Este artigo é a continuação de uma série intitulada
“A cultura megalitica e a linguagem das pedras erguidas“.
A introdução do Cristianismo trouxe inevitavelmente um confronto entre os antigos cultos denominados pagãos e a nova religião. Nem as proibições nem mesmo a destruição de alguns lugares de culto conseguiram afastar aqueles que se convertiam ao cristianismo da aproximação de certos lugares sagrados, numa grande maioria relacionado com os megálitos. Impunha-se pois uma outra estratégia. O papa Gregório queixava-se por escrito, em finais do séc. VI, que os povos que não tinham recebido a influência civilizadora de Roma se haviam “dedicado até então à adoração de madeiras e pedras”, mas chegou à conclusão que “não é correcto obrigar as pessoas de carácter obstinado a melhorar à força: é melhor fazê-lo dando passos lentos”. Ao missionário Agostinho aconselhou que não destruísse os antigos santuários e templos, mas sim que os modificasse espargindo-os com água benta, já que assim incorporava as qualidades curativas dos poços pagãos, e que convertesse lentamente os aldeões. Por isso antas foram convertidas em capelas, como os casos em Portugal de Pavia e a de N.ª Sra. do Livramento em S. Brisos (ambas no Alentejo) e a edificação de igrejas em cima das montanhas artificiais do tumulus como os casos do tumulus de S. Miguel na Bretanha, a famosa basílica do Mont St. Michel e muitos lugares de culto relacionado com esses montes sagrados que irão acabar por estar associados na toponímia a S. Miguel e ao Outeiro.
S. Miguel irá cristianizar muitos dos lugares que eram dedicados a Endovélico, como o santuário a Endovélico em S. Miguel da Mota, que sendo deus da saúde tinha simultâneamente um carácter solar e ctónico, que como vimos anteriormente assume as duas características da montanha: o da gruta no interior e do eixo no exterior da montanha. S. Miguel é o Arcanjo mais próximo de Deus, tal como o Outeiro, cujo significado é simultaneamente o de um montículo e de um altar ou lugar sagrado, por fazer aproximar do Céu. Em Portugal são imensos os lugares em que se une S. Miguel ao Outeiro: Outeiro de S. Miguel na Guarda, S. Miguel do Outeiro em Tondela, Igreja de S. Miguel em Outeiro Seco, Festas de S. Miguel em Outeiro da Cabeça (Torres Vedras), Outeiro de S. Miguel em Coito (Tábua), Capela de S. Miguel em Outeiro (Viana do Castelo), etc.
Espalhados pela Europa não faltam também essas sobreposições. A título de exemplo temos o já citado Mont Saint Michel (Baixa Normandia – França), a Igreja de S. Miguel em Brent Tor (Inlaterra), Igreja de S. Miguel sobre um montículo cónico conhecido como Burrowbridge Mump e a Glastonbury Tor (Inglaterra) com a sua capela dedicada a S. Miguel situada no cimo do monte em que se acede através de um caminho serpenteado.
Não faltam também menires e bétilos cristianizados como o de Saint Uzec na Bretanha onde foram gravados símbolos cristãos e colocada uma cruz na parte superior ou o menir de Men Marz em Finisterra (França), um dos quatro maiores de França onde foi colocada uma cruz no topo.
Ao concluir-se esta viagem através do mundo da cultura megalítica a sensação que nos fica é a das inúmeras perguntas que se nos colocam, dos incontáveis campos de conhecimento que engloba e de um saber que não entendemos inteiramente. Podendo isso parecer pouco, penso na verdade que poderá ser muito, pois leva-nos do campo das fáceis “certezas” ao reconhecimento do pouco que sabemos para podermos investigar o muito que queremos saber.
O facto da cultura megalítica nos transportar aos primórdios da história, embora muito provavelmente não seja assim tão primordial, levou-nos durante muito tempo a pensar que o conhecimento destes povos era simples e de respostas por isso algo fáceis, pois estaríamos perante povos simplesmente buscando sobreviver e alienar os seus medos do desconhecido. Os anos de investigação inconformista com essas respostas simplistas, muitas vezes com o sacrifício de muitos investigadores passarem pela ridicularização e desacreditação, fizeram no entanto que hoje se esteja a avançar bastante em novas linhas no conhecimento da história da humanidade, o que poderá ajudar muito, não só na compreensão do conhecimento do homem e do seu caminho como possivelmente a abrir horizontes civilizatórios de futuro.
Bibliografia:
Livros:
– “Carnac et lénigme de l’Atlantide” de Jean Markale, Ed. France Loisirs
– “Energias da Terra”, Coord. de José Alexandre Cotta, Ed. Ésquilo
– “Lugares Mágicos e Megalítismo” de Eduardo Amarante, Ed. Quipu
– “El enigma de la Catedral de Chartres” de Louis Charpentier, Ed. Plaza & Janes
– “Dicionário dos Símbolos” de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, Ed. Teorema
– “Atlântida – Mito ou Realidade”, Coord. de José Carlos Fernández, Ed. Nova Acrópole
– “O Egito antes dos Faraós” de Edward F. Malkowski, Ed. Cultrix
Artigos:
– “Astronomia megalítica” de H. Fleury
– “De la astronomia a la geometría sagrada” de M. Guillaume
– “Nuevas consideraciones sobre el significado del petroglifo de Laxe das Rodas (Muros, Galicia)” de Fernando Alonso Romero
– “Utilización terapéutica de los campos magnéticos.1-Fundamentos del biomagnetismo”, de Madroñero de la Cal A.