“Physis Kryptesthai Philei”
“A natureza ama esconder-se”
Heráclito
Este aforismo do Filósofo pré-socrático Heráclito representa um excelente tema de introdução para tentar se compreender as várias interpretações que a humanidade deu à ideia de Natureza e que em conformidade com o aforismo pode ser interpretada de dois modos:
A primeira interpretação refere-se à constituição inerente de cada coisa; segundo a metafisica de Aristóteles “…a natureza significa, num sentido, a geração das coisas que crescem (…) o princípio originário e imanente, do qual se desenvolve o processo de crescimento da coisa que cresce…”, também Aristóteles nos diz que todas as coisas são substância, ”…São constituídas segundo a natureza e pela natureza, parece que a substância é a própria natureza, a qual não é elemento material mas princípio…” No dicionário etimológico a palavra natureza provém do latim e é traduzida por natura, futuro do verbo nasci, “nascer”. Inicialmente natureza significava “nascimento” depois passou a significar a parte do mundo não dependente do homem, mas também as qualidades e características inerente a alguma coisa, inclusive o próprio homem.
A segunda interpretação, indo à etimologia grega do aforismo, pode ser entendida do seguinte modo:
Physis – aparição – crescimento – formação – nascimento
Kryptesthai – desaparecimento – dissolução – morte
Philei – Aqui o verbo amar não significa um sentimento mas uma força, um querer que move.
Deste forma tudo aquilo que nasce tende a desaparecer (Mundo das formas ou aparências de realidade). Este segundo modo de interpretação da natureza, revela-nos como é mistérico e profundo o pensamento de Heráclito, já que o Logos, Inteligência do mundo, está por detrás da Génese dos fenómenos do Universo, como um véu púdico que desperta a nossa insaciável curiosidade, porque saber é poder e o mistério, tal como o desconhecido, são o adágio da mente humana que se quer conhecer.
”Mesmo percorrendo todos os caminhos, jamais encontrarás os limites da alma, tão profundo é o seu Logos.” – Heraclito
Para as antigas Civilizações que cultivaram a religião dos mistérios, fazendo do segredo e do silêncio o deambulatório desta grande Deusa que é a Verdade, a natureza era considerada o livro predileto, a escada para chegar a Deus. Porque não é a Verdade que é filha do tempo, mas a procura infinita da mesma, tal como o afirmava o filósofo francês Blaise Pascal, quando comparava a penosa marcha da humanidade a um único homem que subsiste sempre para apreender incansavelmente.
No aforismo de Heráclito, o Aiôn (o tempo) é como uma criança que joga aos dados, o tempo é movimento, espaço e dimensão ilusória do múltiplo na qual a natureza se revela à medida que vai abandonando as suas vestes tecidas de luz refletida no grande Oceano da matéria obscura. A natureza só pode ser conhecida através dos seus processos constantes de mutações e de variabilidade, instável e em permanente movimento que segue cegamente a Lei da Necessidade, à qual atribuímos o nome de evolução. Este conjunto de processos que oscilam entre a construção e a destruição, vida e morte, aparição e desaparecimento, são voluntariosamente movidos em direção ao ponto de equilíbrio sem dimensão nem tempo, puro atributo do Ser e pelo qual nenhuma definição da nossa mente pode alcançar, porque como sugeria o obscuro Heráclito “unicamente o Noûs pode conhecer o Noûs”, que é o mesmo que dizer, que só Deus pode se conhecer a si próprio.
Tal como a dança do Deus hindu Shiva Nataraja, símbolo do tempo devorador da ilusão (ilus, que significa barro), a natureza, a Maya (deusa da ilusão) da filosofia da India esconde-se por detrás dos seus 7 véus.
Na antiga Grécia era representada através da Artemisa de Éfeso, deusa negra dos mil seios, fonte inesgotável de esperança, três vezes purificada pelo amor infinito do seu sacrifício, aguardando o regresso do seu filho pródigo, eterno caminhante do espaço- tempo.
Esta visão metafisica e velada da natureza do mundo está presente em todas as cosmogonias, mitos e ritos das grandes Civilizações do passado. A iniciação aos mistérios constituía uma vivência íntima do despojamento gradual dos véus da ilusão refletida na natureza múltipla do homem. Teilhard de Chardin no seu hino ao Universo escreveu:
“Pleno da seiva do Mundo, Subo para o Espírito que me sorri para além de toda a conquista, vestido com o esplendor concreto do Universo. E eu não saberia dizer, perdido no mistério da Carne divina, qual é a mais radiosa dessas duas bem-aventuranças: ter encontrado o Verbo para dominar a Matéria, ou possuir a Matéria para alcançar e submeter-me à luz de Deus.”
Os véus da natureza permitem-nos presenciar o mistério, em vez de escondê-lo revelam-nos a presença de algo, um sinal que só os olhos da Inteligência podem desvendar.
“Sob mil formas, tu podes esconder-te.
Portanto, oh sempre amada! Eu, prontamente, te reconheço
Tu podes cobrir-te de véus mágicos, oh sempre presente!
Eu reconheço-te de imediato.”
Divan – Goethe
Com o tempo, a ideia da natureza teve que se adaptar aos homens que pretendiam usufruir dos seus favores, e esta tornou-se pouco a pouco uma matéria inerte despojada da sua alma, mãe servil do apetite devorador dos seus filhos.
Na Idade Media, desvendar os mistérios da natureza significava pactuar com o diabo, o desejo de saber era julgado como heresia e sinal de orgulho, forma de rebelião contra as autoridades da igreja que tinham a exclusividade de representar o poder de Deus na Terra. Os antigos cultos pagãos de veneração e reconhecimento à Deusa foram paulatinamente substituídos por uma vontade frenética de sobrevivência e a Mãe do mundo transformou-se na Eva pecadora, símbolo de desobediência e do pecado original. Despida dos seus atributos sagrados a natureza tornou-se submissa à fé da nova religião. Mas Deus, por vezes escreve direito por linhas tortas, e as cruzadas que através dos seus cavaleiros templários, Ordem que se manteve ligada em segredo à tradição hermética, permitiram o contacto com o Médio Oriente proporcionando assim uma nova abertura para o regresso de uma sabedoria milenária.
O contacto com os Árabes, detentores na altura de conhecimentos científicos muito avançados para a época e uma profunda cultura dos clássicos, dos quais foram tradutores, assim como os descobrimentos e a abertura das rotas marítimas que deram a conhecer novos mundos ao mundo, permitiram o regresso do saber ancestral que se tinha escondido dos olhares inquisitorial durante toda a Idade media.
A arte gótica, último testemunho de uma tradição de mestres-construtores, instruídos à luz da Sabedoria ancestral, irão glorificar a Mãe celeste dedicando-lhe as majestosas catedrais, obras-mestras do século XIII.
Nos finais do século XIV e início século XV, o Ocidente viu surgir o Renascimento que trouxe os mistérios de volta e o Neoplatonismo da antiga Alexandria assim como as ciências herméticas difundiram-se à luz do dia através de uma plêiade de génios talentosos. Com o desenvolvimento económico das cidades italianas, surgiu uma rica burguesia mercantil que, em seu processo de afirmação social, procurava ser o centro da nova sociedade e transformava-se em “mecenas”, protetora e amante das artes e da antiguidade clássica, proporcionando desde modo um reencontro com o passado, colocando novamente o homem no centro da Criação. Este novo ciclo de renascimento teve por epicentro a Academia de Marsílio Ficino, verdadeiro mago e amante da Sophia ou Sabedoria da natureza, agora revestida dos atributos da Deusa Atena, símbolo da inteligência criadora de cultura. O teocentrismo da Idade media é substituído pelo antropocentrismo tão bem ilustrado pela pintura de Michelangelo com Adão tocando o dedo de Deus na Capela Sistina, ou o Homem de Vitrúvio de Leonardo da Vinci. Como por magia, o universalismo ilumina a terra tentando rivalizar em esplendor com o céu.
A ciência movida pela visão panteísta do mundo faz florescer a deusa natureza, agora metamorfoseada em formosa Madona, Maria, mulher, mãe, trono terrestre do Adão cósmico, Filho arquetípico de Deus
A magia do amor alquímico consagrou as núpcias do céu e da terra nos talismãs da pintura renascentista.
“Quanto mais conhecemos, mais amamos”
Leonardo da Vinci
No renascimento assistimos ao regresso triunfal de Prometeu arrebatado por tempos breves até o céu apolíneo, irradiando luz e verdade sobre o templo do homem deus. Mas as asas de cera dos engenhosos filhos de Dédalo, levaram novamente Prometeu para a terra onde munido de aparelhos de óptica quis aprisionar com olhos carnais os mistérios do universo.
A dessacralização progressiva da Natureza, resultado da influência do cristianismo contribuiu para destronar os antigos cultos pagãos, favoreceu o desempenho da ciência em dissecar as entranhas da matéria procurando agora o agente visível do substituto de Deus. Encontrar o segredo da vida, significa ter domínio sobre os fenómenos, experimentar significava ser capaz de recrear, reproduzir, dominar e libertar o homem dos seus medos e superstições ancestrais.
O padre franciscano Francis Bacon considerava que a missão da ciência consistia em restituir ao homem o direito sobre a natureza. Por causa do pecado original, o homem teria perdido a sua inocência e o seu poder sobre a natureza, em consequência disto a religião reparava o primeiro e a ciência o segundo.
Do século XVI ao século XVII, a ciência afasta-se paulatinamente da religião, em 1543, Copérnico anuncia a sua teoria heliocêntrica, anos mais tarde em 1609 Johannes Kepler redige as duas primeiras leis do movimento planetário, em 1610 Galileu escreve o Sidereus Nuncius: resumo das suas observações telescópicas, em 1675 – Leibniz e Newton dão a conhecer o cálculo infinitesimal, em 1675 – Anton van Leeuwenhoek observou micro organismos através de um microscópio, 1676 – Ole Romer faz a primeira medição da velocidade da luz, e em 1687 Isaac Newton, o mais inspirado dos homens de ciência, revela ao mundo as leis do movimento, a lei da gravitação universal, e as bases para a física clássica.
“Do meu telescópio, eu via Deus caminhar! A maravilha, a harmonia e a organização do universo só se pode ter efetuado conforme um plano de um ser todo-poderoso e omnisciente.”
Isaac Newton
Nos finais do século XVIII e início do século XIX, a natureza é concebida como um objeto mecânico do qual pode se conhecer as várias peças. O estudo da natureza como exercício espiritual na busca do mistério do Ser deixa o passo ao triunfo da ciência experimental e do iluminismo.
“O iluminismo representa a saída dos seres humanos de uma tutelagem que estes mesmos se impuseram a si. Tutelados são aqueles que se encontram incapazes de fazer uso da própria razão independentemente da direção de outrem. É-se culpado da própria tutelagem quando esta resulta não de uma deficiência do entendimento mas da falta de resolução e coragem para se fazer uso do entendimento independentemente da direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem para fazer uso da tua própria razão! – Esse é o lema do iluminismo“.
Immanuel Kant
Johann Christoph Friedrich Schiller poeta, dramaturgo, filósofo e historiador alemão, que criticava a perda gradual da percepção poética e estética da natureza, escrevia em resposta à famosa frase de Newton “Hypothesez non fingo” (“eu não imagino hipóteses“) que “Deus é um engenheiro na reforma, uma hipótese inútil”. Quanto justo e oportuno é este simples pensamento de um sábio africano que diz: “o homem é verdade que criou o relógio, mas Deus criou o Tempo”. A obra poética e filosófica de Schiller teve grande influência na constituição do Romantismo. Nas suas obras transparecem valores iluministas, como o Humanismo, a Razão e um enaltecimento da então emergente classe burguesa. Na sua poesia “Os deuses da Grécia”, Schiller revele-nos toda a alma do Romantismo que irá impregnar o século XIX desta nostalgia tão feminina e noturna dedicada à Alma da Natureza.
OS DEUSES DA GRÉCIA (extracto)
De Friedrich Schiller
Tradução de Maria do Sameiro Barroso
Quando ainda era o vosso reino o mundo belo,
Pela vossa mão, o homem era conduzido para a alegria,
Em estirpes bem-aventuradas,
Belos seres do mundo das fábulas.
Porque o vosso culto então resplandecia
Era tudo tão diferente, era tudo um outro tempo,
De flores, Vénus Amatúsia, ainda se coroava
O teu templo!
As vestes mágicas da Poesia ainda se inclinavam
Docemente para a verdade,
A criação irradiava o sentido para a vida,
Sentia-se como nunca se houvera sentido.
Para a inscrever no seio do amor,
Deu-se as mais altas asas à natureza,
Em tudo havia marcas sagradas,
Em tudo havia vestígios de um deus.
Onde agora, na nossa forma de ver,
Apenas se move uma bola de fogo sem alma,
Conduzia então o seu carro dourado,
Hélio, na sua majestade calma.
Os cumes dos montes eram habitados por Oréades,
Em cada árvore habitava uma Dríade,
Dos ataúdes de belas Náiades
Saltitavam fios de espuma prateada.
[…]
Mundo belo, que é feito de ti? Regressa,
Abençoada idade florida da natureza!
Só na terra das fadas, das canções,
Vive ainda o teu vestígio fabuloso.
Definhados e tristes, estão agora os campos,
Porque nenhuma divindade se oferece
Ao meu olhar.
Desses quadros palpitantes de vida,
Apenas nos resta a sua sombra.
Todas essas flores foram tombadas pelo vento
Frígido do norte.
Para adorar Um entre todos, teve que perecer
Este mundo de deuses.
Triste, procuro-te no arco-íris, a ti, Selene.
Não te encontro mais.
Grito, através das ondas, das florestas,
E só um eco vazio me responde!
Alheios à alegria que ela oferece,
Sem entusiasmo pela sua majestade,
Sem a proteção do espírito que ela encerra,
Sem a consagração da minha espiritualidade,
Insensíveis à sua honra de artista,
Assemelhando-se ao bater das horas mortas,
Dobra-se servilmente à lei da espada,
A natureza endeusada.
Para amanhã de novo ser dispensada,
Para si própria constrói agora o próprio túmulo.
Sobre um fuso sempre igual, para cima e para baixo,
Por si próprios se movimentam os astros.
Ociosos, voltaram para a poesia,
Para a sua casa, os deuses, desnecessários
Ao mundo que, pela sua mão nascido,
No seu próprio peso se sustenta.
Sim, eles regressaram à sua casa e levaram
Tudo o que era grande e belo consigo,
Todas as cores e todos os matizes da vida.
Ficou-nos a palavra empobrecida.
Retirados das vagas do tempo, pairam,
A salvo, nos cumes do Pindo.
O que permanece imortal, no canto,
Tem que perecer, na vida.
O fim do século XVIII e início do século XIX viu nascer o positivismo de Augusto Comte com a sua religião da razão, o liberalismo nascido da revolução francesa e a filosofia naturalista de Jean Jacques Rousseau: ” A natureza fez o homem feliz e bom, mas a sociedade deprava-o e torna-o miserável. ”
A revolução industrial com as suas aglomerações de trabalhadores fabris e a mecanização da atividade humana em detrimento das artes menores, cidades asfixiadas pelo frenesim do progresso e o abandono das terras de cultivo agora laceradas pelos caminhos-de-ferro que surgem a todo o vapor transformando a mãe-terra em fonte inesgotável de matéria-prima.
A ideia do progresso interminável teve o seu reverso e os defensores saudosistas do Éden deram a esta época uma nova alma à Natureza. É o regresso de Orfeu que com a sua lira ouve os prantos de Eurídice. Poetas, escritores, artistas, unem-se para resgatar a Dama-natureza do inferno mecanicista. Mas tudo não passou de um sonho crepuscular, relâmpagos lunares no mar amargurado e a bela Eurídice voltará para a sua sombria morada, levando com ela o cofre auspicioso de Pandora.
Só nos finais do século XIX, Helena Petrovna Blavatsky (1831-1891), filha pródiga dos Mistérios, alma gigante inspirada pelo deus Hermes, mensageiro de uma Sabedoria milenária, difunde no mundo inteiro a esperança renovada do pacto com a Gaia Sophia. Tocou o clarim do despertar e convocou as almas nobres para espalhar o grande sonho de unir os homens da Terra à volta dos Ideais da Verdade.
“Se queres colher doce paz e descanso, discípulo, semeia com sementes do mérito os campos de futuras colheitas.” – H. P. Blavatsky
Morreu gloriosamente depositando na terra um tesouro de ensinamentos que como uma semente fez germinar nos corações de muitos homens e mulheres do seu tempo, o amor à humanidade. Entre eles, citemos apenas alguns: o estadista Jawaharlal Nehru, pintores como Piet Mondrian, Nikolai Roerich e Wassily Kandinsky, músicos como Alexander Scriabin, atores como Constantin Stanislavski e cientistas como Albert Einstein, Robert Oppenheimer, Wilhelm Reich e Thomas Edison, além dos literatos Fernando Pessoa, Camille Flammarion, Leon Tolstoy, James Joyce, William Butler Yeats, líderes espirituais como Mahatma Gandhi.
Enquanto o pessimismo romântico dizia não ao mundo, o filósofo alemão Nietzsche, o Prometeu dos tempos modernos afirmava o seu sim com toda a audácia, lucidez, e entusiasmo.
“Todo o ser humano necessita da ilusão para se transformar, é absolutamente impossível ao sujeito pretender ver ou conhecer algo além de si mesmo”
Nietzsche, profeta dos tempos modernos anunciou o princípio do fim, ” Deus está morto”, eterno rebelde das convenções largou as correntes que o amarrava à terra do Nunca, como navegante solitário num mar repleto de ilusões lançou-se no vertiginoso espaço sideral e desapareceu.
”É preciso ter um caos dentro de si para dar á luz uma estrela cintilante” – Nietzsche
O século XX e início do século XXI trouxe-nos uma antevisão do admirável mundo novo com a embriaguez do avanço vertiginoso das ciências, fragmentámos o átomo e libertamos o sopro do dragão nuclear, voámos e conquistámos o espaço, desenvolvemos tecnologias de ponta, e rompemos as fronteiras com redes de tele- comunicações, fabricámos armas letais e vivemos guerras avassaladoras em proveito do poder do deus dinheiro. Adoramos já não o bezerro de ouro mas o ouro do bezerro, cultivamos a religião do bem-estar e do divertimento em todas as dimensões da nossa condição humana estando-se submerso num consumismo sem precedentes ao qual se atribui o nome de hiperconsumismo ou era do vazio. A globalização faz-nos navegar pela internet, e vivemos tempos cibernéticos com o perigo mundial da avalanche do terrorismo internacional. Visionário do nosso admirável mundo novo, Eliphas Levi o maior ocultista do século XIX, escrevia:
“Quando a natureza puxa a corda, é porque caminhamos ao contrário, quando ela nos castiga, é que o perigo esta perto.”
Sem querer apresentar uma imagem catastrófica do nosso tempo, merece no entanto uma reflexão profunda, porque não basta querer mudar o mundo, é necessário mudar a forma como pensamos o mundo, porque aquilo que nos afastou da verdade é também aquilo que pode voltar a aproximar-nos dela. Nunca a memória da humanidade esteve tão carregada de ensinamentos. Hoje podemos consultar as obras-mestras do pensamento universal sem necessidade de nos deslocarmos, hoje as imagens mostram-nos um mundo nunca antes sonhado, belezas incalculáveis do nosso planeta Terra, vida vegetal, animal, humana, estelar estão ao nosso alcance. Hoje podemos voar para destinos longínquos e conhecer povos e culturas ricas em costumes e ensinamentos. Hoje milhares de pessoas juntam-se em campanhas de solidariedade para atenuar as injustiças resultantes das desigualdades sociais. Hoje voltou-se a consagrar Gaia a Terra com as preocupações ambientais e ecológicas, salvam-se espécies em vias de extinção, recicla-se o lixo, limpam-se os rios e as florestas. Valerá então a pena nascer em tempo de crise? Sim porque é na dificuldade que apreendemos a crescer. É preciso reciclar o nosso modo de pensar a vida, recuperar os valores que dignificam a nossa natureza humana, por vezes é preciso morrer para um passado sem futuro, conhecer a perda para valorizar a dádiva.
A consciência global que nos une hoje para navegar contra esta corrente de autodestruição é o melhor da nossa conquista, nasceu da capacidade que o homem tem de se levantar de novo, e isto se deve ao seu amor à vida, à sua identidade com a grande família humana, mas sobretudo o seu sonho infinito de eternidade. Estamos a sofrer a dor do parto de uma nova civilização que a Mãe-Natureza, em sintonia com os homens e mulheres de boa vontade, fará nascer do lodo do passado. Porque somos corpo do seu corpo, alma da sua alma, essência da sua essência, seguimos em frente, reaprendemos a olhar para além das nuvens sombrias e passageiras, acompanhando a luz do mundo porque talvez esta seja o cúlmino da nossa longa viagem.