.

No Hino CLXXIV do chamado Livro dos Mortos, o Iniciado diz:

“As Hierarquias Celestes engendraram-me!

Fui concebido pela Deusa Sekhmet [o Karma, a Necessidade]

e trazido por ela ao Mundo ao lado de Sírio,

o grande espírito estelar que mostra cada dia a Rá [o Sol] o caminho”.

E agora a nossa ciência encontrou um centro ao redor do qual gira a nossa galáxia inteira (milhares de milhões de estrelas) e a que as tradições esotéricas chamavam Sol Negro ou o Sol Central.

A criança ao ser concebida verifica o mistério do dois que se converte em um, materialmente, pois o seu código genético é o resultado de ambos os progenitores, pai e mãe (e não só a semente do pai, como durante milénios se disse). Durante a gravidez a criança forma uma aparente unidade com a mãe, pois nela jaz oculta, por ela come e respira, mas leva o gérmen da separatividade, pois não é a mãe, é diferente dela, e a Natureza impele-a a sair dela. Logo o um converte-se em dois, na entrada na matéria, e aí é a mãe que começa a girar em torno da criança, não só no berço, mas estando pendente à mais mínima das suas necessidades. A criança converte-se no centro e a mãe na circunferência. Mas a criança cresce e adquire mobilidade e agora é a criança que gira em torno da mãe e do pai, pois há como um cordão umbilical invisível e sabe que não se pode separar, que precisa de ambos. Este cordão invisível vai se fazendo cada vez maior até que se rompe, tal como quando o barco se faz ao mar, o pássaro, chegado ao momento, salta da árvore e o instinto faz com que voe. Na educação a vida da criança move-se entre dois centros, a casa e a escola, por isso a curva que simboliza este movimento é a elipse[1], curva cuja distância-soma a dois pontos denominados focos, é sempre a mesma.

E se no nascimento da criança, o uno se converte em dois, no momento de cortar o cordão umbilical físico; quando a mãe amamenta e educa a criança, os dois voltam a ser um, pois o paulatino despertar da alma do infante, como uma flor que se abre, irmana ambos, harmoniza-os e na harmonia a unidade é rainha. É por isso que as Deusas Mãe, símbolos de sabedoria, mais do que a vida material, não são representadas dando à luz mas amamentando, como Isis, ou a Virgem Maria, e o leite, é símbolo do que alimenta a alma, o que faz viver e crescer, ou seja, da sabedoria.

Numa Idade de Ouro, dizem os textos védicos, tudo gira em torno dos sábios (brâmanes), e numa circunferência mais externa estão os sudras, os que fazem os trabalhos mais servis. Ou seja, nos sábios está a vontade e a lei, o amor e a sabedoria, a inteligência e a forma, são o coração de luz da sociedade. Nas Idades de Ferro, quando reina o caos e a injustiça e ninguém sabe o seu lugar, ou se o sabe não pode aceder a ele sem adulterar a sua natureza, os ignorantes (ignorantes do essencial, tenham ou não títulos universitários) estão no centro e os sábios na circunferência externa.

Nesta fotografia, quiçá o ancião deveria estar a ensinar, em repouso ou em atividade contemplativa, orgulhoso e sereno das batalhas da vida, e o menino ao seu redor na sua dimensão infantil dos sonhos, recriando-os com os seus jogos. Mas não, o menino está cansado de jogar e é o ancião, que possuído pelo espirito da música, que tudo renova, dança em torno dele, talvez para lhe dizer que nesta vida não se pode deixar de dançar e de sonhar.

 

[1] Genial ensinamento do filósofo hindu Nilakantha Sri Ram (m. em 1973)