Existe uma praga que está ameaçando estragos nas nossas sociedades atualmente, causando angústia, dor e medo. Não estou a falar de COVID, mas da pestilência do crime. Nos Estados Unidos tem sido um tema político para os presidentes de câmara das grandes cidades há décadas, muita reflexão e dinheiro têm sido investidos no problema, mas a solução ainda não parece estar nem um pouco mais próxima. Trata-se de um problema para o qual ainda não foi encontrada uma vacina, apesar dos aparentes esforços desenvolvidos nessa direção.

Talvez a solução não esteja em inventar algum novo método ou reforma, mas antes na aplicação do que já sabemos? Quando não se encontram soluções no presente é às vezes útil a experiência da humanidade sintetizada nas sagas da história. As ideias do filósofo confucionista, Mencius, por exemplo, têm uma relevância interessante neste tópico.
Mencius (ou Mengzy) foi um filósofo chinês que viveu no séc. IV a.C., no final da dinastia Zhou, uma época que os historiadores apelidaram: “O período dos reinos combatentes”. Este período, como pode ser resumido pelo seu nome, foi um período de conflitos constantes entre os diferentes estados que compunham o reino de Zhou. Os que estavam no poder estavam em constante medo de assassinato e usurpação, e as pessoas comuns viviam debaixo de um fogo constante de impostos, banditismo e guerra.

Mencius (372 a.C. – 289 a.C.). Domínio Público

Mencius via-se a si próprio como um seguidor de Confúcio, o grande sábio que viveu cem anos antes, dizendo: “Desde que o homem veio a este mundo, nunca houve outro maior do que Confúcio (2A2). Ele desenvolveu ainda mais uma ideia sobre a qual Confúcio ensinou acerca da benevolência e humanidade.

Apesar das lutas, que deve ter testemunhado ao longo da sua vida, Mencius acreditava que os seres humanos são inatamente benevolentes e que dentro deles existe uma chama de benevolência que necessita de ser alimentada e expandida de tal maneira que se desenvolverá numa total fruição. 

Mas se somos benevolentes por natureza, porque é que as pessoas recorrem ao crime, de acordo com Mencius?

Claro que é difícil generalizar acerca do crime, uma vez que existem diferentes tipos de crime e diferentes tipos de criminosos. Supondo, no entanto, que estamos discutindo leis comumente aceites cujo objetivo é preservar do senso comum a harmonia da sociedade (e não leis usadas como repressão) existem certos pontos em comum quando se trata da origem do crime.

Em primeiro lugar, as pessoas têm necessidades básicas – alimentação de qualidade, abrigo seguro, rede social etc. A maioria das pessoas não têm os recursos para ultrapassar duras circunstâncias de pobreza e ignorância e tornar-se-ão para o crime em situações onde a sua sobrevivência está ameaçada. De acordo com Mencius se uma pessoa recorre ao crime não é inteiramente ao criminoso, mas sim aos responsáveis que carecem de benevolência e não cumprem os seus deveres.

“Quando as pessoas morrem, você simplesmente diz:”Não é nada da minha conta”. A culpa é da colheita. De que modo isto é diferente de matar um homem, atropelando -, enquanto vai sempre dizendo, ”Não é nada da minha conta. A culpa é da arma”. Existe alguma diferença em matá-lo com uma faca e matá-lo com desgoverno?” (1B 12)

Claro, haverá sempre indivíduos que podem crescer e prosperar independentemente das suas circunstâncias. Estes são seres humanos excecionais que são como as plantas teimosas do deserto que podem crescer em qualquer lugar. A realidade infelizmente demonstra que essas pessoas são uma minoria. A maioria das pessoas é como as plantas comuns que requerem um terreno rico em recursos, com temperaturas equilibradas e um suprimento de nutrientes e de água.

O ouro encanta e confunde. Domínio Público

Apesar disso, se as suas necessidades físicas são satisfeitas, isso não é suficiente. De acordo com Mencius – “O Caminho das pessoas é este: se estão cheias de comida, têm roupas quentes, e vivem no conforto mas não têm instrução, então estão mais próximas de ser animais”(3A4).

Para Mencius, os seres humanos são diferentes dos animais, porque têm necessidades que transcendem os seus desejos biológicos. Nos países do primeiro mundo, por exemplo, a maioria das pessoas não lhes falta nutrição física, mas a muitos falta-lhes nutrição emocional, intelectual mental e moral.

Educação, no entanto, não é somente transmitir conhecimento. “Educar uma pessoa na mente mas não na moral é educar uma ameaça para a sociedade”, como disse Theodore Roosevelt. A educação é também ensinar autodomínio, convivência e harmonia social.

Se as pessoas tiverem o que precisam, mas não tiverem educação, elas ainda recorrerão ao crime – por tédio, preguiça ou ganância. É o caso dos “bandidos da varanda” que roubam pacotes das varandas.

Se as pessoas forem apenas informadas intelectualmente e não moralmente formadas, o crime não mais terá um fim, mas tornar-se-á mais sofisticado. É o caso do tão falado crime do colarinho branco.

As pessoas não estão roubando pacotes das varandas ou lavando dinheiro para sobreviver, elas estão roubando porque lhes falta o autocontrole, porque estão envenenadas pela ganância.

Anúncio anticorrupção e antissuborno na Zâmbia. Imagem Lars Plougmann. Creative Commons

Enquanto Mencius põe muita responsabilidade na sociedade, ele também fala acerca do esforço individual que é requerido por cada cidadão, e especialmente por aqueles que têm a responsabilidade de liderar. Eles devem fazer um esforço constante de um autoaperfeiçoamento e alimentar os “brotos” da virtude dentro de si.

Seguindo os ensinamentos de Confúcio, Mencius vê o líder como um exemplo crucial de uma vida virtuosa, tão crucial e, portanto, não é qualquer que pode ser líder. Os verdadeiros líderes têm de trazer mais harmonia social, maior esforço do povo e como efeito colateral menos crimes.

Além disso, Mencius vê o governante como um servo do povo. Governar é um ato de sacrifício, de colocar a sua vida pessoal de lado, com o intuito de servir a sociedade.

 “Da maior importância são as pessoas, e a seguir vem a boa terra e as sementes e por fim não menos importante o governante”. (Mencius ,7B:14)

Finalmente, a autoridade moral do líder advém de ter um exemplo supremo daquilo que eles requerem. Assim, como podem aos governantes exigir ao povo para se comportarem melhor do que eles fazem?

Decerto modo Mencius não nos está a dizer nada que já não soubéssemos. Enquanto nós não podemos tratar o crime de forma simplista, não há dúvida, se todas as pessoas tivessem tido as suas necessidades básicas satisfeitas e recebessem educação de qualidade baseada em valores humanos duradouros, os níveis de criminalidade diminuiriam significativamente.

A verdadeira questão não é porque existe crime, mas estas coisas não equipam as pessoas quando temos os meios para o fazer.

O que seria necessário para torná-lo assim? 

Igualmente, estarão as pessoas responsáveis dando um exemplo moral?

Se não, o que seria necessário para fazer disso realidade?

Talvez não seja que não tenhamos vacina para o crime, a questão é que não queremos usá-la…

Gilad Sommer

Publicado na Biblioteca Nueva Acrópolis em 6 de junho de 2022

Imagem destaque: Desenho mostrando um homem sendo roubado e agredido. Creative Commons