Quando os cientistas tentam explicar o porquê das variações climáticas que periodicamente se produzem no nosso planeta, fazem referência à inclinação do eixo da Terra em relação ao plano que descreve à volta do sol. Isto, somado ao facto de haver momentos de maior ou menor proximidade ao Sol, faz com que haja diferentes mudanças ao longo de um ano, que agrupamos em quatro e que, tradicionalmente, denominamos estações.

Contudo, quando se joga com Maya, não basta ver um fenómeno; Maya nunca faz as coisas porque sim. O interessante é saber a que se propôs Maya no dia em que mudou a inclinação do eixo da Terra.

Dizem velhas tradições que encontramos em todas as altas civilizações, que houve épocas pretéritas em que o eixo terrestre não estava inclinado, mas que se encontrava perfeitamente vertical. Então havia uma faixa central sobre a terra que, pelas suas condições climáticas, poderia muito bem ter sido o que costumamos descrever como um paraíso: uma eterna primavera, uma constante e agradável temperatura, dias iguais às noites, e uma enorme facilidade para semear e colher sem quase esforço algum.

Provavelmente na altura, os homens também eram diferentes do que são agora. As mesmas tradições nos falam de um homem ingénuo, simples, nem muito inteligente nem muito racional, carente de grandes experiências e da astúcia que é consequência dessas experiências. A este homem só lhe importava sobreviver, e só se inclinava reverentemente perante a imensidade da Natureza, que lhe deixava intuir a Deus.

O paraíso segundo Bruegel. Domínio Público

Mas as coisas mudaram.

Um belo dia, após a catástrofe que se seguiu – que também registam as velhas tradições – tudo mudou sobre a face do planeta, e os polos apontaram um novo rumo. Tinha acabado o paraíso terrestre. Começava a época do sofrimento, do trabalho, da lenta e dolorosa aquisição de consciência por parte dos homens.

Assim nasceram as estações, com as suas cíclicas renovações. Assim se encontrou o frio e o calor, a luz e a escuridão, a chuva e a secura, os ventos e a calmaria… Assim foi como o homem teve de lutar duramente para fazer render esta nova terra, e teve que observar pacientemente a Natureza para aprender qual era o momento propício para empreender o seu trabalho e colher os frutos. Assim foi como teve de procurar abrigo e lugar onde viver, pois havia noites longas e geladas, e dias de sol abrasador. Assim começaram as longuíssimas emigrações, correndo atrás do sonho de um lugar melhor onde assentar…

A Terra, essa mãe magna que tão bem sustenta tão diversas formas de vida, mais uma vez trouxe a sua própria mudança e sacrifício para oferecer uma nova lição.

O homem que veio depois da mudança já não foi inocentemente ignorante como o de antes. Neste homem tinha despertado uma centelha de consciência, e para que essa centelha se desenvolvesse saudavelmente, deveria superar com eficiência uma longa série de provas.

O trabalho, valorizar a própria existência, sentir a utilidade dos dias da vida, constituíram uma das provas.

E talvez a mais importante foi a de experimentar em si mesmo e em toda a Natureza circundante, o ritmo do tempo evoluindo na ronda dos ciclos.

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Se tivéssemos que aplicar uma característica ao devir das estações do ano para defini-las melhor, falaríamos de um ciclo que se repete anualmente. A ninguém chama a atenção que as estações se sucedem segundo um ritmo estabelecido, e sempre com a mesma ordem: primavera, verão, outono, inverno. Pelo contrário, chamaria a atenção se isto não sucedesse assim.

A Primavera é o nascimento da vida sobre a terra. É o momento em que tudo floresce e se abre aos benéficos raios do sol. É o despertar, o fôlego quente que começa a manifestar-se.

O Verão é a plenitude da vida. O que se havia insinuado na Primavera é agora uma total realidade. É o momento do fruto maduro.

O Verão, François Louis Lanfant de Metz. Domínio Público

No Outono, a vida começa a declinar suavemente; as folhas perdem o seu brilho e já não podem manter-se fixas aos ramos; as flores e os frutos deixam de existir. O dourado substitui o verde.

E o Inverno é a morte da Natureza. Agora tudo dorme e repousa, embora a vida continue latente na profundidade das raízes. É o momento de descanso, mas não de um descanso definitivo. Uma nova Primavera espreitará após o Inverno, e o que dormia, abrirá os seus olhos outra vez à vida.

Mas estes ciclos que tão facilmente aceitamos na Natureza, são extremamente difíceis de aplicar aos homens. O jogo de Maya pretende fazer sentir aos humanos como uma criação especial dentro do conjunto, como algo que não precisa de obedecer às mesmas leis que regem a totalidade. E estes homens especiais, desobedientes, ficam consciencialmente fora do sistema. Vivem as estações externamente, mas não podem senti-las em si mesmos. Não chegaram a conceber que as nossas próprias vidas estão sujeitas a um ciclo muito semelhante ao das estações.

Também o homem nasce, desenvolve-se, alcança a plenitude, decai e morre. Mas a sua cegueira impede-o de reconhecer que a sua morte não é definitiva, tal como não o é nenhuma forma de descanso na natureza. Não se apercebe que ele também renascerá com a mesma simplicidade com que o fazem as árvores, uma vez chegado o momento. Não pode pretender renascer com o mesmo corpo, nem a árvore exige as mesmas folhas do verão passado. Novas folhas, novos corpos: as mesmas raízes, a mesma alma.

Alma levada ao céu por dois anjos. Domínio Público

Os ciclos de tempo giram circularmente, acrescentando experiências que aproximam a rotação ao centro do círculo. Giram incansavelmente as estações; e o homem gira inconscientemente, acompanhando com dor o jogo de Maya da sua própria morte, até que alcance a consciência da sua imortalidade.

Delia Steinberg Guzmán

Extraído do livro Os Jogos de Maya. Editorial Nova Acrópole

Imagem de destaque: Um carvalho em uma pastagem na Alemanha. Cada fotografia foi obtida em uma estação diferente. Creative Commons