O firmamento noturno tem sido uma fonte inesgotável de inspiração para artistas, filósofos e cientistas ao longo da história. A observação e o estudo do céu transcendem tempos e culturas. Não só determinou tradições, influenciando até mesmo o desenvolvimento da vida quotidiana, mas também levantou questões fundamentais para a humanidade: onde estamos neste vasto universo? O que está além do que os nossos olhos podem ver, tanto ao longe quanto no mais profundo?

Onde estamos parados?

Para aprofundar neste intrigante tema, é essencial voltar aos primórdios da ciência clássica. No ano de 1687, Sir Isaac Newton, um cientista, alquimista e astrólogo notável, propôs uma teoria na qual o espaço e o tempo são entidades independentes e separadas. Segundo ele, o espaço é absoluto e determinado, onde todos os objetos se movem devido à força da gravidade que possuem, mantendo-os juntos e em rotação. No entanto, no início do século XX, Albert Einstein apresentou a teoria da relatividade, onde o espaço não é independente do tempo; ambos estão inter-relacionados. A velocidade da luz, que viaja a 300.000 km/s, permanece uma constante universal. Neste modelo, a luz é convertida numa medida do espaço percorrido num determinado tempo, e a gravidade é considerada uma medida da massa de objetos que curvam o espaço-tempo. Assim, a massa de objetos distorce esta rede imaginária de linhas que representa o espaço-tempo. Por exemplo, poderíamos imaginar a Terra e a Lua apoiadas por uma rede elástica, deformada como na figura; ali, o satélite da Terra entraria em órbita porque giraria sobre a deformação que a Terra faz nesta rede.

Duma perspetiva filosófica, nos primórdios da cultura ocidental, figuras como Platão e as tradições órficas consideravam que o que mantinha unido o universo era o Amor; Eros, o deus do Amor, estava presente desde antes do surgimento de Gaia, a Terra, e Úrano, o Céu mantendo unido o cosmos e permitindo a vida.

O amor seria, então, a Grande Força Universal que une todas as coisas. De acordo com essa perspetiva, todas as formas de amor na vida, seja o amor de uma mãe pela sua família, um abraço com amigos ou mesmo um amor por um ideal compartilhado, vêm desta raiz mística.

Assim, simbolicamente falando, a gravidade poderia ser uma manifestação física do Amor Primordial, pois é a força que mantém os seres unidos e em movimento.

Medalhão com Eros, segunda metade do século III a.C. Museu do Louvre, Paris. Creative Commons

Do que é constituído o espaço?

No entanto, quando mergulhamos na mecânica quântica, encontramos enigmas que desafiam a nossa compreensão, com teorias que mais parecem ficção científica do que ciência tangível. Neste contexto, o espaço é composto principalmente de matéria negra, que compõe 80% do universo, mas cuja composição ainda é desconhecida! A matéria visível, que compõe os 20% restantes, é composta por moléculas que, através das suas ligações, distâncias e formas de vibração, determinam os três estados mais comuns da matéria: gasoso, líquido e sólido.

De acordo com a teoria dos sólidos platónicos, estas moléculas são organizadas em cinco formas geométricas fundamentais: tetraedro, hexaedro, octaedro, dodecaedro e icosaedro, que assemelham-se a estruturas moleculares descobertas nos finais do século XIX e princípios do século XX. Por exemplo, a molécula de metano (CH4) tem forma tetraédrica; hexafluoreto de enxofre (SF6) tem estrutura octaédrica; todos os metais alcalinos e alguns outros metais, juntamente com o cloreto de sódio, têm uma estrutura cúbica, o hidrocarboneto C20H20, apresenta uma estrutura semelhante ao dodecaedro e o fulereno estrutura icosaédrica.

Os cinco sólidos platónicos. Domínio Público

Cada molécula seria composta por átomos, conceito proveniente do filósofo grego Demócrito (átomo: sem partes, indivisível), para quem toda a matéria era composta de pequenas partículas esféricas e indivisíveis. Quando o átomo foi estudado, por volta do ano de 1900, acreditava-se que tinha sido encontrada a partícula a que Demócrito se referia, mas quando realizaram experiências perceberam que ela por sua vez tinha “partes”, conhecidas como partículas subatómicas: protões, neutrões e eletrões. Quando se pensava, por sua vez, que estas partículas eram indivisíveis, foram descobertas mais fragmentações possíveis: quarks, neutrinos, bosões, entre outras…

A mobilizada e errática vida subatómica

Nos modelos clássicos, os átomos funcionam como microssistemas solares, onde eletrões, semelhantes aos planetas, orbitam em torno do núcleo composto por neutrões e protões; A busca pelo equilíbrio elétrico no átomo coloca os seus elementos em movimento, produzindo um fenómeno semelhante ao que ocorre com a gravidade nos planetas. Estes eletrões, quando saltam de uma órbita para outra, emitem radiação eletromagnética (incluindo a luz). A partícula elementar que compõe a luz, as micro-ondas, os raios X, os raios gama e toda a radiação deste tipo é conhecida como fotão. Esta radiação é emitida em pacotes de fotões chamados quanta (daí o nome daí o nome mecânica quântica)

Os protões e neutrões no núcleo são constituídos por quarks que são estudados principalmente no colisor de hádrons. As partículas são aceleradas até perto da velocidade da luz e são feitas tentativas para que choquem entre elas; os fragmentos resultantes do impacto serão novas partículas menores, invisíveis ou virtuais. É curioso mencionar que muitos dos movimentos destas partículas subatómicas seguem padrões semelhantes à proporção áurea, evocando mais uma vez o princípio atemporal que expressa: “como é em cima, é em baixo”.

Estrutura de um próton. Creative Commons

Em modelos mais atuais, como a Teoria de Campos Quânticos, as partículas subatómicas, incluindo eletrões, são descritas como excitações de campos quânticos. Ou seja, são mais como campos de energia do que partículas discretas.

Existe o vácuo?

Como muitos cientistas, nos perguntamos se existe o vácuo. Esse espaço em que não vemos objetos e no qual as coisas se movem, pode realmente estar vazio? Não faz muito tempo que os cientistas modernos demonstraram algo que os sábios de todos os tempos já sabiam: o vazio como tal não existe.

A noção de um “vazio” absoluto desaparece na ciência moderna. Os cientistas mostraram que o espaço, mesmo aparentemente vazio, está cheio de flutuações quânticas e partículas virtuais que aparecem e desaparecem continuamente. Todo o espaço, visível ou invisível, é composto por partículas de diferentes naturezas.

A mecânica quântica revela fenómenos surpreendentes…

Neste mundo subatómico, a observação humana também tem um impacto significativo. Os eletrões, por exemplo, comportam-se como ondas e partículas, dependendo se estão sendo observados ou não. Essa dualidade onda-partícula reflete o princípio antrópico participativo, que sugere que a observação humana afeta os fenómenos de modo que o mundo não seria realmente tão “objetivo” quanto pensamos, mas que a consciência é outro fator que interage e modifica os fenómenos.

Além disso, a mecânica quântica também desafia a nossa compreensão do tempo e do espaço. Neste nível, o passado, o presente e o futuro parecem perder o seu significado convencional; parece que os eletrões poderiam modificar ou interferir em fenómenos do passado, de acordo com as ideias de retro causalidade. Nesta linha (altamente especulativa), quando um experimentador escolhe como avaliar uma partícula, essa decisão pode influenciar nas propriedades que a partícula tinha antes de ser tomada a decisão.

Há também o fenómeno conhecido como enredamento quântico, que sugere uma ligação profunda entre duas ou mais partículas, de modo que as propriedades de uma destas partículas estão relacionadas ao estado quântico da outra partícula, independentemente da distância que as separa. Essas correlações estão enredadas de uma maneira que não pode ser explicada pelas leis clássicas da física.

Se for possível interferir nos eventos observando-os, modificar o nosso passado e estar unidos além das distâncias, realmente podemos causar um impacto positivo em nós mesmos e no mundo que nos rodeia. Isso nos lembra que, “se mudarmos a visão do mundo, o mundo muda”, e hoje a mecânica quântica nos revela isso cientificamente.

Artigo baseado na palestra “O Tempo e o Espaço: a ciência atual à luz da filosofia clássica” proferida em Córdoba por Franco Soffietti em agosto de 2021

Publicado na Revista Acrópolis. Revista digital de Filosofia, Cultura e Voluntariado,   Argentina, em 6-12-2023

Imagem de destaque: Parte da imagem Hubble Ultra Deep Field, contendo galáxias intercaladas pelo vácuo. NASA, ESA, S. Beckwith (STScI) and the HUDF Team. Domínio Público