Por volta de 280 a.C. em Alexandria e a cargo de Ptolomeu I Sóter, um centro de investigação é erguido com o propósito de organizar o que era necessário para os melhores poetas, escritores e cientistas do Mundo Antigo viverem e trabalharem: o “museion”. É daqui que mais tarde tomam os seus nomes os museus. Estes espaços sagrados eram construídos para que as musas, divindades das ciências e as artes, habitassem no seu interior.

Mouseion de Alexandria. Domínio Público

A busca das civilizações para manter o seu passado vivo, parece expandir-se para além da cultura ocidental, pois também há registos da existência de museus nas culturas americanas e na Mesopotâmia.

As musas tiveram e continuam a ter um papel fundamental nas culturas que protegem a memória da humanidade na sua passagem pelos ciclos do tempo. Mediante as artes e ciências que presidem, essas divindades acompanham os homens como intermediárias entre o mundo dos fenómenos e o mundo das ideias.

A origem das musas

As nove musas, filhas de Zeus, pai dos deuses e Mnemosine, deusa da memória, foram geradas por nove noites consecutivas. Mnemosine, sua mãe, pertence à primeira geração de deuses, por isso não é a memória dos eventos deste mundo que nos recorda, mas evoca a memória da origem do cosmos, do tempo mítico antes dos ciclos históricos.

Mnemosine, deusa da memória e mãe das musas, Dante Gabriel Rossetti (1876 a 1881). Creative Commons

Essas nove divindades foram responsáveis por conservar e perpetuar a presença da memória primordial profundamente dentro do ser humano. Por serem as musas filhas de Mnemosine e a vontade criadora – Zeus -, inspiraram e inspiram a humanidade para CRIAR obras que permitam reviver o arquetípico. Essas memórias do atemporal e perfeito, ajudam mulheres e homens a penetrar na natureza e compreender a sua causa; as musas nos aproximam da compreensão e implementação das leis invisíveis do cosmos.

Estas deidades colaboradoras nas manifestações humanas residem, entre outros lugares, no Monte Hélicão (de acordo com os relatos de Hesíodo). Este é o monte da hélice, onde põem a girar o eixo do mundo. Por isso, a tradição menciona que as musas chegam às pessoas quando estão trabalhando, quando estão participando ativamente com a sua obra na recriação do mundo.

As musas e as criações artísticas

Estas obras que ajudam a recordar antigas vivências da humanidade e inspiram as pessoas a encontrar a melhor versão de si mesmas, constituem verdadeiras criações artísticas que servem como um canal da beleza arquetípica. As musas, por serem as intermediárias celestes nas criações do homem, regem uma arte em particular:

  • Tália, a que leva flores, é a musa dedicada à arte da comédia.
  • Clio é a musa que preside a história. Atribui-se-lhe a trombeta e o relógio de água (clepsidra), porque a sua virtude é medir o tempo, mesmo quando o Sol está oculto. Esta divindade encarrega-se por manter vivos no tempo, os atos generosos e os triunfos do passado glorioso.
  • Calíope, a de bela voz, a musa da eloquência, preside a poesia épica cantando as proezas de deuses e heróis imortais. O seu canto traz o silêncio sonoro do mito e o torna percetível ao homem.
  • Terpsícore é a musa dedicada a se deliciar com as danças. Está relacionada com o movimento harmónico no espaço e, portanto, com a geometria na Terra.
  • Melpómene, a musa da tragédia, ela é a inspiração dos artistas ao longo da história, a amada e a temida, a imagem acusadora da vida, como menciona a filósofa Delia Steinberg Guzmán[1].
  • Erato, portadora da lira, a amorosa e amável, está dedicada à poesia lírica e aos cantos sagrados.
  • Euterpe é a musa que tem o dom de saber agradar. Os eus atributos são a flauta e os instrumentos de sopro, elemento através pelo qual se propagam as mensagens e as audições. Por isso, é a musa dedicada à música.
  • Polímnia, a que seduz através da palavra, é a musa de múltiplos hinos, os quais unifica para entoar e harmonizar o canto único do universo.
  • Urânia é a musa da astronomia e das matemáticas. Geralmente é representada com um compasso, ferramenta que permite conhecer e manter as proporções que regem a natureza. Urania é quem mede o céu revelando-nos a geometria celestial.

É interessante destacar que a história era uma arte para as culturas clássicas do Ocidente, uma vez que, da mão dos poetas que a relatavam, permitia aos povos relembrar o seu passado glorioso e tomá-lo como exemplo a seguir. As sociedades, deste modo, podiam tomar os ideais transcendentes como base e perseguir uma direção e sentido comum claramente definidos.

Assim, a influência das musas esteve ligada a numerosas personagens que mudaram a história da humanidade. Por exemplo, foram as que inspiraram Homero quando ele relatou as histórias de Tróia e do sofrimento de Ulisses. Além disso, para Hesíodo quando cantou o nascimento dos deuses gregos. Ambos os poetas estabeleceram as bases da cultura helénica e, através do tempo, da nossa cultura ocidental também.

Apolo e as Musas, Nicolas Poussin (1630). Domínio Público

A memória e as criações harmónicas

Se o papel natural das musas é o de evocar a memória e fazer recordar ao ser humano, significa que em algum momento tivemos algum conhecimento que foi esquecido. Nos ensinamentos de Platão, a alma humana tem a sua origem no perfeito mundo das ideias. O ser humano então nasce com a sabedoria no seu interior, mas esquece ao beber as águas do rio Lete antes de nascer novamente.

Voltando os olhos para a alma, o homem pode recordar o que já viu no mundo ideal, onde reside a sua essência e seriam as musas quem, dando de beber agora as águas do rio da memória, evocam a memória da sua verdadeira identidade.

As musas que também são companheiras de Apolo – deus do Sol – velam pela harmonia universal no mundo manifestado. Conduzidas por Este último, transportam a alma humana para o céu do não esquecimento em que habitam os deuses olímpicos, as ideias universais e eternas. Favorecido o homem pela audição das musas, o seu pensamento pode penetrar mais além do aparente e captar os princípios do cosmos.

Quem se recorda da sua essência encontra a vontade para criar; quem penetra nos abismos da memória para recuperar a sua identidade, é um com a natureza e as suas obras na terra são um reflexo das leis do céu. Aquele ser humano que abra o seu coração para receber a influência do eterno fará ressoar na sua voz o canto das musas e as suas criações, entoadas com a lira de Apolo, reproduzirão a harmonia cósmica.

Franco P. Soffietti
Publicado em RevistAcrópolis.
Revista digital de filosofia, cultura e voluntariado em Córdoba Argentina,
em 28 de maio de 2020

[1] No seu artigo “Melpómene, la musa de la Tragedia”: https://biblioteca.acropolis.org/melpomene-musa-tragedia/

Imagem de destaque: O nascimento da última Musa, Jean Auguste Dominique Ingres (1856). Domínio Público