O célebre aforismo grego “Conhece-te a ti mesmo… e conhecerás o Universo e os Deuses” é o alicerce que nos leva a conceber a nossa verdadeira identidade, o que implica a capacidade de recordar experiências essenciais. Deste modo, na sua lógica conta com que as famosas Musas, filhas de Mnemosine, a memória, inspirem o mundo dos seres humanos como a sua mãe faz no mundo dos Seres Divinos. Como teria dito o admirado Platão, nós, seres humanos, também precisamos recordar a nossa origem divina para não nos perdermos neste mundo que nos rodeia.
Hesíodo é quem melhor as descreve e que lhes concede o poder do omniconhecimento. Fá-las indispensáveis para quem quer saber ou fazer algo de real importância. Cantam o passado, presente e futuro para transmitir o conhecimento e abrir uma comunicação entre nós e o mais elevado da Natureza; ou seja, as artes que representam inspiram a estabelecer um elo entre a terra e o céu, entre nós e os deuses.
Tradicionalmente eram nove (“As musas, guardiões da memória”):
CLIO cujo nome significa “Glória”, era a Musa da História, transportando uma trombeta na mão direita e na esquerda um livro. Está associada a um globo como símbolo do planeta e também aos atributos do tempo.
EUTERPE, aquela que “Sabe Como Agradar”, inventou a flauta e presidia à Música. Ao lado dela aparecem outros instrumentos e rolos com escritos musicais. É aquela que especifica quais são as melodias apropriadas para educar as nossas emoções, paixões e desejos e nos leva a plasmar obras de acordo com os bons costumes e valores morais. Assim, a sua principal função é a preservação das tradições morais através de mitos e lendas; aprofundando nos porquês e causas dos factos históricos e que nos ajudam a revelar verdades e a entender melhor a história da humanidade e, portanto, também a nós mesmos.
TÁLIA, significa “Florescer”, regia a Comédia. Aparece como uma donzela de aspecto alegre. Esta arte foi usada para aprender a desdramatizar a existência e para criticar a decadência moral nas cidades. Por outro lado, com bom humor podemos alcançar um ambiente de comédia na nossa vida e podemos provocar em nós, como nos outros, um sorriso sincero perante os nossos erros e dos outros; em suma, rir um pouco de nós mesmos. Também ensina a escondermos, atrás de uma máscara grotesca, os nossos baixos estados de ânimo, como uma maneira de permanecer fortes face às vicissitudes que sofremos na vida.
MELPOMENE, do grego “Cantar”, era a Musa da Tragédia. De aspecto sério e taciturno; numa mão leva um ceptro e uma coroa, e na outra um punhal. Às vezes é seguida pelo “Terror e a Piedade”. A tragédia, tal como a comédia, ensina as paixões dos outros com a finalidade de nos ajudar a conhecer e purificar as nossas próprias paixões.
TERPSICORE, aquela que “Gosta da Dança” dominava esta arte. Aparece como uma jovem alegre, coroada com guirlandas, uma harpa a cujo som vai dançando. Em celebrações e festas, convida-nos a aprender a mover o corpo com ritmo, tomando como modelo os movimentos dos astros.
ERATO, proveniente de Eros “Amor”, presidia à Poesia Lírica e anacreôntica. Representada como uma adolescente brincalhona, coroada com mirtos e rosas, tem uma lira na mão esquerda e algo semelhante a um arco de violino na outra. Indica a importância do Amor com maiúscula, aquele incondicional e sem limites que é uma necessidade humana.
POLIMNIA, nome que se deve ao conjunto de dois conceitos “Grande” e “Canção”. Rege a Oratória. Coroada com flores, ou com pedras e pérolas, com guirlanda, brincos e vestida de branco. Diz-se que com a sua arte, podemos aprender aquela linguagem perdida que os deuses entendiam.
URANIA, do grego Uranos “Céu” protege a Astronomia. Veste um grande traje azul cravejado de estrelas com uma coroa de astros na cabeça e segura com as duas mãos um globo… Para aprender a elevar a nossa alma para o mundo celestial ou metafísico é essencial olhar para as estrelas e as coisas celestiais.
CALÍOPE, a de “Bela Face”, rege a Poesia Épica ou Heróica e a Eloquência. Segura na cabeça uma coroa de ouro que, segundo Hesíodo, faz dela Rainha das Musas. Numa mão leva uma trombeta e na outra um poema épico. Entre os gregos havia o costume de exigir que as crianças aprendessem de memória passagens de várias obras, com a finalidade de que, entre histórias e jogos, fossem imbuídos das atitudes heróicas dos antigos. Este costume seria então facilmente mantido na maturidade e na velhice. Esta prática de cantar a virtude heróica permitia evitar que reinasse a fraqueza do carácter.
Na antiga Grécia, as Musas eram invocadas no início de um poema épico ou de uma história clássica. Ainda hoje, a alusão às musas refere-se a essas questões enigmáticas da inspiração que não podem ser explicadas porque pertencem ao reino da intuição.
No final de uma bela composição de amor, a cantora e compositora Joan M. Serrat disse com natural graça: “hoje as musas passaram por mim, vão de férias”. Provavelmente, Elas não tiram férias, mas são muitas as oportunidades que perdemos devido à nossa falta de ligação com o mágico mundo da inspiração.
O verdadeiro mundo invisível das musas é aquele que pertence aos Arquétipos, com os quais elas, como pontes, nos ligam. Através da interpretação, podemos transmitir a outros seres humanos o poder transformador da autêntica Arte, aquela que está impregnada desse mundo celestial, ou seja, o Bom, o Belo, o Verdadeiro e o Justo. Cabe a nós, independentemente das nossas inclinações – artísticas ou científicas – manter a alma desperta para conceber um vislumbre desse elevado plano de consciência que nos permite conquistar a tão esperada harmonia.
Mirta Lopez
Publicado em RevistAcrópolis, revista digital de filosofia, cultura e voluntariado em Córdoba, Argentina, em 21 de maio de 2022
Links interessantes e bibliografia utilizada
- http://www.nueva-acropolis.com/cultura/319-simbolismo/14400-el-simbolismo-de-las-musas
- https://www.revistaesfinge.com/culturas/mitologia/item/565-64las-nueve-musas
- https://es.wikipedia.org/wiki/Musa
- As Musas, a origem divina da canção e do mito, editam. Eudeba 1981- Bs. As.; Walter Otto
- Notas de Fenomenologia Teológica N.A.
Imagem de destaque: Apolo e as Musas, Museu Borgogna. Creative Commons