Comandar muitos é o mesmo que comandar poucos. Tudo é uma questão de organização.

Sun Tzu (General, estratega e filósofo chinês, séc. VI a. C.)

Com organização e tempo, acha-se o segredo para fazer tudo e bem feito.

Pitágoras

Quando refletimos sobre a Natureza, observamos amiúde, sobre a sua organização natural e divinal, sem o recurso a manuais, tratados escritos, planeamentos e planos de operações, que focalizem os seus princípios estratégicos, logísticos e organizacionais. A Natureza confere-nos o maior exemplo do equilíbrio existente na relação das partes, das suas dependências e ordenamentos, do seu fogo organizacional. Mas em que consiste a organização? Quando evocamos este termo, num contexto crítico, avaliando a capacidade organizativa de qualquer evento, saberemos concretamente em que consiste o ato de organizar? Será que a Natureza tem a sua estratégia padrão? O que nos pode ensinar a organização da Natureza? Seremos limitados pela nossa própria organização física e social? Ou por outras palavras, a nossa condição kama-manásica condiciona amplamente a nossa capacidade e visão organizacional? A organização é parte integrante da nossa existência, e quase sempre, é dificultada pelo facto de sermos estimulados pela matéria, uma vez que não temos uma visão organizacional capaz de entender e discernir o espírito, sem a componente materialista. Organizar é muito mais do que aquilo que os manuais de gestão e de organização nos descrevem.

A perceção organizativa que nos é dada, surge fundamentalmente, dos sentidos, e muitas vezes deixa-nos distante dos exemplos organizativos da Natureza, porque na maior parte das vezes, não temos capacidade de interpretar esse fogo organizacional. A nossa organização social está repleta de defeitos, fruto da ignorância, egoísmo e ambição desmesurada, mesmo que seja regulada por princípios de ordem racional. Reconhecer as virtudes naturais desse fogo organizacional, exige a capacidade de ler interiormente, e não tanto pelo exterior, de projetar a multiplicidade de combinações de ações e decisões, as suas precedências e repercussões nas ações vindouras. Organizar é também equacionar a prospetiva ou por outras palavras, visualizar no tempo, o grau de interferências da sucessão de ações encadeadas, tal como ocorre na combinatória intrínseca ao jogo de xadrez.

A Natureza mostra-nos muitos exemplos de coordenação espontânea e harmoniosa, levando-nos a pensar que os seus constituintes organizacionais são regidos por unidades reais e espirituais, que conhecemos como mónadas. Giordano Bruno foi o primeiro filósofo, o filósofo do fogo, a aprofundar este conceito ou ideia, concebendo esta entidade como uma unidade indivisível que constitui o elemento de todas as coisas. Ora, se refletirmos sobre a ação de organizar ou a ideia de organização, saberemos discernir que não se trata de uma coisa em si mesmo, contudo, é constituída por muitas coisas capazes de promover ações. Em finais do século XVII, o filósofo e matemático Gottfried Leibniz, trouxe à luz, novos desenvolvimentos sobre as mónadas, na sua obra conhecida como Monadologia, onde dissecou sobre as características desta entidade, na qualidade de substância espiritual, capaz de ação, enquanto componente simples do universo, ou um átomo espiritual desprovido de partes e de extensão, não podendo desagregar-se, sendo assim, eterno. Assim, as mónadas podem capacitar atividades de perceção e de apetição de modos muito diferenciados, podendo nós conceber a organização como uma rede de mónadas em ação.

Mas onde e como poderemos discernir levemente o labor dessas mónadas no âmbito da Natureza? E o ser humano quando se envolve em ações de organização, estará também sujeito ao efeito das mónadas organizacionais? A Natureza dá-nos tantos exemplos de organização tão harmoniosa e ordenada, que nos conduz à ideia de influências de substâncias espirituais, tal como argumentado por Leibniz. Vejamos alguns desses exemplos, assaz espantosos, quando comparados com a natureza organizativa do ser humano: a murmuração hipnotizante dos estorninhos (ou ballet dos estorninhos), o movimento sincronizado dos cardumes de sardinha e cavala azul, a caminhada ordenada do rebanho de gnus, o meticuloso labor dos enxames de abelhas, a nuvem coordenada de gafanhotos que se transformam em pragas, a fileira organizada de formigas que operam a logística do seu formigueiro e a vigilância espontânea e coordenada dos suricatas, para sinalizarem a proximidade dos seus predadores. Ao visualizarmos os milhares de estorninhos que voam de forma sincronizada, em movimentos aleatórios sem se tocarem, em plena harmonia, deixa num estado hipnótico, a quem os observa. Um fenómeno que ainda não foi plenamente explicado pela ciência.

Algumas espécies animais manifestam algumas evidências empíricas de um sistema de organização social denominado por eussocialidade, que se caracteriza pela divisão das funções reprodutivas e não reprodutivas e cuidado cooperativo na criação da prole. Este sistema organizacional é observado nas abelhas e formigas, mas também nos suricatas, que fazem jus à máxima: a união faz a força.

A organização animal na murmuração ou ballet dos estorninhos. Unsplash

No campo dos movimentos coletivos sincronizados, vem-nos à memória as provas de atletismo de pista, conhecidas por estafetas de 100 e 400 metros, onde os elementos das equipas têm de transferir um testemunho (bastão em alumínio de 28-30 cm), em determinadas condições pré-estabelecidas, verificando-se em alguns casos, ao mais alto nível de competição, desqualificações das equipas por falha na transmissão desse testemunho. Ou então, a coordenação dos voos de formação das patrulhas acrobáticas, que requerem muitas horas de treino para garantir a plena segurança desses voos. Infelizmente, por vezes, ocorrem acidentes fatais.

Por muito que sejam investigados novos processos e métodos organizacionais inovadores, o ser humano ainda revela muitas deficiências nesta capacidade de dominar o fogo organizacional. Todavia, há uma reflexão que não poderemos deixar de partilhar, se por um lado, o ser humano ainda revela deficiências organizativas, por outro lado, demonstra uma capacidade latente de organização, manifestada na conceção e elaboração de certos sistemas, equipamentos e máquinas que revelam uma enorme organização interna. A título de exemplo, vejamos o funcionamento de um relógio, quer seja puramente mecânico ou digital, capaz de reproduzir fielmente o ritmo de rotação e de translação da Terra. É um exemplo de plena plasmação organizacional, de um fenómeno natural, reproduzido pelo ser humano. Parece que o pensamento humano sintonizou a atividade das mónadas do tempo, onde todas as peças do relógio (o mecânico é mais demonstrativo pelo compromisso do movimento entre as suas engrenagens) sincronizam entre si, bem definidas individualmente na contribuição do todo, na organização finalista da medição do tempo. Observar todas essas peças em movimento comprometido e harmonioso, transmite-nos uma sensação muito idêntica à murmuração dos estorninhos. Afinal, o ser humano pode descodificar esse fogo organizacional, sintonizar as mónadas da organização, tal como constatámos no exemplo descrito.

No contexto da teoria das mónadas, foi precisamente Leibniz que focalizou muito na organização finalista do universo, considerando também o organismo ou corpo orgânico como uma máquina, uma espécie de máquina divina ou de autómato natural, que sobrepuja infinitamente todos os autómatos artificiais. Então o ser humano na condição de organismo tem a sua própria organização interna, em sintonia com as mónadas biológicas, que raramente interioriza pelo pensamento, essa complexa teia organizacional, pois refletindo neste ponto, pensamos que começa aqui o poder latente da organização humana, projetado em muitas das suas manifestações, como é o caso da organização de uma máquina. Certamente que se trata de uma organização própria do nosso grau evolutivo, porém, longe de ser plenamente descodificada pela ciência, e não conhecendo nós todas as dependências do nosso organismo biológico e metafísico, então, como poderemos dominar a nossa capacidade organizacional?  Existe uma simultaneidade de latência e de imperfeição organizacional no ser humano.

É interessante analisar o pensamento de Immanuel Kant a respeito da finalidade de uma máquina que distinguiu da finalidade do organismo. E voltando ao exemplo do relógio, observou Kant, que uma peça é o instrumento que serve ao movimento das outras, mas não é a causa eficiente da produção das outras: uma peça existe, sim, em função das outras, mas não por meio delas. Por isso a causa produtora do relógio e da sua forma (…) está fora dele, num ser que pode agir segundo as ideias de um todo possível, mediante a sua causalidade. Parece notório este argumento kantiano, que nos ajuda a emergir, a ideia de poder latente organizativo do ser humano, num esforço que deveremos buscar na sintonia com as mónadas organizacionais.

Poderíamos ter começado esta reflexão pelos conceitos básicos da organização. Mas intencionalmente, só neste momento o pretendemos fazer, para que não corrêssemos o risco de demasiada conceptualização. Vamos então, procurar o significado de organização num dicionário, onde encontramos uma relação de coordenação e coerência entre os diversos elementos que formam um todo. Identificamos desde logo, dois elementos preponderantes para uma organização qualitativa: a coordenação e a coerência. A estes dois conceitos juntamos um terceiro, que consideramos essencial para uma boa organização: a cooperação. Esta mónada organizacional transmite-nos o valor do compromisso da conjugação de esforços para que seja atingido um fim comum. Porém, estamos a falar de uma cooperação com ética própria, sem o dilema do prisioneiro (problema da teoria de jogos, onde dois prisioneiros cooperam na fuga da prisão, mas face ao seu egoísmo, ambos desconhecem as verdadeiras intenções do outro) e sem a tragédia do comum ou dos pastos comunitários (quando são explorados em excesso produzem perdas para a comunidade). É preciso cooperar de coração.

Cooperação e eussocialidade dos suricatas, Ashleigh Thompson. Creative Commons

Podemos então fixar uma mnemónica para uma boa organização, Co3: coordenação, coerência e cooperação. Se exercitarmos o pulsar do universo, saberemos pressentir que a sua condição ordenada e harmoniosa é coordenada, coerente e cooperativa.

Sobre a coordenação, ou melhor, a falta de coordenação, remeto-nos para qualquer coisa que é difícil de quantificar, de certa forma intangível, e nem sempre mensurável na perspetiva dos impactos negativos causados, mas crucial na consecução dos objetivos. Podemos garantir bons manuais de organização, elaborar planos de operação rigorosos, basear em estruturas robustas, na descrição de funções bem sustentadas, reconhecer as dependências, mas sem uma boa coordenação, a organização fica débil, ineficiente, numa palavra, corrompe-se. Coordenar também é ligar as partes. Digamos que a coordenação implica uma ordem, tal como é preconizada na Natureza, do latim, ordo, que significa fila, linha ou série regular, disposição metódica ou até mesmo, a ordem dos fios da teia de aranha, um exemplo muito curioso da engenharia animal. Este é mais um bom exemplo fornecido pela Natureza, onde a teia é construída segundo uma ordem autocoordenada, como se a aranha fosse capacitada de um código intrínseco à sua própria natureza. Ordo, a ordem que tem subjacente um critério sequencial, interdependente, onde tudo está no seu devido lugar, de forma coordenada, coerente e cooperativa, tal é a Ordem que configura a Natureza do Cosmos. Sendo uma disposição metódica, implica o methodus ou método, que também é uma forma de ensinar, um modo de proceder. Assim, a organização tem uma ordem, exige uma metodologia, de maneira a conseguir debelar as imperfeições da nossa organização física e social. Este é de facto um grande obstáculo à evolução organizacional das sociedades atuais.

O ser humano está profundamente manietado pelas configurações da sua própria organização física e a incapacidade de reverter os modelos dos seus organismos sociais. Os princípios organizacionais dos nossos dias assentam na assunção, à priori, de falta de confiança, descrédito, insegurança, imprevidência e desesperação, e todos esses sentimentos coabitam na conceção de modelos organizacionais metodicamente elaborados, mas cada vez mais complexos, com estruturas muito pesadas, sem critérios de simplificação. A proliferação de objetivos materialistas não facilita o desenvolvimento de modelos organizacionais consentâneos com a Natureza, e sobretudo com a tomada de consciência da nossa constituição septenária. As organizações da nossa civilização coexistem em desconfiança mútua. Os regulamentos, os estatutos, as diretivas, as orientações, as ordens, constituem referências vitais para o desenvolvimento das organizações, mas quase sempre, são elaboradas numa base em que todos desconfiam de todos e de tudo.

Todas estas mónadas organizacionais sobre as quais estamos refletindo, têm algo de místico e velado, e não estão sublimadas nos gigantescos tratados de organização. São estas mónadas que alimentam a capacidade organizativa latente no ser humano, tanto no que respeita ao ato da criação, como na continuidade e permanência organizativa. Se nos reportarmos ao significado latino de organizare, verificamos que é dotar o corpo de órgãos, membros ou estrutura física. Mas também se manifesta na capacidade de fazer música com instrumentos. Este é talvez, o melhor exemplo de pura organização praticado pelo ser humano. A obra da orquestração musical está impregnada de mónadas coordenadoras, coerentes e cooperativas e quando se observa e escuta uma orquestra, existe de facto algo transcendental, onde todas as partes estão entrosadas na agilização humana de elevado rigor organizacional. Através deste exemplo sentimos o valor da coerência (do latim cohaerentia) que significa conexão ou a ligação entre os diversos elementos de um todo, as partes estão inteiramente subordinadas ao todo. Mas isso acontece após muitas horas de treino, cujas semelhanças ocorrem de forma natural, com os exemplos da Natureza, mencionados anteriormente.

A força apical que puxa toda a estrutura da pirâmide, tendo como ponto de aplicação o ápex ou o ápice. Imagem adaptada. Domínio Público

Por regra, tudo o que é organizado pelo ser humano exige um procedimento ou plano prévio, de acordo com orientações definidas regulamentar ou estatutariamente, e mesmo assim, é frequente verificarmos desvios para o bem comum das organizações. As mónadas das organizações emanam um fogo que lhes é intrínseco, que conhecemos como disciplina. O oposto de organização é precisamente a indisciplina, ou seja, a não obediência a um conjunto de regras que definem a legitimidade de um comportamento. A disciplina é o oposto da anarquia, que vem do grego αναρχία, que significa falta de comando, que naturalmente gera confusão, desordem, caos ou fraqueza de autoridade. O universo não é anárquico, pois está sob o comando da Substância Primordial.

Então porque mencionámos anteriormente, que as estruturas organizacionais devem estar em sintonia com a nossa constituição septenária? E como poderemos idealizar um modelo organizacional consentâneo com a nossa natureza evolutiva? Primeiro que tudo, entendemos que a constituição septenária está ordenada e estruturada segundo degraus de consciencialização da sua precedência, isto é, o ser humano antes de tomar consciência do seu corpo energético, deve ter interiorizado o seu corpo físico, antes do seu corpo emocional, ter consciência do seu corpo energético, e assim sucessivamente. Todos os degraus agrupados em duas geometrias diferentes: no quadrado, a personalidade (etéreo-físico, energético, emocional e mente dos desejos); e no triângulo, o indivíduo (mente pura, intuição e vontade). Esta combinação geométrica que nos remete para uma forma piramidal, mas que nada tem de relacionado com o modelo tradicional das organizações piramidais, típicas do século XX. Este modelo tradicional apresenta desvios que não são consentâneos com a constituição septenária do ser humano, por ser demasiado rígida, estratificada em termos de verticalização, segundo os seus níveis diferenciados de operacionalidade, de tática e de estratégia. Este modelo conhecido como piramidal nas organizações ditas modernas, não é beneficiado pela nossa mnemónica Co3, uma vez que é fortemente penalizado pelo terceiro pilar da cooperação. O indivíduo é egoísta, então as organizações são egoístas. Esta verticalização, que está presente nas organizações empresariais e de negócios, não deve ser confundida com a força vertical da estrutura apical, aquela que puxa as bases a partir do ápex ou ápice da pirâmide. A primeira é uma verticalização material, estática e pouco cooperativa, enquanto a segunda é septenária, dinâmica e muito cooperante. O princípio apical focaliza todas as necessidades organizacionais, de todos os intervenientes da estrutura piramidal, resultando em vantagens para a vida da comunidade. Esta foi a designação que escolhemos para as estruturas organizacionais do futuro: organização apical.

Os princípios organizacionais vigentes assentam sobretudo em valores racionais da gestão empresarial e não perspetivam as outras dimensões da constituição septenária. A natureza da personalidade e do indivíduo projeta-se nas organizações e daí manifestarem ainda, tantos defeitos, que decorrem também das debilidades da nossa organização física e social. Todavia, deveremos relembrar que a nossa constituição septenária nos transmite a latência de enorme capacidade organizativa. Tomemos então consciência de que no âmbito da lei da evolução e do progresso, as mónadas das organizações mantêm incessante o seu labor, para que o ser humano seja cada vez mais capacitado sobre a necessidade da inovação organizacional.

Carlos Paiva Neves

Imagem de destaque: A organização do relógio astronómico, na Praça da Cidade Velha, em Praga, Andrew Shiva. Creative Commons