Em finais do século XV, o epistema geográfico estava ainda configurado pelo legado ptolemaico. A Geografia de Ptolemeu tinha sido introduzida no Ocidente por volta de 1410, com cinco edições desde 1475 até 1490 (Alegria, 1994). Estava presente nas conceções geopolíticas de D. João II, conforme vem referido por João de Barros, no âmbito da descoberta do reino do Benim, após o regresso da primeira viagem de Diogo Cão, em 1484. O cronista escreve que o rei D. João II, juntamente com os seus cosmógrafos, recorreu a Ptolemeu para obterem toda a descrição de África, a localização do reino de Preste João e também do Promontório Prasso, conhecimentos estes que determinaram o envio de navios e missões por terra, aspirando o descobrimento da Índia (Barros, 1778). De facto, antes de 1460, as informações geográficas disponíveis eram inerentes à geografia ptolemaica, mas quando ocorre o contacto com o mapa de Fra Mauro, uma espécie de inovação cartográfica para a época, a navegação em direção ao Índico ficava mais apetecível para os portugueses. A transição dos conhecimentos ptolemaicos para outras fontes cartográficas posteriores não se faria bruscamente, porque tanto em Portugal como em Castela, as referências a Ptolemeu continuariam ainda visíveis por muito tempo, como é constatado nos argumentos do cosmógrafo espanhol Andrés Garcia de Céspedes, nos princípios do século XVII, uma vez mais sobre a posição das Molucas. Apesar de tudo, convém precisar que a presença da geografia ptolemaica nas orientações geopolíticas de D. João II focalizava-se apenas na sua nomenclatura, porque a lição de Ptolemeu absorveu a experiência dos árabes, através do empreendimento cartográfico de Fra Mauro (Cortesão, 1990b). O mapa de Ptolemeu continha uma imperfeição capital que se foi dissipando com a contínua perceção do espaço Atlântico, pelos portugueses: a Taprobana estava aprisionada no seio do oceano Índico. Foi Fra Mauro, aquele cartógrafo que primeiro ousou sulcar a velha conceção ptolemaica, representando o Índico de mãos dadas com o Atlântico (Gonçalves, 1961). A toponímia ptolemaica tem correspondência com aquela que muito provavelmente Pêro da Covilhã recolheu na sua missão ao Oriente, quando buscava informações sobre as redes comerciais das especiarias mais preciosas, existentes no Índico. Segundo Ptolemeu, o meridiano de 160 graus passa sobre a Aurea Chersonesus onde se localizam Malaca, as ilhas Molucas e Banda, as quais corresponderiam às Insulae Satyrorum, situadas no meridiano de 170 graus, a sul de Sinus Magnus, perto do Equador (Cortesão, 1974). De acordo com a figura 2, a reconstrução do mundo de Cláudio Ptolemeu, à esquerda (Dilke, Harley e Woodward, 1987), mostra a localização da Aurea Chersonesus (latim), que confere com a Chrysé Chersonesus (grego), situada na península da Malásia, de acordo com o pormenor da cópia de Nicolaus de Germanus de 1467, à direita.

Figura 2 – Localização de Aurea Chersonesus

Ainda se identificam outros topónimos ptolemaicos que aparecem frequentemente na documentação coeva portuguesa e espanhola, como são os casos do limite norte da zona habitada no paralelo de Thule (63 graus N), a sul a região de Agesimba e o Promontório Prasso; e em termos de longitude, entre as ilhas Afortunadas, as atuais Canárias no extremo oeste, a região de Sera identificada com a atual cidade de Hanoi e Catigara no extremo leste (Dilke, Harley e Woodward, 1987).

A distância entre Lisboa e Quinsai (atual Hangzhou, na China) era considerada cerca de um terço do perímetro total, ou seja, resultava em 120 graus, que eram divididos em 26 espacios de 250 milhas cada, o que corresponde a 6500 milhas, de acordo com o cosmógrafo Paolo dal Pozzo Toscanelli, uma distância muito inferior àquela que foi avaliada por Cristóvão Colon, entre Lisboa e o cabo da Boa Esperança, num total de 3100 léguas ou 12400 milhas, considerando a légua de quatro milhas romanas (Alegria, 1994). Convém registar que segundo o capítulo V, do Livro Oitavo do De Situ Orbis, de Ptolemeu, mencionado anteriormente na carta de Jaume Ferrer aos Reis Católicos, a distância entre Lisboa e Quinsai seria exatamente 6861 milhas, de acordo com os dados relativos ao grau meridiano, na zona dos trópicos (para o caso, o de Câncer). Os valores evocados nesse documento de Jaume Ferrer são os seguintes: 164672 estádios, a que correspondem 20584 milhas ou 5146 léguas (Thacher, 1903). O valor de 6861 milhas resulta dos seguintes cálculos intermédios: 164672 estádios÷360 grau=457,4 estádios por grau; 457,4 estádios por grau÷8 estádios por milha=57,18 milhas por grau; 57,18 milhas x 360 grau=20584 milhas; 20584 milhas÷4 milhas por légua=5146 léguas. Constata-se assim, uma diferença de 361 milhas entre as fontes de Ptolemeu e de Toscanelli, ambas do conhecimento de Cristóvão Colon, como tudo indica. Apesar deste diferencial, as distâncias em questão competiam favoravelmente com aquela que foi estimada por Colon, entre Lisboa e o Promontório Prasso.

A viagem de Bartolomeu Dias ao Promontório Prasso durou 16 meses e 17 dias, tendo partido de Lisboa em finais de julho ou na primeira quinzena de agosto de 1487 (Barros, 1778). A primeira viagem de Colon durou 62 dias desde Palos de la Frontera, com início a três de agosto de 1492 e chegada a Guanahani a 12 de outubro do mesmo ano, incluindo uma passagem pela ilha Gomera nas Canárias. Na viagem de regresso, saiu do golfo das Flechas a 16 de janeiro de 1493 e chegou a Lisboa a quatro de março de 1493, num total de 48 dias (Navarrete, 1825). A comparação entre estas duas viagens veio reforçar o pensamento geográfico de Cristóvão Colon.

  1. De Tordesilhas a Ciguare: o desencontro final com a Aurea Chersonesus

A exploração de uma rota economicamente alternativa à do cabo da Boa Esperança, pelo Ocidente, apenas produziu efeito, a partir de 1570, na sequência da expedição de Miguel López de Legazpi, com a criação da rede comercial no Pacífico que ligava Acapulco a Manila, conhecida por Galeão de Manila. E, para enquadrar o novo ciclo de explorações no Atlântico, refira-se como eixo primordial, a primeira viagem de Vasco da Gama, a partir da qual se pode formalizar o início do império marítimo português e algumas viagens ao serviço de Castela e de Inglaterra, que se podem contextualizar numa dinâmica competitiva pós-Tordesilhas, sem o recurso explícito ao mar alto do Atlântico Sul. De seguida, identificam-se essas viagens, cujo denominador comum era alcançar Cipango, Cataio, Ofir ou Aurea Chersonesus, navegando na direção do Ocidente. Alerta-se, no entanto, para o facto de algumas delas serem ainda motivo de profundo debate, quanto ao seu verdadeiro alcance geográfico:

– o descobrimento de Giovanni Caboto, em 24 de junho de 1497, ao serviço de Henrique VII de Inglaterra, em busca da Ásia pelo Ocidente, seguindo a mesma ideia de Cristóvão Colon. Esta descoberta, juntamente com a pressão dos armadores de Bristol e a necessidade de provisão de alimento para a população, veio transformar a rota do bacalhau numa questão de Estado, estimulando a Coroa inglesa a cofinanciar mais expedições marítimas; Giovanni Caboto chegara à Terra Nova, assim como o fizeram Gaspar e Miguel Corte-Real e João Fernandes Lavrador, entre 1499 e 1502, ao serviço do rei de Portugal;

– a terceira viagem de Cristóvão Colon, iniciada em 30 de maio de 1498, com destino a novas terras a Ocidente, onde alcançou a ilha de Trinidad e o golfo de Pária, na atual Venezuela;

– a viagem de Amerigo Vespucci, ao serviço de Castela, navegando ao mesmo tempo que Alonso de Hojeda e Juan de la Cosa, a partir de Cádis, iniciada em 18 de maio de 1499, para exploração da costa de Pária. Em carta de 18 de julho de 1500, Amerigo Vespucci sustenta que depois de navegarem cerca de 400 léguas, ao longo da costa de Pária, concluíram que esta era terra firme, dos confins da Ásia da parte do Oriente e o princípio pela parte do Ocidente;

– a viagem de Pedro Alonso Niño e Cristóbal Guerra, em junho de 1499, cuja exploração deu continuidade à que foi realizada por Cristóvão Colon na sua terceira viagem, onde alcançaram a Bocas del Dragón (entre Venezuela e Trinidad e Tobago);

– as viagens de Vicente Yañez Pinzón e de Diego de Lepe, iniciadas respetivamente, em 18 de novembro e 18 de dezembro de 1499, as quais teriam percorrido cerca de 600 léguas entre o cabo de S. Agostinho e o golfo de Pária;

– a exploração de Rodrigo de Bastidas e de Alonso Vélez de Mendoza, que foi objeto de duas novas capitulações assinadas pelos Reis Católicos, em cinco de junho de 1500. Estes documentos referem que o descobrimento das ilhas e terra firme das partes das Índias, que viessem a ocorrer, não incluíam as já descobertas por Cristóvão Colon, Cristóbal Guerra ou por outros navegadores, com mandato dos monarcas e ainda aquelas que eram pertença do rei de Portugal;

– a quarta viagem de Cristóvão Colon, iniciada em 11 de maio de 1502, que explorou a região do istmo de Veragua;

– a viagem de Vicente Yañez Pinzón e de Juan Díaz de Solís em 20 de julho de 1508, para exploração da atual Honduras e região da península do Yucatán no atual México.

Após a descoberta do estreito de Magalhães, que possibilitou viajar até ao Extremo Oriente pelo Poente, manteve-se sempre em aberto a busca da passagem mítica no Atlântico Norte que permitisse alcançar o Cataio e a Índia, sendo de destacar as seguintes viagens, até finais do século XVI: a viagem do português Estêvão Gomes (1483-1538), em 1525, ao serviço de Carlos V de Espanha; as viagens de Martin Frobisher (c. 1535-1594), sendo a primeira em 1576, a segunda em 1577, a terceira em 1578 e a quarta em 1581; e as viagens de John Davis (c. 1550-1605), com a primeira a realizar-se em 1585, a segunda em 1586 e a terceira em 1587. Importa realçar três ordens de razão, no âmbito destas expedições. A primeira, sem dúvida, relacionada com a sondagem de regiões a noroeste da linha de delimitação de Tordesilhas, que intersetava a norte a imensa massa continental conhecida atualmente como América do Sul. A segunda relativa ao regresso de Alonso Hojeda e Vicente Yañez Pinzón em 1501, cujas expedições representaram um ultraje aos privilégios conseguidos por Cristóvão Colon (Aguirre e Varela, 2007). E a terceira está relacionada com a insistência na utilização do topónimo Cataio, cuja nomenclatura deriva das viagens de Marco Polo.

Após a oficialização da descoberta de Pedro Álvares Cabral, constata-se que o complexo processo de afirmação da rota do Cabo estava executado na sua plenitude, apesar de não ter demovido a Coroa de Castela em dar continuidade ao projeto perseguido por Colon. A ideia colonina sobre a configuração asiática da região de Pária foi mantida por todos os navegadores e capitães ao serviço dos monarcas Católicos, nas viagens de 1500-1501, ou seja, nomeiam-se Alonso Hojeda, Juan de la Cosa, Amerigo Vespucci, Yañez Pinzón, Diego de Lepe, entre aqueles que acreditavam que se dirigiam para as costas da Ásia (Fernández-Heredia e Manzano, 1988). Nesta perspetiva, salientam-se ainda, a viagem de reconhecimento de Juan Díaz de Solís, em 1515, ao Rio de la Plata, onde foi morto pelos indígenas e a viagem de circum-navegação de Fernão de Magalhães em 20 de setembro de 1519, concluída ao comando de Juan Sebastian Elcano, em seis de setembro de 1522. Esta última viagem veio clarificar um pouco mais o conhecimento da geografia em torno de um novo e imenso oceano, que no quadro do Tratado de Tordesilhas, viria a fomentar outra contenda luso-castelhana sobre a questão das Molucas.

Na derradeira viagem de Cristóvão Colon existem todos os indícios, de finalmente, a sua conceção geográfica da Ásia, ter sofrido uma transformação significativa. Em carta de sete de julho de 1503 enviada aos Reis Católicos, Colon dava conta da existência das minas de ouro e de outras mercadorias de grande riqueza e valor. Mas sobretudo revela finalmente, a sua noção de ter atingido a massa continental do Novo Mundo e a proximidade a um outro mar separado por um istmo, se tivesse continuado na direção de Veragua, na região de Ciguare (atual Panamá). O navegador comparou esta condição geográfica com Fuenterrabia, no golfo da Biscaia, em relação a Tortosa, na costa do Mediterrâneo e ainda com Pisa, no mar da Ligúria, em relação a Veneza, no mar Adriático, conforme se ilustra mais amplamente, através da Figura 3 (adaptada a partir de John Boyd Thacher, 1903). Segundo informações recolhidas por Cristóvão Colon, se se evoluísse nove dias ao longo deste istmo, alcançar-se-ia outro mar e, navegando mais dez dias, atingiria a vizinhança do Ganges na Índia ou as proximidades da China, confirmando afinal, que o almirante poderia já não acreditar que tinha alcançado a costa da China de Marco Polo, de Ptolemeu ou de Pompónio Mela (Thacher, 1903). Independentemente das suas conceções geográficas e da sua especulação quanto à longitude, a sua última viagem confirma ter atingido um extenso continente, através de informações fornecidas pelos indígenas e a constatação da existência de um imenso oceano, entre as costas de Ciguare e as de Cataio e Cipango.

Figura 3 – O istmo de Ciguare: a perceção imperfeita do oceano Pacífico

Confrontado com esta certeza de estar perante um istmo, provavelmente que o seu ímpeto persistente em perseguir o tão desejado estreito tenha arrefecido, não perdendo de vista a sua obsessão de buscar o ouro de Aurea Chersonesus. A sua esquadra passaria o Natal e o Ano Novo ancorada numa enseada com entrada para um canal chamado Huiva, donde pouco mais de quatro séculos, viria a ser construído o canal do Panamá, sem provavelmente imaginar, que teve nas suas mãos, o passe para o oceano que viria a chamar-se Pacífico (Morison, 1962).

A derradeira viagem de Cristóvão Colon perscrutava inquietamente uma passagem para o longínquo Oriente das especiarias, através da intrincada rede de ilhas, baías, estreitos, golfos e da massa continental do Atlântico Centro-Ocidental. A sua última missão foi um fracasso porque o tão almejado estreito que daria acesso à região das especiarias não tinha aparecido nessas costas do Novo Mundo e deste modo, o principal objetivo da sua quarta viagem revelou-se completamente malogrado. Na carta que enviou ao Papa Alexandre VI, em fevereiro de 1502, referiu que quando iniciou a empresa de descoberta das Índias estabeleceu como objetivo participar pessoalmente a Sua Santidade. Relevou que ao tempo nasceu uma contenda entre o rei de Portugal, D. João II e os Reis Católicos, porque aquele monarca também pretendia obter proveito da empresa ao Novo Mundo. Nesta missiva enviada ao Papa Alexandre VI, Colon expressa inequivocamente, que tudo o que se ganhasse dela, seria para investir na recuperação da Casa Santa, evocando a mensagem enviada aos Reis Católicos no momento em que avistou terra, na qual lhes transmitiu o seu intento de financiar esse projeto:

(…) Esta empresa se tomó com fin de gastar lo que della se hobiese en presidio de la Santa Casa á la Santa Iglesia. Despues que fui en ella, y visto la tierra, escrebi al Rey y á la Reina mis Señores que dende á siete años yo le pagaría cincuenta mil de pie y cinco mil de caballo en la conquista della y dende á cinco años otros cincuenta mil á pie e otros cinco mil á caballo que serian diez mil de caballo ó cien mil de pie para esto; nuestro Señor muy bien amostró que yo cumpliría por experiencia amostrar que podía dar este año á SS. AA. Ciento y veinte quintales de oro y certeza que seria ansi de otro tanto al término de los otros cinco años. Satanás ha destorbado todo esto y con sus fuerzas ha puesto esto en término que non haya efecto ni el ni el otro si nuestro Señor no lo ataja. La gobernación de todo esto me habían dado perpetua, ahora con furor fui sacado de ella: por muy cierto se ve que fue malícia del enemigo, y porque non venga á luz tan santo propósito. (Navarrete, 1859)

Declarou ainda que graças a Nosso Senhor, poderia oferecer a Suas Altezas 240 quintais de ouro nesse prazo de 12 anos. Em outra carta dirigida à cristianíssima rainha Isabel, escrita na segunda metade de 1501, o almirante ainda dava por salvo este projeto, suplicando-lhe insistentemente que não menosprezasse o assunto de Jerusalém (Mateo, 1942). Cristóvão Colon veio reconhecer na carta dirigida a Alexandre VI, que afinal, Satanás disturbou todo este plano e com todas as forças deu por terminado este projeto. O seu estado psicológico ficaria ainda mais abalado com a morte da rainha Isabel em finais de 1504, poucos dias após o seu regresso da quarta viagem. As minas auríferas de Veragua, a Ofir sagrada ou a Aurea Chersonesus, não trouxeram o tão desejado fulgor material anunciado profeticamente, com vista à recuperação da Casa Santa de Jerusalém. Restava ao Almirante Cristóvão Colon, nestes últimos tempos da sua vida, fixar-se no sonho das profecias, consciente das diferenças entre a Índia alcançada por Vasco da Gama e as suas Índias paradisíacas.

Os Reis Católicos, Fernando II de Aragão e Isabel I de Castela. Domínio Público

Os Reis Católicos tinham confiado a Cristóvão Colon a descoberta das Índias e da extremidade do Oriente, da China de Marco Polo, a qual não deve ser dissociada da missão levada a cabo em 1515, pelo primo português de Colon, Rafael Perestrelo, que saindo de Malaca, desembarcava em Cantão e regressava a Lisboa em 1518, concluindo o ciclo da viagem marítima entre Portugal e a China (Gruzinski, 2015). A conclusão desta viagem de Rafael Perestrelo ocorreu no ano anterior à partida de Fernão de Magalhães para aquela que viria finalmente encontrar o Extremo Oriente, navegando de Castela para Poente.

  1. Conclusões

No despertar do século XVI, ainda não era possível cartografar todas as latitudes e longitudes do mundo. Esse desconhecimento conduziu a debates intensos, sobre o caminho mais curto ou a melhor rota para alcançar os territórios promissores do Extremo Oriente, navegando nas direções longitudinal ou latitudinal do Atlântico. O tema não era consensual, porque uns argumentavam a favor da navegação ao longo da costa de África, enquanto outros defendiam as viagens na direção do Ocidente. O desconhecimento geográfico da existência do imenso oceano Pacífico conduziu o navegador Cristóvão Colon, a dispersar quanto à localização de Aurea Chersonesus relativamente a Ofir, a Cipango, à Hispaniola e a Veragua, insistindo em buscar essas minas auríferas, contornando pelo Ocidente. Neste enquadramento, pode-se especular sobre as razões que fundamentaram a planificação do projeto das Índias Ocidentais de Cristóvão Colon, porém, são determinantes e complementares, os seguintes argumentos: o mapa de Henricus Martellus (1489) e o conhecimento da viagem de Bartolomeu Dias, proveniente do Promontório Prasso, que passou a chamar-se de Boa Esperança. A duração de 62 dias, da sua primeira viagem ao novo Mundo, comparativamente com a de Bartolomeu Dias, pouco mais de 16 meses, dar-lhe-ia ainda mais convicção para prosseguir em busca de Aurea Chersonesus, pelo Ocidente.

Outros dois aspetos muito relevantes dizem respeito à aferição do valor do grau do meridiano terrestre e a conversão entre a milha e a légua, para efeitos da navegação. Por um lado, ficou provado que Colon tinha uma conceção muito particular da dimensão da Terra, constituindo o modelo de menor grandeza para a época. Considerou o valor de 14,17 léguas por grau meridiano equinocial, cujo erro por defeito era de 25%. Este valor é concordante com a sua visão proporcional do mundo, descrita no Livro apócrifo de Esdras e citada na carta dirigida aos Reis Católicos, conhecida por Lettera Raríssima: «o mundo é pequeno, ao contrário do que era comum afirmar-se, sendo a sua componente sólida de seis partes e a líquida apenas uma». A disparidade de valores da medida do grau meridiano mostra que a única certeza existente, reporta-se à esfericidade da Terra, demonstrando que o conhecimento das suas dimensões era claramente indefinido. A par desta constatação ficou também demonstrado que o navegador converteu a légua em quatro milhas romanas ou italianas, ou seja, usava a antiga légua portuguesa de 5920 m.

O almirante do Mar Oceano, nunca se encontrou com as minas auríferas de Aurea Chersonesus, como se documenta por sua própria mão, em carta de fevereiro de 1502, dirigida ao Papa Alexandre VI. Apesar das quatro viagens de Cristóvão Colon, na tentativa de encontrar uma passagem para o outro imenso oceano, na região de Ciguare, o interesse manteve-se, muito após a sua morte. Mas sobretudo, a sua persistência, revela finalmente, que atingiu uma enorme massa continental do Novo Mundo e a proximidade a um outro mar separado por um istmo, na direção de Veragua. Mesmo depois da descoberta do estreito de Magalhães, a busca da passagem mítica no Atlântico Norte para alcançar o Cataio e a Índia, foi perseguida pelos reinos de Espanha e de Inglaterra. Neste particular destacam-se as viagens do português Estêvão Gomes, em 1525, ao serviço de Carlos V de Espanha e as viagens de Martin Frobisher e de John Davis, realizadas até finais do século XVI.

A busca perseverante das minas auríferas de Aurea Chersonesus evocada por Flávio Josefo, no livro conhecido por «Antiguidades dos Judeus», consolidou o ambicioso projeto de Cristóvão Colon, convicto na compatibilidade entre a geografia e a profecia bíblica, materializada na imagem dos navios carregados de ouro ao serviço do rei Salomão. A profecia não se cumpriu e, Cristóvão Colon rendeu-se aos intentos de Satanás, manifestando ao Papa Alexandre VI, a sua resignação e incapacidade para contribuir na recuperação da Casa Santa de Jerusalém.

Carlos Manuel da Silva Paiva Neves

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Imagem de destaque: O mapa-múndi da Urb. Gr. 82, feito de acordo com a 1ª projeção de Ptolomeu c. 1300. O Oceano Índico é representado como uma bacia fechada. A Aurea Chersonesus é a península no extremo leste, pouco antes do Grande Golfo. Domínio Público