A Voz do Silêncio trata de expor um caminho que é difícil, mas necessário. O caminho da evolução e transmutação, da entrada em novos mundos de perceção e existência que não se abrirão sem que antes o ser humano tenha de passar por severas dores de parto que guardam os tesouros da Natureza. A Voz do Silêncio não é um texto paternalista, não é uma expressão da dimensão paciente e indulgente que os mestres têm para com os discípulos. É um texto que transmite a frieza espiritual que congela a personalidade, mas que aquece a alma no seu esforço por se libertar. Em cada frase está presente a força da realidade espiritual e do seu império sobre o mundo; a grandeza incomensurável de uma verdade que permanece escondida e inalcançável; a exigência de um caminho que se estreita ao mesmo tempo que eleva.

O ser-humano existe através da relação com realidades inauditas que são o seu destino evolutivo dentro do grande plano da Natureza. Os reflexos destas realidades superiores chegam-lhe mediante a sua capacidade de se libertar daquilo que o impede de ver e ouvir. A conquista desta ligação/caminho é a essência da vida moral humana e é um processo cujos obstáculos se alçam como grandes gigantes de pedra, mas que ao serem superados se transformam em robustas pontes construídas sobre vales verdejantes e banhados pela luz da aurora.

Este caminho como realidade objetiva a que se refere o texto, é um estado relativamente avançado de consciência. Um estado que parece estar à distância de infinitas batalhas internas ainda por vencer. No entanto, pela lei da analogia e pela ressonância que tais ideias podem provocar, vale a pena pensar e reflectir sobre os perigos e oportunidades que enfrentam aqueles que genuinamente procuram conhecer-se e conquistar-se.

Segundo HPB, o Livro dos Preceitos de Ouro de onde foi extraída A Voz do Silêncio é guardado e protegido longe da vista profana. Para além disto, os versos estão gravados em lâminas finas, escritos numa antiga língua sacerdotal cuja chave para a sua correta interpretação pertence apenas aos círculos de Iniciados e aos seus seguidores. HPB afirma que

“… nem tudo isso poderia ser traduzido e dado a um mundo egoísta e atado aos objectos dos sentidos e que não está, de alguma maneira, preparado para receber devidamente uma moral tão sublime”.

Pode parecer contraditório o hermetismo que envolve estes ensinamentos, visto que a sua finalidade é de beneficiar e elevar a humanidade. Então qual é o sentido de esconder aquilo que é essencial?

O conhecimento e compreensão das leis da Natureza não implica necessariamente um desenvolvimento moral que lhe seja completamente proporcional. A existência do livre arbítrio implica que o primeiro pode ser adquirido até a um certo ponto sem que haja o segundo. A moral é resultado de uma inibição contínua e laboriosa das tendências egoístas que arrastam o ser humano para se tornar predador de si próprio e dos seus semelhantes. Logo um conhecimento relativamente profundo da natureza, desprovido de uma viga moral, pode ser extremamente perigoso. A ideia de um sentido de prudência e vigilância perpassa todo o texto e, em si mesmo, causa uma certa tensão interior e prontidão moral. Não é despropositado que a primeira passagem do livro, que exprime quem são os destinatários dos versos, fala daqueles que ignoram os perigos das faculdades psíquicas quando associadas às forças do egoísmo e do desejo.

Para A Voz do Silêncio a vida neste plano no qual nos encontramos assume dois significados. Por um lado, “é a sala da tristeza” onde o EGO está condicionado por uma ilusão que procura aprisioná-lo. Por outro lado, a vida ilusória da personalidade é uma sucessão de obstáculos que são na sua totalidade degraus para o progresso espiritual. Nada é desprovido de um sentido pedagógico e o próprio percurso da vida é orientado para proporcionar a cada um as provações necessárias para que a sua alma possa chegar a ouvir. Um obstáculo não deixa de ser perigoso, não deixa de ser, em potência, uma fonte de sofrimento e até de involução humana. No entanto, é também a matéria ígnea à espera da faísca da vontade. Assim, os perigos e oportunidades fundem-se um no outro sob a alçada de um sentido espiritualizante da vida, porque aquilo que é uma oportunidade para o EGO ameaça o domínio do eu-inferior e vice-versa.

Kairós, Deus da Oportunidade. Domínio Público

Cabe então ao discípulo colocar-se do lado certo da balança, e ver que tudo o que pende para fortalecer o império do espírito é uma grande oportunidade por mais que crie dor e sofrimento. Esta é uma moral de abnegação e sacrifício, de abandono completo daquilo que é mundano e superficial. Assim entende-se que o verso “Renuncia à tua vida se queres viver” diz respeito a esta decisão de afastar-se de um mundo para se entregar a outro, de abandonar o falso para entrar no real.

Isto não é um simples virar de costas, um abandono descomprometido e negligente. A saída do mundo é feita a partir do seu centro, de uma posição de entendimento e domínio das circunstâncias. Se estamos no mundo é por uma razão e é necessário assumir o envolvimento com esta forma de existência sem deixar de perder o sentido. É uma conquista heroica em que todas as forças humanas devem ser empregues e direcionadas. Cada dimensão da personalidade deve estar alinhada com o mesmo propósito, contribuindo para a mesma finalidade, pois “Não podes percorrer a Senda enquanto não te tornares a própria Senda”. Este caminho trabalha com o mundo para dele se libertar, e estar nele verdadeiramente é pisar os degraus de ouro que apenas os corações purificados podem ousar.

A exploração do mundo externo, o mundo no qual os sentidos físicos são os únicos mensageiros, não possibilita um verdadeiro conhecimento da Natureza. A saída do mundo da fragmentação e ilusão apenas pode ser realizada mediante um mergulho para dentro, para realidades cada vez mais subtis que se abrem como novos horizontes de consciência. Este movimento interno não pode ser realizado sem uma vida moral, iluminada pela virtude, e que seja o farol de toda a acção manifestada. HPB pede que honremos as verdades com a prática, e esta é uma importantíssima chave visto que a vida moral não é um exercício intelectual, mas advém de um conhecimento profundo das leis que regem a vida humana, e da vivência destas mesmas.

A vida no mundo é um mergulho na matéria, no Reino de Mara, mas não é por isso que o homem deixa de ser em essência espiritual; apenas se esqueceu da sua verdadeira natureza. O homem vive no mundo da separatividade sem deixar de ter dentro de si a unidade divina e é sua missão despertar de um sonho que se vai revelando cada vez mais como uma prisão. É exclusivamente dentro de si próprio que acontece este processo de libertação porque tanto o que aprisiona como o refém que se quer libertar existem internamente. Não há nada mais enganador do que buscar a salvação naquilo que é externo. Sendo assim, este homem interno oscila virando a sua atenção ora para a unidade ora para a fragmentação, mas «Aquele que quiser ouvir a voz de Nada, “o Som Insonoro”, e compreendê-la, tem de aprender a natureza de Dharana». Por conseguinte, a capacidade de concentração perfeita no mundo interior, sendo capaz de ignorar os estímulos externos é uma porta de entrada para poder vislumbrar o início do caminho.

A conduta do homem ao longo da sua vida, tanto a nível do quotidiano como a nível de decisões mais amplas e importantes que possa tomar, devem estar de alguma forma conectadas com este aprofundamento interior. As acções que permanecem fora do escopo daquilo que é internamente o caminho a seguir, tornam-se nas pontas soltas do látego do Karma. Assim, estando na posse desta compreensão, o homem deve assumir responsabilidade absoluta pela sua vida moral, já que a mais pequena acção em todos os planos da sua existência está activamente a construir o futuro. A tomada de posição inexpugnável de que o homem é acima de tudo um caminhante espiritual e que nessa senda está o seu destino último, é uma porta aberta para um novo nível de existência, para uma nova vida de compromisso com os ideais espirituais que implica assustadores sacrifícios, mas também as mais luminosas recompensas. Por outro lado, a consciência que permanece sob o feitiço de Mara, não vislumbra a interdependência intrínseca de tudo o que vive, não compreende que a vida canta em uníssono e procura caminhar em harmonia para o mesmo destino. O único castelo que defende é aquele que perpetua os seus desejos egoístas numa contínuo espiral descendente.

Deste ponto de vista, a maior tragédia da vida humana é permanecer alheia à existência destas dimensões internas mais subtis. É a vida dos acorrentados de que fala Platão, é a primeira sala da Voz do Silêncio, a Sala da Ignorância. A consciência humana não é binária nem estacionária na forma como se manifesta na vida encarnada, a consciência oscila constantemente entre estados torpes e outros mais elevados, sendo continuamente permeada pelas forças magnéticas destas duas polaridades.  O ser que está completamente na escuridão, sem que a mais pequena brecha se abra no céu sobre si, vive consciente ou inconscientemente dominado pelo egoísmo de tal forma que o mundo é apenas um meio para conquistar os seus objectivos, não é capaz de se ligar ao seu meio, é como uma máquina que se aprimora na satisfação dos seus desejos. A vida deste ser é uma parábola interrompida, é o rio que se afunda num pântano e apodrece. A ausência completa de uma vida moral transcendente termina inevitavelmente na loucura.

Mito da Caverna, de Michiel Coxcie. Dominio Público

Diz-nos este sublime texto que «Se pretendes atravessar com segurança a primeira Sala, que a tua mente não tome os fogos da luxúria que ali ardem pela luz do Sol da vida». O grande perigo da primeira sala, especialmente agravado pela realidade civilizacional que vivemos hoje, é o da inversão completa, ou seja, a sacralização do egoísmo e da satisfação do desejo. Um homem que viva na mais completa ignorância espiritual, dentro dos parâmetros de hoje, não é necessariamente um ser fraco e desprotegido. Muito pelo contrário, pode até ser uma das pessoas mais poderosas do mundo. O que nos transmite A Voz do Silêncio é que a verdadeira senda não passa pelas imagens externas de um mundo que às vezes se assemelha a uma triste simulação daquilo que deveria ser a vida humana, repleta de sentido heroico e fraternidade.

Li recentemente um testemunho de um psicólogo clínico sobre uma paciente cuja vida estava completamente desnorteada, com graves problemas a vários níveis, mas ainda que estando em graves dificuldades era capaz de actos espontâneos de bondade e abnegação. A sua solidariedade aos ouvidos do mundo de hoje, é tão silenciosa e inconspícua como o mais ínfimo rebento de relva. Mas para o céu, que tudo vê com o seu olhar absolutamente penetrante, a sua atitude tem infinitamente mais valor que aqueles que hoje orquestram mundos e fundos para colonizar outros planetas mesmo que, para isso, tenham de esgotar toda a sua humanidade. Mara é tão ardiloso e cheio de recursos que estes homens que dão aos seus filhos os nomes das suas máquinas favoritas e que pretendem viver para sempre apoiando-se no avanço das tecnologias são considerados amplamente como a vanguarda da humanidade. É verdade que estes homens-máquina vão cair mais tarde ou mais cedo porque apenas aquilo que é dirigido e se dirige para o Bem pode manter-se de pé, mas por outro lado, a verdadeira vida virtuosa tampouco está contida em relâmpagos esporádicos de bondade humana, mas, está sim, na conquista de harmonia e saúde interior.

A moral humana, como uma estrela que brilha dentro de cada indivíduo, como uma voz que nos fala do mais fundo de nós próprios, nunca deixa de mostrar o caminho a ser seguido, está sempre presente para lembrar ao homem qual é o seu dever. No entanto, na primeira sala, a noite é tão escura, as luzes das máquinas são tão brilhantes que se deixa de poder ver as estrelas no céu. A conduta do homem hoje é ditada por uma racionalização de valores definidos pelo sistema económico que rejeita os preceitos morais de outros tempos sem compreender que a réstia de moral que sustenta os povos provém, por um lado, desse passado de onde ainda sobrevivem as cristalizações rígidas de muitas religiões, e por outro lado, do conforto material criado pelo avanço da tecnologia que, acaba por impedir que o instinto de sobrevivência nos leve a um completo descarrilhamento moral. Hoje, especialmente no Ocidente, trocam-se ideias e convicções por conforto e qualidade de vida material. Há um acordo tácito, e na maioria dos casos inconsciente, de abandonar os sonhos mais íntimos, de abrir mão daquilo que se intui como certo desde que não se perca o conforto, o bem-estar e, no limite, a vida. Ao não concretizar a unidade dentro de si, ao voltar-se para o externo, o homem deixa-se levar prisioneiro pelas vontades particulares de cada uma das suas dimensões inferiores, tornando-se manipulador e facilmente manipulável.

A sombra lançada pela ignorância da primeira sala tem muitas nuances e certamente que envolve frequentemente muitos daqueles que se veem como estando num patamar acima. Este é um dos grandes perigos da ignorância, mascara-se constantemente de conhecimento e convicção.

O primeiro passo para poder novamente vislumbrar a estrela, ou seja, para começar a sair desta sala, é o querer genuinamente abandonar a ignorância, o que implica o reconhecimento da condição de ignorante. Este posicionamento interno já tem em si uma dimensão moral, ainda que por desenvolver, pois a verdadeira vida moral não é consequência de uma decisão feita num momento, é a tomada do estandarte inimigo após uma longa e sacrificante guerra. Mas a Sala da Ignorância permanece sempre à distância de um deslize, porque o homem apenas estará a salvo quando se purificar completamente, quando dissolver todas as suas sombras, e, então, poderá pisar o primeiro degrau do áureo caminho de que fala A Voz do Silêncio.

Helena Petrovna Blavatsky, autora de A Voz do Silêncio. Creative Commons

Ir saindo da primeira sala implica uma pequena libertação, já que o desejo se perpetua a si próprio e não proporciona plenitude, mas o trabalho pelo dever, em que a consciência esquece o jugo da personalidade, é como um peso que se levanta e permite que a vida floresça. Esta é uma das grandes recompensas de quem se aventura para além do seu egoísmo, o sentimento de leveza e liberdade interior face a um verdugo que está constantemente a querer impor o seu domínio.

A Natureza no homem é exigente sem deixar de ser generosa e com sentido. Este é um caminho que é inseparável da condição humana, ao mesmo tempo que apenas se abre em circunstâncias específicas, em que há uma ligação à Sabedoria, onde esta moral transcendental possa ser transmitida como acção viva por aqueles que já a possuem. Por isso, é que o texto recomenda:

Procura aquele que te fará nascer, na Sala da Sabedoria, na Sala que está mais além, onde todas as sombras são desconhecidas e onde a luz da verdade brilha com eterna glória”.

Apenas as Grandes Almas podem vislumbrar a moral dentro de si de forma completamente autónoma, mas para aqueles que ainda procuram, é necessário o acolhimento das Escolas e dos Mestres que guiam os discípulos por entre os escolhos e as armadilhas.

É na Sala da Sabedoria, a terceira, que o homem transcende a sua circunstância e se torna na sua própria dimensão atemporal – concretiza o seu verdadeiro Ser. Aqui a alma conquistou, purificou e unificou-se com “a ininterrupta Voz que ressoa através das eternidades, isenta de mudança, livre de pecado, os sete sons num só, a VOZ DO SILÊNCIO”.

Porém, antes de chegar à Sabedoria, o discípulo tem de passar pela segunda sala, a da Aprendizagem, onde “A tua Alma encontrará as flores da vida, mas debaixo de cada flor está uma serpente enrolada”. Nesta fase da sua evolução, a Alma já desperta para a necessidade de se desiludir, começou a conquista da sua consciência através do seu trabalho interior. Com o progressivo fortalecimento, a vida interior clarifica-se e o homem torna-se mais poderoso – a sua visão é mais penetrante, o discernimento mais aguçado, a sua capacidade de impor a sua vontade sobre os outros e sobre a circunstância é maior. Na segunda sala, algumas sombras da ignorância começam a dissipar-se, a percepção e compreensão da realidade vão-se subtilizando. Torna-se possível vislumbrar melhor as causas por detrás dos fenómenos e o próprio sentido da vida torna-se mais claro. Viver revela-se como um manancial de oportunidades para descobrir novas nuances no seio da vida, e estas descobertas fazem a alma sorrir e rejubilar-se de alegria. O homem, perante cada nova vitória sente-se mais senhor de si próprio, mais capaz de desvendar os mistérios do universo. Para a personalidade este é um novo nascimento. Sem dúvida que este penetrar na vida é uma grande oportunidade, mas não vem sem grandes perigos porque o seu coração ainda não é puro, o egoísmo ainda habita dentro de si e, facilmente o desejo se mistura com a sua intenção de se espiritualizar. Aqui o egoísmo mascara-se de diversas formas, sendo necessário um constante labor de vigilância e humildade para que a soberba das novas conquistas não se torne soberana.

Face a este florescimento, A Voz do Silêncio avisa: “Se pretendes atravessar com segurança a segunda, não te detenhas a aspirar o aroma das suas narcóticas flores”. Daqui podemos extrair que as vitórias e expansões internas devem estar sempre subjugadas a um sentido de dever e sacrifício, porque o próprio êxtase da conquista realizada facilmente se torna objecto do desejo. Até à vitória final, todas as outras devem ser apenas degraus passageiros numa escada de renúncia e humildade. O discípulo deve manter o seu olho interno fixo na pouca compreensão que possa ter daquilo que é transcendente e eterno, tendo presente que as vicissitudes da Instrução são acima de tudo provações necessárias e passageiras para a consciência que se mantem focada.

Também na fase da instrução, aumenta a percepção dos diferentes níveis de realidade, bem como a compreensão das relações de causa e efeito entre estes. O mundo psicológico revela-se como o verdadeiro campo de batalha, onde reside a conquista da moralidade. A questão é que com a abertura deste novo nível de percepção há uma presença mais real neste mesmo campo de batalha e, consequentemente uma maior exposição às suas ameaças. Aqui o grande perigo é a fantasia alimentada por uma mente que não chega a realizar a unidade última de todas as coisas. A Voz do Silêncio alerta o discípulo:

“Luta contra os teus pensamentos impuros antes que te dominem. Trata-os como eles te querem tratar porque se os poupas criam raízes e crescem e, repara bem, esses pensamentos dominar-te-ão até que te matem”.

Por outro lado, aquele que habita a segunda sala, passa a desenvolver a sua vida interior, que muitas vezes, dependendo da circunstância, torna-se num mundo colorido e vital face a uma realidade externa, hostil e difícil. Isto poderá ser um perigo ao criar uma distanciação e um falso sentido de superioridade, onde se foca constantemente as limitações da ignorância e daqueles que a sustentam. No entanto, o próprio discípulo é ignorante e, na sua condição pouco acima daquela que crítica, na sua condição que lhe foi oferecida pela generosidade da Natureza, ele deve manter acima de tudo o foco no seu trabalho e dever. Para a verdadeira fortaleza de Alma “de se tornar tão surda aos rugidos como aos murmúrios”, não há sentido em focar exageradamente os defeitos dos outros e da circunstância, porque a crítica excessiva é uma reacção à circunstância e não uma acção com raiz na consciência. Para além disso, o sofrimento é uma face inseparável da ignorância e é também o próprio alimento com que o coração – que se irmana a toda a humanidade – deve trabalhar. Recomenda o texto “que a tua Alma dê ouvidos a todo o grito de dor tal como a flor de lótus abre o seu coração para beber o sol matutino”.

«Existe apenas uma estrada para a Senda; e somente no seu fim pode ser ouvida a “Voz do Silêncio”. A escada pela qual o candidato ascende é formada por degraus de sofrimento e de dor; estes apenas podem ser silenciados pela voz da virtude».

A Escada da Ascensão Divina, Mosteiro de Santa Catarina Sinai. Domínio Público

Podemos concluir que o caminho discipular é para a personalidade impossivelmente exigente e, entre aquilo que se ensaia intelectualmente e a vivência do caminho, há sempre uma grande distância como afirma o filósofo Jorge Angel Livraga. No entanto, a própria virtude, que é a linguagem da moral transcendental, é um bálsamo que apazigua e fortalece a alma perante as mais severas vicissitudes. Na virtude está a possibilidade de coerência, a evolução e fortaleza da alma e o caminho para a comunhão com todo o Universo.

Na verdadeira vida moral guiada pela voz da consciência reside a grande romagem humana. É neste caminho que estão todas as oportunidades espirituais e a possibilidade de encontrar a paz, mesmo estando num mundo de ignorância e violência. Os perigos existentes no caminho são a contraparte das oportunidades, são diversos e cada vez mais subtis, mas não devem ser temidos, pois o Amor da Natureza é infinito e há sempre mais uma oportunidade para o homem que se atreve a lançar-se ao mar desconhecido que é o seu próprio destino.

Rafael Pereira