Também nelas há vida e um maravilhoso princípio de inteligência. E também Maya joga com elas, já que precisa fazer durar e multiplicar as formas deste reino do verde.

Assim como as pedras, as plantas são filhas da terra e do céu; em busca do mistério da terra, afundam-se nas raízes, e bebendo as influências estelares, surgem os ramos, as flores e os frutos.

Nas plantas, começam a equilibrar-se as duas forças: a da resistência e a do crescimento em expansão. Elas crescem e abrem-se ao sol, mas através do outro dos seus extremos permanecem fixas à terra mãe, em ato de autêntica resistência. Através da resistência das raízes resistem aos ventos e tempestades; sem folhas dormem no inverno, e cobertas de folhagem defendem-se dos muito calorosos raios de sol do verão. Mas vivem, manifestam-se, movem-se e desfrutam da sua própria existência, numa antecipação do que, na sua medida, fazem os humanos.

Arachis hypogaea. Domínio Público

As plantas não são todas iguais; mesmo neste mundo são percebidas as diferenças de grau impostas pela evolução. Há-as muito simples, pequenas e de mínima expressão, e as grandes e robustas como árvores que tratam de assemelhar-se aos homens.

Já alguma vez viste atentamente uma árvore? O seu tronco é como o nosso corpo. Deste tronco emergem singelos pés que se afundam na terra, e singelos braços que se elevam para o céu. Os pés são as raízes; são pés que não andam mas, em vez disso, procuram apegar-se ao seu mundo com a maior inteligência; hoje vi uma árvore crescer entre as rochas e as suas raízes abrir caminho habilmente entre as gretas para não tropeçar com a dureza da pedra. Estes pés de raízes também abrem caminho como os nossos: mas é um caminho de estabilidade; da estabilidade depende a alimentação, e da alimentação, a própria vida.

Os ramos são os braços, carregados de dedos verdes. As árvores – as plantas mais evoluídas – estão sempre em oração. Elas adoram o céu, os astros, abençoam o vento que as acaricia e conversam com os pássaros e os insetos que os visitam.

As árvores não têm cabeça… elas ainda não pensam, porém, sentem. Apesar dos enganos de Maya, cada dia são em maior número os homens que sabem que as plantas vibram e compreendem as emoções que nós emitimos. A beleza de uma planta doméstica depende em grande parte da nossa habilidade e carinho para tratá-la.

Espécime solitário de Quercus robur. Creative Commons

As plantas não têm cabeça, mas receberam docilmente a inteligência que Deus colocou nelas. A flor veste-se de variadas cores porque soube ouvir as vozes de Maya, porque sabe que, sem esse atrativo, não haverá novas flores. A flor enternece o vento e os pássaros, e vento e pássaros colaboram no jogo de amor entre as flores.

Corre o pólen de um sítio para outro; as sementes vêm e vão, e o eterno jogo da vida repete-se para que nunca falte a forma do verde vegetal sobre a terra.

As folhas vivem do sol; põem os seus rostos de frente para o astro rei, e mantêm os seus pulmões para baixo, protegendo-se quando respiram do pó que os ventos levantam. As folhas sabem viver e sabem morrer; caem à terra quando estão douradas, dançando harmoniosamente na sua queda e seguindo a sábia seleção que desprende primeiro os ramos velhos e mais baixos, para que perdurem e se mantenham os jovens e mais altos.

A flor também vive do sol, e guia as suas pétalas continuamente para que se enriqueça com esse ouro do céu. E logo que tenha terminado o seu ciclo de cor, quando nela tudo pareça morrer, dará lugar ao fruto que terá nascido do sacrifício da flor. E quando o fruto amadurece e a destruição se faz dona dele, deste novo sacrifício surgirá a semente cíclica que, caindo sobre a terra, dará origem a novas raízes, novos troncos, novos braços em oração, e novas preces ouvidas que serão flores e frutos.

Flores. Pixabay

 

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As plantas escondem incomensuráveis segredos. Elas possuem fantásticas virtudes que os homens, cegos pelo jogo de Maya, se têm esquecido de apreciar. Muitas vezes comemos plantas, mas muito pouco conhecemos das características daquelas que acabamos de comer. Algumas são curativas, e outras são venenosas; elas não são nem más nem boas; elas, simplesmente, têm essas propriedades. Algumas facilitam os sonhos e outras criam pesadelos; uns frutos são doces e agradáveis e outros, ácidos e repugnantes. Mas cada planta serve para alguma coisa, cada uma tem uma função, e cumpre-a conscienciosamente para além do nosso conhecimento acerca destas funções.

Os sábios da Antiguidade aprenderam a falar com as plantas, e souberam acerca delas muitas virtudes e as suas propriedades prodigiosas. Assim, eles foram sábios, e nós, pelo contrário, somos vítimas dos jogos de Maya. Por isso, eles fizeram estranhas beberagens, e nós só sabemos acerca do sacrifício inútil de uma flor numa jarra.

As plantas não são seres solitários. Pelo contrário. Quantos seres vivem nelas e por elas! Um olhar atento nos mostrará centenas de insetos passeando-se entre os seus ramos, para além de que visitam as suas raízes, e claro, espreitando entre o colorido das flores e frutos… o ouvido atento descobrirá o canto dos pássaros que se dissimulam entre a folhagem; como imaginar uma árvore sem um ninho? As árvores são a casa dos pássaros, e com o cair do sol, chega o interminável espetáculo das aves procurando rapidamente abrigo nos ramos…

Também nós homens somos – quando o jogo de Maya nos permite – amigos das plantas. Convivemos com elas; alimentamo-nos delas; com elas nos enfeitamos e perfumamos as nossas casas. Passeamos entre elas e agradecemos a sua sombra benfeitora no verão, assim como a sua proteção momentânea nas chuvas de inverno.

E ainda há seres invisíveis aos nossos olhos que habitam nas plantas, como pequenos gnomos imateriais que se abrigam entre os ramos e que adoram com verdadeiro agradecimento o ser da árvore que os ampara.

 

Véspera de verão, Edward Robert Hughes. Domínio Público

 

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Alguma vez notaste como é quente a madeira? De madeira é o berço e de madeira é o caixão… Existe na madeira alguma vida e alguma morte, um pouco de movimento e um pouco de descanso: são os reflexos da resistência e da expansão das plantas…

Quando puderes parar e passar as mãos pela tua cadeira, pela tua mesa de trabalho, sentir sob os dedos o calor dessa madeira, recorda que foi um ser vivo que ofereceu a sua força e resistência para continuar a servir, para além dos jogos de Maya, os jogos e trabalhos dos homens.

 

Imagem de destaque: Plantas. Creative Commons

Delia Steinberg Guzmán

Extraído do livro Os Jogos de Maya. Edições Nova Acrópole