O caminho da filosofia é longo, mas não é difícil. É um caminho de busca, de estar sempre a aprender. Gostamos de definir o filósofo como um buscador, um amante da sabedoria; o filósofo é aquele que faz perguntas sobre a vida e tenta encontrar respostas. Respostas que lhe podem ser válidas e úteis para encontrar um pouco de sentido na vida.
Hoje temos uma pergunta: Como construir o nosso futuro? Esta pergunta traz em si uma afirmação: o futuro pode ser construído.
Falar de construir o futuro parece uma afirmação contundente à primeira vista… mas sim, pode-se construir o futuro, embora tenhamos que considerar alguns elementos do ponto de vista filosófico. Como Escola de Filosofia à maneira clássica, pensamos que a teoria e a prática devem formar uma unidade inseparável, e que se colocarmos em prática o que é válido que somos capazes de aprender, podemos nos tornar atores das nossas próprias vidas, e não apenas espectadores arrastados pelas circunstâncias. Desenvolveremos esta breve palestra com base em elementos, ensinamentos e conceitos filosóficos comparativos do Oriente e do Ocidente, como por exemplo a vida, o tempo e a mente, que considero estarem intimamente relacionados.
Sobre a vida poderíamos falar horas, dias, meses, anos inteiros e, possivelmente, não chegaríamos a uma conclusão, já que a VIDA é o grande mistério que ninguém sabe de onde vem. Podemos interagir com a vida, mas não sabemos qual é realmente a origem da vida. A única coisa que sabemos são algumas das suas características… A principal e mais evidente? Que a vida está em movimento, a vida se move.
Tudo o que participa do que chamamos vida está em movimento; Não há nada que esteja parado, imóvel, quieto no espaço e no tempo, e, portanto, poderíamos dizer que a principal característica da vida é o movimento. Ao movimento da vida chamamos evolução e, portanto, dizemos que dentro da vida toda a gama de seres vivos que existem são seres em evolução.
Também não podemos separar o que é vida dos conceitos de energia ou matéria. Hoje sabemos, graças aos avanços científicos, que toda a forma de vida é uma forma de energia e também, de alguma maneira, é uma forma material. É bem possível que toda a energia seja uma forma de vida e que tudo, absolutamente tudo, esteja em contínuo movimento.
Então temos o conceito de Tempo. Dentro da vida aparece algo tão intangível, tão indescritível, como é o tempo. Também poderíamos falar muito sobre o tempo, mas vamos mencionar apenas uma das suas características: o tempo é um limitador, no momento em que aparece já é uma limitação. Porque o tempo nos traz todas as coisas, mas também as leva. Traz-nos a juventude e a juventude desaparece um belo dia. Traz-nos «sorte», e temos momentos de boa sorte, mas também o tempo a leva, e há momentos de má «sorte». O tempo nos traz alegria, nos traz boas companhias, mas o tempo, mais cedo ou mais tarde, leva tudo. Tudo o desgasta, tudo o afasta.
O tempo é um limitador porque podemos fazer muitas coisas dentro da vida, mas há um tempo para as fazer: o tempo nos limita. Se queremos estudar ou queremos praticar um desporto, há um tempo! Eu sei que vai me dizer: «Mas aos 90 anos também se pode praticar desporto ou estudar!» Também, mas há um tempo para fazer as coisas, e todos nós sabemos disso pela nossa própria experiência. Até dentro da natureza há tempo para semear, esperar, colher. O tempo é um limitador, traz-nos muitas oportunidades e também as leva. As portas que nos abre o tempo não são para sempre e há um tempo para cada coisa. Para dizer de alguma maneira, o tempo está contado.
E então temos que falar da mente. A mente humana é algo em desenvolvimento, e é que sobrepõe com as características do tempo, é a que pode traçar um passado, é a que projeta um futuro. A mente tem recordações agradáveis e tenta, também, que esses momentos agradáveis apareçam no futuro e se prolonguem no tempo.
A nossa mente pode planear ou sonhar esse futuro e fazê-lo de acordo com os seus desejos, com aquelas forças que são as que mantêm a nossa mente em constante combate: o que gostamos, o que não gostamos; o que nos trouxe dor, o que nos trouxe prazer. Mas é claro que a mente modifica o tempo, porque quando estamos confortáveis, o tempo passa muito rapidamente; quando a nossa mente faz o que gosta e está entretida, o tempo foge, como diziam os romanos. No entanto, quando estamos aborrecidos, quando temos que aguentar algo que não gostamos e não temos escolha, o tempo nunca passa, é lento, lento, lento …

Cronos e Gaia com quatro filhos. Primeira metade do séc. III a.C. Gliptoteca de Munique. Domínio Público

Toda esta aparência de lentidão ou rapidez relativa em relação à passagem do tempo é produto da mente. E o que estamos dizendo é que podemos construir o nosso futuro se formos capazes de combinar na Vida, efetivamente, a força da Mente e o poder do Tempo.

Vamos explicá-lo recorrendo aos nossos pais culturais: os gregos. Já sabe que a nossa escola de filosofia é baseada num estudo comparativo do pensamento do Oriente e do Ocidente e, neste caso, para ilustrar esses três conceitos, vamos recorrer à cultura grega.

Dentro do mundo grego, numa época arcaica, temos que falar sobre Hesíodo e Homero. Todos sabemos que a Grécia foi o berço do nosso mundo ocidental, isso não precisa de se repetir. Se estudarmos minimamente ou viajarmos, encontraremos a influência da cultura grega em praticamente todos os aspetos da vida. Bem, o grande educador por excelência dos gregos foi Homero, que hoje já se sabe que escreveu oito livros sobre a Guerra de Troia. A Ilíada – que quase todos nós teremos lido – é o segundo dos seus livros, o primeiro desapareceu; e a Odisseia, que narra as aventuras de Ulisses, é o sétimo, embora, na realidade, pareça ser que no total eram oito livros, como dizia.

Homero é o pai da cultura grega, o grande educador. Acredita-se geralmente que a mentalidade grega nasceu à sombra dos textos poéticos de Homero; mas além de Homero havia Hesíodo, de quem quase nada sabemos. Alguns dizem que é posterior, outros dizem que é contemporâneo e ainda há testemunhos de que é ainda mais antigo que Homero. Um dos testemunhos é muito interessante, porque diz que em certos momentos eles competiram perante um júri especializado para saber quem era o melhor poeta. Homero, era muito Homero…, no entanto, diz-se que venceu Hesíodo. Hesíodo foi superior porque – de acordo com os textos – Homero cantou a guerra e incitou as pessoas a irem para a guerra; mas Hesíodo cantou para a paz e a paz, como todos sabemos, é superior à guerra.

Hesíodo, personagem misteriosa, diz-nos que no início de tudo havia uma tríade, que era a única coisa que existia e que deu origem a todo o resto. Ele escrevia inspirado pelas musas, já que era um pastor que vivia no Monte Hélicon, onde elas moravam. E nos seus escritos invocava sempre a memória, Mnemosine e as suas filhas, as nove musas. Quando Hesíodo nos explica o princípio das coisas, diz que no início havia uma tríade que não se podia separar, e que a tríade profunda e estreitamente ligada, era o Caos, Gaia e Eros. Aqui começam as chaves para tentarmos entender por que o futuro pode ser modificado e depende, em grande parte, de nós.

O caos não era a desordem, já que Hesíodo fala do caos como algo homogéneo. A origem da palavra vem etimologicamente de algo como «abertura», que em grego significa o vazio que se abre; isso é o caos e daí surge a questão: Gaia.

Alguns falam de Gaia como a nossa Terra, mas, na realidade, o que Gaia representa é matéria; a matéria primordial que começa a criar, a criar formas diferentes e a mover-se. Todas as formas diferentes que podemos ver na existência seriam formas de Gaia, dessa matéria primordial.

Então temos Eros, o amor primordial. Eros é o construtor do universo, de acordo com Hesíodo. Eros é o grande arquiteto, o Demiurgo. É aquele que diferencia e organiza a matéria e aí começa outra forma de movimento porque a matéria diferenciada começa a atrair-se ou a repelir-se. A partir do momento em que Eros aparece no Universo, todas as coisas começam a se mover por atração ou por distância.

Gaia procria, ela mesma, Úrano, o céu estrelado, e com ele começa a ter filhos. Têm muitos filhos, entre eles, os Titãs, que são 12. Um dos Titãs é o Tempo, porque o tempo vem depois da Vida, que é a matéria em movimento. Aparece Cronos que é um limitador. Cronos é o deus que castra o seu pai Úrano e, a partir daí, ele assume a supremacia. Ele tem que castrá-lo, vê-se forçado a fazê-lo: corta-lhe os órgãos genitais para que a matéria não continue produzindo. Já temos o tempo como limitador, como alguém que interrompe um processo, como alguém que corta.

Cronos assume a supremacia. Úrano, o céu estrelado, é compensado e recebe o dom de profetizar, e daí – talvez – vem que o futuro está escrito nas estrelas, porque Úrano é o céu estrelado. Úrano mostra o seu poder e profetiza, e profetiza a Cronos que será destronado por um dos seus filhos.

Vamos avançando ao longo deste processo. Aparece Zeus que é um dos filhos de Cronos, porque Cronos perante esta profecia de que seria destronado, vai devorando todos os seus filhos. O tempo devora tudo, cria e vai devorando. Cronos devora todos os seus filhos, exceto Zeus, que vem a representar o fator mental. Quando aparece a mente, então, a mente tem poder sobre o tempo. Finalmente, Zeus acaba reinando, é estabelecida a dinastia olímpica na Grécia e Zeus assume a supremacia.

Casamento de Zeus e Hera em um afresco de Pompeia. Creative Commons

Mas a mente que dissemos no início é algo a desenvolver. Zeus tem que combater contra velhas formas, contra os anteriores filhos de Cronos, contra as antigas forças do Cosmos, contra uma série de elementos e impedimentos que lhe vão aparecendo. Zeus está em processo de formação, embora seja muito poderoso e possa modificar o tempo; de facto, como todos sabemos, Zeus derrota Cronos: a mente pode superar o tempo. Por isso dizemos que o futuro pode ser construído, porque a mente pode influenciar o tempo, que faz parte da vida.

A vida em movimento tem uma direção, tem um sentido, que costumamos chamar de «o sentido da vida». Então, no sentido e na direção da vida de cada um de nós, podemos influenciar. Como? Através da mente, e ao longo do tempo. Mas tenhamos em conta o seguinte: a mente é algo a desenvolver. Ainda não está totalmente desenvolvida porque, de outra forma, não necessitaríamos da filosofia. Lembre-se que dissemos no princípio que o filósofo se interroga porque há muitas coisas que desconhece, quer saber porque não sabe, está ciente de que o mistério o rodeia e quer alcançar o que não tem, compreender o que ignora e desconhece. Que a mente não está totalmente desenvolvida é evidente. Se olharmos ao nosso redor, no nosso mundo, neste momento – onde desenvolvemos tantas coisas, tanto potencial, em que avançamos em tantos aspetos da vida – é onde mais milhões de seres humanos morrem de fome e onde mais milhões de seres humanos não têm teto nem casa, nem comida, nem abrigo, nem ajuda. É evidente que a nossa mente está em desenvolvimento porque, se vivemos num mundo dirigido pelo melhor dos seres humanos, não pode ser que nos encontremos na situação em que agora nos encontramos. E é uma situação generalizada, estou falando do mundo em geral.

Sabemos que estamos todos na corrente da vida, mas a Filosofia Natural ensina que em vez de sermos troncos lançados nessa corrente e seremos arrastados por ela, chocando uns com os outros, indo todos juntos à deriva onde quer que a vida nos leve sem que possamos fazer nada, a Filosofia – como dizia – ensina que podemos fazer deste tronco um barco, uma canoa, que o tronco pode ser esculpido, pode ser polido, pode ser dada a forma adequada para que possa navegar.

Isto pode ser feito pela nossa mente! Isto pode ser feito por cada um de nós para que possamos controlar a nossa vida. Porque uma canoa pode ir mesmo contra a corrente, pode navegar no rio da vida, pode ir para onde quiser, não para onde todos vão, não onde as circunstâncias nos levem. Podemos ir onde quisermos, podemos gerir o tempo. Embora sim, tenha que navegar. Não podemos sair da corrente da vida, teremos que navegar.

E chegados aqui vem a outra pergunta, que é a que hoje nos uniu: Como podemos construir o futuro? Anotei cinco elementos. De maneira alguma penso que são os únicos, podem não ser os mais importantes, mas são elementos que ao longo de um percurso filosófico pudemos verificar aqueles que seguem esta forma de entender a filosofia, através dos nossos cursos, dos nossos exercícios, do tempo que dedicamos às nossas reflexões…

Para começar: o tempo passado. Para nos lançarmos para a frente, para construirmos o futuro, para sermos de alguma maneira donos de nós mesmos, devemos ter em conta o próprio passado. O que vamos fazer com o nosso passado? Podemos ignorá-lo? Esquecemos? Negamos porque não é muito bom? O que vamos fazer com o passado para podermos nos lançar para a frente?

Homens da expedição de Francisco de Orellana construindo um pequeno bergantim, o “San Pedro”. Domínio Público

O nosso passado tem que ser sólido. O passado deve ser assimilado, não podemos ignorá-lo ou transformá-lo porque parte da nossa vida foi aí fixada, presa no tempo e não pode ser mudada. Há que aceitar que praticamente é a única coisa que não pode ser mudada; Embora possamos pedir desculpa por algo que dissemos ou fizemos. Podemos pedir perdão, mas o que dissemos ou o que fizemos, dissemos e fizemos está feito. O passado não pode ser mudado. Portanto, devemos assimilá-lo, incorporá-lo nas nossas vidas, e esta é uma mentalidade inteligente. Porque parece que há uma lei na Natureza que diz que todas as etapas pelas quais passamos ficam de alguma forma em nós. Sempre teremos algo de crianças, algo de jovens, algo de adultos.

Carlos Adelantado

Presidente internacional da Nova Acrópole

Publicado na Biblioteca Nueva Acrópolis em 15-12-2022

Imagem de destaque: Laboratório Nacional de Luz, Brasil. Um dos dois aceleradores de partículas da América Latina. Creative Commons