É muito agradável receber conselhos da Mãe Terra nesta celebração, pois não há nada mais maravilhoso do que estabelecer um diálogo com esta Mãe que nos protege e nos alberga a todos.

Dar conselhos é algo muito fácil. Naturalmente, damos conselhos todos os dias àqueles que temos à nossa frente, seja com boa vontade ou porque acreditamos que sabemos tudo, damos a nossa opinião a todos.

Insisto que dar conselhos é fácil, mas é muito mais difícil ouvir conselhos, porque cada um tem a sua própria dose de vaidade, e está convencido de que sabe quase tudo, que está à margem da ignorância, e que nada nos podem dizer que não saibamos já.

Mas este é um caso muito especial: queremos ouvir os conselhos da Terra, e estes não podem ser ouvidos de qualquer maneira, mas devemos pôr em jogo alguns sentidos internos, uns sentidos muito especiais, que normalmente não usamos. Não é muito fácil ouvir a voz da Terra, o que ela nos diz através dos seus movimentos, através das suas acções e das suas reacções. Há algo na Terra que inclui linguagem implícita, e deve ser importante, porque se não fosse assim este dia não lhe teria sido especialmente dedicado. O que significa que ainda temos muito a aprender com o nosso próprio planeta.

Desde sempre, os seres humanos foram muito atraídos pelos fenómenos do Universo em geral, e especialmente por aqueles relativos ao mundo em que vivemos.

Muitos sábios da antiguidade e do presente têm em conta a precisão matemática que manifesta a Terra nas suas expressões de todo o tipo. E mesmo quando essa precisão é minimamente alterada, ainda a consideramos como parte da sua precisão. Além de toda a crença religiosa, há aqueles que reflectiram essa precisão nas leis matemáticas, e outros que a expressaram em motivos filosóficos.

Quero referir-me de uma forma muito especial aos elementos filosóficos que dizem respeito à Terra, à sua vida, aos seus movimentos, à sua precisão. Lembrar que essas leis filosóficas ou expressas de maneira filosófica vêm do Antigo Egipto, depois passaram pela sabedoria da Grécia e de muitas outras civilizações, até chegarem ao momento presente, constituindo um dos muitos tesouros da sabedoria aos quais podemos sempre recorrer.

Mais palavras, menos palavras, vou mencionar essas leis de uma maneira geral e depois falarei individualmente sobre cada uma delas.

Estas são as leis de Unidade, de Iluminação, de Organização, de Causalidade, de Vitalidade e de Periodicidade

Começo com a Lei da Unidade. É uma lei que encontramos em todos os textos antigos e que se refere a uma condição essencial: a Terra é Una. Na Terra apreciamos uma unidade, apesar das divisões que estabelecemos sobre ela. Por que é una? Porque é um ser vivo e, portanto, constitui um organismo. Um organismo, naturalmente, pode ser constituído por partes, mas funciona como uma unidade, e desta lei o que importa para nós é isto mesmo, que a Terra é uma e que está viva.

A Deusa Hathor, representada como uma vaca, reflete a unidade do universo, templo em Deir el-Bahari, Rémih. Creative Commons

Com esse mesmo critério, todos os seres que habitam a Terra, seja desde os minerais, aos vegetais, animais e humanos, fazem parte dessa unidade, simplesmente porque a Terra é o nosso lar, o nosso receptáculo.

Acredito sinceramente que manter a unidade da Terra, e de todos os que nela vivemos é uma responsabilidade que recai sobre os humanos em nome da sua inteligência. Isto é difícil de pedir aos minerais, embora talvez eles o façam à sua maneira.  É difícil pedir a vegetais e animais, embora também o possam fazer à sua maneira. Mas para os seres humanos, é uma responsabilidade real.

Contudo, o que fazemos ou não para alcançar a Unidade? A Unidade, do ponto de vista humano, não significa juntar as pessoas apenas porque podemos partilhar uma opinião, uma crença, ou que possamos juntar-nos num congresso, numa assembleia, numa manifestação. Isso, na realidade, é agrupar as pessoas, mas não significa que haja Unidade.

Estamos realmente unidos? E estamos unidos com o nosso planeta? Ou preferimos fazer prevalecer os nossos interesses? E, no caso como o de agora, em que dedicamos à Terra um dia inteiro… – que pena, um dia! Se existem tantos no ano – num caso como este, quanto tempo duram as nossas uniões com a Terra? Muito pouco tempo, duram até que apareçam outras prioridades.

Vamos ter em mente, e insisto, que não é o mesmo juntar as pessoas, do que trabalhar pela Unidade das pessoas, porque de acordo com essa lei de Unidade devemos basear-nos em elementos essenciais e não superficiais. Os ajuntamentos, em geral, são superficiais. E a Unidade é essencial. E algo mais importante, que deveríamos perguntar-nos continuamente: há Unidade dentro de nós mesmos? ou também no nosso interior há partes que não sabemos ou que são irreconciliáveis entre elas?

Estas são algumas coisas que posso dizer sobre a Lei da Unidade, e que considero que faz parte das nossas próprias reflexões. No Dia da Terra devemos-lhe um tributo de Unidade.

Continuo com a Lei da Iluminação. De acordo com essa lei, deveríamos ver todos os acontecimentos relacionados com a Terra e as causas destes acontecimentos com maior clareza. Sublinho que não uso a palavra “iluminação” como uma estranha iniciação, que de repente abre os nossos olhos para verdades aparentemente ocultas. Não, estou empregando a palavra “iluminação” como “inteligência”; é uma inteligência indispensável para compreender o ser do planeta, sua vida, suas acções, suas reacções, tudo isto nos permitirá apoiar as suas leis, ao invés de as contrariar continuamente, que parece ser o que mais gostamos.

Há um pormenor que deveríamos ter em conta: a Terra gira sobre si mesma e há sempre uma parte dela que é iluminada pelo sol, e por isso deveríamos aprender a agir, aprender que as penumbras são relativas. A luz deve dissipar as sombras, independentemente das horas do dia, independentemente da rotação da Terra. Temos que aprender a remover a escuridão que há ao nosso redor, e talvez, por que não, dentro de nós mesmos.

Paisagem do inverno. Domínio Público

A iluminação é permitir que o Sol, seja qual for a hora do dia, nos ofereça brilho, a todos ao nosso redor, e à Terra.

Depois da iluminação, passo para outra lei, que não é fácil de explicar, que é a Lei da Diferenciação. Esse conceito pode ser entendido de diferentes formas, e algumas não totalmente correctas. Diferenciar não significa estabelecer diferenças, mas reconhecer uma coisa da outra, diferenciar uma coisa da outra. Não devemos separar, devemos reconhecer, e uma vez que reconhecemos, como sabemos o que é cada coisa ou o que é cada pessoa ou o que é cada ser, o nosso dever é interligá-los.

O mesmo podemos dizer dos seres que nos rodeiam, tanto como da Terra. Cada região, cada porção, cada continente, cada rio, cada mar tem as suas próprias características que os diferenciam, mas também podem ser conjugados. Este é o nosso dever para com a Terra; se a Terra é Una, mesmo que reconheçamos as suas diferentes partes, o importante é uni-las e não as separar.

Essa possibilidade de diferenciar e unir ao mesmo tempo é o que chamamos de discernimento ou, com palavras mais simples, bom senso, sensatez. Em suma, de acordo com as três leis que já mencionámos, referimo-nos a uma Terra Una, sabiamente iluminada e eficazmente relacionada.

É muito importante utilizar a força das semelhanças, e aproveitar também os espaços que estabelecem as diferenças. As forças das semelhanças: quantas vezes não dissemos, essa paisagem me lembra aquela outra, que já vi numa ocasião noutro país! Porque é que às vezes fazemos associações entre uma cidade e outra na Terra; entre um país e outro na Terra? Porque há semelhanças, e essas semelhanças têm uma grande força; são semelhanças de fraternidade. Mas também há diferenças, há espaços. Diferenças não são coisas absolutamente distintas umas das outras, são espaços, todos nós precisamos de espaço para poder respirar.

Poderíamos perguntar-nos se os espaços são destrutivos, se essas diferenças a que chamamos de espaços podem prejudicar a Terra e as pessoas, e afirmamos que não. Numa estrutura como a Terra, e mesmo numa estrutura como a dos seres humanos, deve haver paredes, tectos, colunas, mas é essencial que haja espaços para viver e viver juntos. Se não houvesse espaços, o que seria de nós?

Cadeia, Jarda Šma. Pixabay

Vejamos o mesmo exemplo para os elos duma corrente. Quem nunca usou uma corrente ou não viu uma corrente? É um exemplo muito simples, e é muito agradável ver como um elo está relacionado com o outro elo. Há um ponto de semelhança, de união e de força, e há um espaço no meio do elo; se não houvesse um espaço em todos os elos, não poderíamos construir uma corrente. Onde está a força? Na união. Onde está a vida? No espaço para respirar.

Uma nova lei é a Lei da Organização. É evidente que a organização interna da Terra não pode ser alterada, ela rege-se pelos seus próprios ciclos de vida, e pelos seus próprios estilos de vida.

Vê-se que quando a Terra reage de forma especial, os humanos, mais ou menos afectados, geralmente chamamos catástrofes a estas reacções, e nunca nos ocorreu pensar que essas reacções podem obedecer ao estilo de vida do planeta. Não podemos mudar isso; parece que podemos fazê-lo, mas não é muito fácil.

Os humanos intervêm noutro tipo de organização. Intervimos na crosta visível da Terra, intervimos nas águas, e traçamos limites que variam de ano para ano, e pelos quais nos envolvemos em lutas terríveis.

Realmente, se estamos interessados na História e vimos quantas vezes mudaram as fronteiras geográficas e distribuições marítimas, perceberíamos que não fazemos nada além de marcar cicatrizes na crosta terrestre. Ela é Una com as suas paisagens e com as suas características, mas nós organizamo-la de acordo com a nossa conveniência.

O que fazemos com a Terra não é organizá-la. Estas diferenças geopolíticas, que nos prejudicam tanto, não organizam a Terra. Uma vez li uma definição que ficou gravada na minha memória e que diz, mais ou menos, que em cada organização, em cada organismo, os componentes devem ser conjugados harmoniosamente com ritmo, e que todos os componentes devem apoiar-se uns nos outros.

Sequóia no Parque Estatal de Jedediah Smith Redwood, Estados Unidos. Domínio Público

Humanamente falando, se não há apoio entre uns e outros, se não há uma conjugação rítmica entre uns e outros, a organização não funciona.‎

Não é o momento de usar exemplos que nos dias actuais nos magoam. Não é necessário usar nomes próprios, mas percebemos que falta uma conjugação rítmica entre os seres humanos, e por isso não há organização.‎

Não nos apoiamos uns aos outros, ou se nos apoiamos em momentos de emergência, esse apoio desaparece assim que desaparece a emergência. Na verdade, o que fazemos é empurrar-nos uns aos outros: “Deixa-me este pedaço de terra que é meu; deixa-me este rio que é meu; deixa-me esta parte do mar, que é minha” … E assim, vamo-nos empurrando em vez de nos apoiarmos. E assim quebramos todo o equilíbrio, toda a harmonia.‎

‎Por outro lado, uma organização – se é que queremos organizar a Terra e os seres humanos que nela vivem – não pode ser rígida, tem que ser elástica; é como um edifício antissísmico. Se construirmos um edifício demasiado rígido, qualquer movimento causa em qualquer ponto fraco uma ruptura e todo o edifício se desmorona. Isso é o que acontece connosco em relação à Terra: estamos a gerar muitos pontos fracos. É o que acontece connosco sobre a humanidade: estamos a criar demasiados pontos fracos. Qualquer impacto quebra o equilíbrio, quebra a harmonia. Se, por pelo contrário, nos apoiamos uns aos outros, mantêm-se e harmonizam-se as individualidades, mas se nos empurrarmos uns aos outros, rompe-se o equilíbrio e podemos chegar à agressão, porque empurramos tanto que chega um momento em que já não há mais uma corrente, mas um nó.

O que era tão bonito quando vimos um elo após o outro, não é nada mais do que um monte de elos emaranhados, difíceis de desfazer.‎

Passo à Lei da Causalidade‎‎. Esta lei diz-nos que todos os seres reagem de acordo com causas e efeitos, que são o que movem o nosso Karma. E eu uso esta palavra, Karma, assumindo que todos sabem o que é, já que se utiliza tanto ultimamente em todos os níveis.‎

O que é que isto significa? Que toda a vida é concebida de acordo com causas e efeitos. Uma causa produz um efeito; este efeito, por sua vez, torna-se uma causa, que continuará a produzir os seus próprios efeitos, e continuamos com o exemplo da cadeia.‎

É evidente que esta lei de causa e efeito existe em todo o universo, embora não a possamos observar na totalidade, porque por muitas naves espaciais que enviemos para um lugar e outro, não somos capazes de verificar de forma confiável o que está a acontecer num ou noutro canto, mas podemos vê-lo nas reacções da Terra, estas a que, como disse antes, geralmente chamamos de “catástrofes”.‎

Uma catástrofe é uma reacção e o que devemos perguntar é quais foram as causas que provocaram tais efeitos, tais reacções. Vemos a catástrofe, nunca pensamos na causa. Além dos movimentos da Terra, é evidente que entre todos os seres humanos fazemos muitos danos ao planeta. Convencidos de que a primeira coisa é o nosso benefício, e que as consequências já serão corrigidas ou não – mas como o “ou não” corresponde ao futuro e não a si mesmo – deixamos essa pesada carga para aqueles que virão depois.‎

Inundação de Nova Orleans, Estados Unidos, causada pelo furacão Katrina. Domínio Público

Cabe-nos dedicar algumas palavras à ‎‎Lei da Vitalidade‎‎. Esta maravilhosa lei aponta que todas as partes do universo estão vivas e em evolução constante. É claro que, para entender essa lei, temos que aceitar de antemão que não apenas os animais, os vegetais e os humanos são os únicos que estão vivos; tudo no universo está vivo. E está vivo, não porque sim, mas porque segue um caminho de evolução constante. Marcha constantemente para a frente.‎

A Terra está viva e segue o seu próprio curso evolutivo, mesmo que não seja o mesmo que o dos humanos, mesmo que não seja o que os humanos gostariam que fosse. Porque gostaríamos que a Terra evoluísse de tal forma que sempre fosse prática e útil para nós, mas a Terra tem o seu próprio modo de vida e devemos aprender a respeitá-la.‎

A Terra está viva e a sua vitalidade é flexível. Se a vitalidade da Terra fosse rígida, nem ela poderia evoluir; nem os seres humanos poderiam evoluir se fossem submetidos a um sistema rígido. Um sistema rígido impede o crescimento. Embora imponhamos à Terra os nossos critérios e exigências, bastante rígidos, a propósito.‎

Insisto que, infelizmente, não nos interessa tanto a evolução da Terra como a sua utilidade prática para nós. Isto revela uma grande dose de egoísmo que deve ser remediado o mais rápido possível.

Devemos considerar a Mãe Terra como mais um irmão. O que digo? Um irmão? Uma Mãe! Estamos a chamá-la de Mãe Terra.‎

E não podemos ser egoístas com a Mãe que nos fornece todos os elementos para a vida. Para a vida de todos os que estamos a habitar nela e com ela.‎

O Cerrado é o segundo maior bioma da América do Sul. Domínio Público

E algumas palavras sobre a última lei, que eu chamei ‎‎de Periodicidade‎‎.‎

Quero dizer, períodos, períodos no tempo que fazem que no mundo tudo desapareça aparentemente, para voltar a reaparecer. Esse princípio ou esta lei aponta-nos que a vida se rege por períodos ou por ciclos, como uma espiral. Imaginemos uma espiral que ascende de forma inclinada, subindo progressivamente, e à medida que ascende aproxima-se cada vez mais do seu eixo central.‎

Quando falamos de uma espiral, se apenas a imaginássemos num plano horizontal, a vida seria repetitiva; mais do que espiral, seria um círculo, que acabaríamos cavando a tal ponto que nos afundaríamos dentro dele. Mas não, é uma espiral que sobe, ascende. Há momentos em que parece que estamos mais acima, e há momentos em que parece que estamos a descer, mas descemos para ganhar impulso e voltar a subir.‎

É o mesmo acontece com a Terra. Esta tem os seus ciclos periódicos como uma espiral, que apresenta momentos de evidente ascensão e evolução, e momentos que nos parecem ser de descida ou de diminuição.‎

Espiral, Joe. Pixabay

Essa lei de períodos ou ciclos inclui também um conceito extraordinário, que é ‎‎a capacidade de resistência‎‎, porque a natureza demonstra uma grande integridade face aos aparentes desastres, e recria o que parecia definitivamente destruído.‎

Parece-nos pouco tudo o que temos feito com a Terra? E ainda assim, ela responde em cada Primavera, em cada Verão, ressurgindo. Tem uma enorme capacidade de resistência. E eu diria que tem uma enorme capacidade de resistência aos humanos. Isto torna-a mais merecedora do nosso respeito. E o que deveríamos fazer é ajudá-la na sua resistência e na sua reconstrução, e tomar o exemplo de sabedoria que nos proporciona. Ela não se deixa cair, não se deixa morrer; ressuscita todos os dias.‎

‎Com estas leis simples, que mencionei brevemente, tentei ouvir as vozes da Terra, os conselhos da Terra. Descobri que é muito bonito dialogar com a Terra, que é muito bonito compreender as leis que a sustentam e lhe dão vida. Mas este é um diálogo que só podemos fazer sozinhos. Sozinhos, entre nós e a Mãe Terra.‎

Uma saudável generosidade em relação ao nosso planeta tornar-nos-á melhores, mais fortes e mais aptos para enfrentar todos os ciclos que estão para vir, sabendo que nós também fazemos parte deles.‎

Nunca falemos sobre a Terra “e” nós, como se fossemos coisas separadas. Falemos sobre a Terra “connosco”. E aprenderemos que, juntos, estabeleceremos as mais maravilhosas conversas e aprenderemos a receber os mais extraordinários conselhos.‎

Tenhamos todos um feliz dia da Mãe Terra, e por que não, um feliz ano, e anos, da Mãe Terra.‎

Delia Steinberg Guzmán
Publicado na Biblioteca Nueva Acrópolis, em 2 de Maio de 2022

Imagem de destaque: Parque Nacional Biogradska Gora, Montenegro. Domínio Público