Imaginemos uma grande central elétrica numa cidade, capaz de fornecer energia a qualquer casa, na forma de quilovolts de eletricidade. Essa energia seria equivalente ao conceito de “Prana” dos hindus, ou o “Ki” dos japoneses, ou o “Chi” dos chineses: a energia vital de origem solar que circunda toda a terra. Para usar a energia elétrica, precisamos especializá-la, fazendo-a passar por estruturas inteligentes, convertendo-a em calor, luz ou música. Do mesmo modo, os antigos egípcios tinham (a mesma) uma ideia idêntica: a energia universal era absorvida pelo homem e modificada ao penetrar nas diferentes estruturas, fornecendo energia especializada para a atividade física ou mental. Entre os antigos egípcios, isso era o que se chamava o Ka.

Não é de admirar que às vezes fosse atribuída não apenas aos seres humanos, mas também a objetos inanimados. Por exemplo, uma bateria elétrica contém energia ou Ka de acordo com os termos egípcios. A especialização dessa energia e a sua união com o conceito de “nome” (veja abaixo) deram origem a um Ka não apenas especializado, mas também “personalizado”, com formas características de reação, a ponto de atingir um tipo de matriz ou padrão energético no qual o ser vivo é modelado. Ou seja, o recipiente modela o conteúdo e vice-versa, como no caso de um globo cheio de água. É por isso que o ka aparece nas representações assumindo formas definidas, semelhantes às dos mortos e assim sendo os egiptólogos passaram a chamá-lo “duplo”, isto é, a força vital personalizada.

O seu símbolo hieroglífico expressa claramente as ideias associadas:

a) é signo do dual, do duplo

b) mas também é um recipiente e delimitador:

Por exemplo, a palavra mesk, “pele, couro”, tem no final a imagem do Ka, como um recipiente, e como determinante a pele de uma vaca:

É “Duplo”, porque é um padrão de energia muito semelhante ao do próprio corpo na sua forma, também porque tem a faculdade tanto de alimentar como de conter o corpo: quando o Ka desaparece do corpo, este decompõe-se e morre. Também fornece energia aos elementos superiores, servindo como protetor e veículo de manifestação terrena para eles.

Um templo também pode ter um Ka, uma pirâmide também pode tê-lo e, no caso dos deuses, devido aos seus múltiplos poderes, os Kas podem ser muitos. Até 14 Kas diferentes são atribuídos a Ra: dois para cada nível do septenário:

  1. Ka de subsistência – alimento (Físico)
  2. ka dos ka – poder criador dos alimentos (Energético puro)
  3. Ka da valentia – força (Emocional)
  4. Ka do fresco – prosperidade (Mental concreto)
  5. Ka da consideração – penetração (Mente Superior)
  6. Ka do resplendor – iluminação (intuição)
  7. Ka da venerabilidade – vassalagem (O Divino)

Ra, Tumba de Nefertari. Domínio Público

Há sacerdotes do Ka, e eles são responsáveis por fornecer alimentos e oferendas ao Ka dos defuntos. A mumificação, como já antecipámos, não visa a ressurreição do corpo, mas, de alguma forma, vincular o morto à comunidade. É um assunto de Estado, pelo menos no início da história do Egito. É por isso que as altas qualidades do falecido, os seus serviços ao faraó, os seus méritos, são refletidos nos túmulos, que o fazem ser admirado pela comunidade e levado em consideração como seres superiores, permitindo que ativem as energias do Ka para continuar beneficiando a comunidade.

Para que sejam úteis a si mesmos e à comunidade, o corpo deve primeiro ser mumificado: é uma homenagem ao defunto e, ao mesmo tempo, um reservatório mágico, uma espécie de bateria, na qual a energia personalizada do Ka pode manifestar-se e irradiar a todo o circundante.

Mantido através de ritos e oferendas, constitui ao mesmo tempo um elo entre este mundo e o outro. É a base do culto aos santos na religião cristã. Apesar de as famílias desaparecerem, os recursos do Estado esgotam-se ou são simplesmente esquecidos. Então, o culto ao Ka do falecido cessa enquanto a sua memória entre os homens, exceto nos casos especiais, é mantida ao longo dos séculos. O Ka do falecido desaparece, desvanece-se, rompendo o fio que o ligava ao país e à tumba, o que não significa que se destrua a existência do falecido como Aj ou espírito luminoso e eterno na sua própria esfera.

Baixo-relevo mostrando personificações de vários nomos (províncias egípcias) entregando ofertas. Grande Templo de Abidos. Creative Commons

O mesmo acontece com os edifícios ou templos religiosos de um deus. Eles são abandonados quando os recursos do Estado não podem mantê-los, e então o seu Ka, a sua energia, desaparece, caindo finalmente na ruína e esquecimento, o que não significa a destruição do deus que se mantinha em contato com essa estrutura, mas com a destruição da energia e eficiência daquele templo.

Juan Martín Carpio
Publicado na revista Seraphis a 4 de maio de 2020

Imagem de destaque: A estátua do ka, do faraó Hor, Green copyright.svg