Na semana passada, um profeta visitou Israel. Veio por alguns dias. Falou para aproximadamente vinte pessoas, para aquelas que queriam ouvi-lo e entendê-lo e, por fim, foi-se embora.
Há trinta anos que anda de país em país, dando conferências para várias pessoas (às vezes mais, às vezes menos) e desta forma tem continuado também os seus estudos.
Para sua desgraça (ou nossa), Jorge Livraga nasceu numa geração que não acredita nos profetas. Esta geração não acredita em verdades simples que as civilizações antigas já conheciam, e é precisamente sobre essas coisas que o professor Livraga falou. Os profetas antigos tinham um trabalho muito simples: não falavam de coisas provenientes de revelações divinas; eles apenas usaram os deuses como uma introdução para encontrar um público atento às verdades mais simples: ganância é má e tolerância é boa.
As coisas que o professor Livraga nos contou não são mais complicadas do que as anteriores. O título de sua palestra era “O planeta em perigo de morte”. Nos jornais foi mencionado na categoria de “esoterismo” porque, há algo mais esotérico do que o perigo de destruição do nosso planeta?
A platéia era composta principalmente pelo pequeno grupo de pessoas que assistiram às conferências esotéricas e pelos estudantes da Nova Acrópole de Israel, cujo diretor é Pierre Poulain. Hertzel, Ben Gurion, Weitzman e outros estavam representados acima das janelas da sala de conferências. Livraga parece respeitável, vestido com um elegante terno e gravata, e a sua cabeça brilha como a dos “Hobbits”: nariz redondo, testa larga, alguns cabelos grisalhos bem arrumados e um rosto sorridente.
“Quando terminar de falar”, disse Livraga em espanhol com tradução simultânea, “vocês podem-me fazer perguntas, mas não prometo que poderei responder a todas. Como filósofo, prefiro aparecer como alguém que sabe que nada sabe”.
A palestra durou cerca de uma hora e não ofereceu nenhuma informação nova ou profecia arriscada. O que é que fez a sua conversa refrescante? Ele é um homem muito educado, com um QI extremamente alto, verdadeira autoridade académica, mas optou por nos dar idéias simples. Somente o facto do seu alto nível académico, já o protege contra uma acusação de sinceridade. Assim, ele falou-nos da poluição do planeta, da falta de consideração pela natureza, da destruição da flora e da fauna, da nossa adoração suicida à tecnologia como um fim e não como um meio.
“No século passado, as pessoas viajaram de muito longe para admirar as chaminés e o fumo negro das fábricas. Chamavam-nas de “Templos do Trabalho”. A tecnologia permitiu ao homem fazer coisas importantes, mas o homem tornou-se cada vez mais orgulhoso de seu trabalho. O fumo negro fez o homem esquecer todas as opções anteriores, e isso causou uma confusão entre o avanço tecnológico e o progresso humano.”

Interior de uma fábrica no Brasil, 1880. Domínio Público
“É muito fácil cometer um erro se, por exemplo, falar com um microfone na mão e as pessoas no fundo da sala puderem ouvir-me como se eu tivesse a voz de um gigante, mas isso não me torna um orador melhor que Sócrates: falo em voz alta somente graças ao microfone.”
“Para mim, o melhor símbolo da situação atual da humanidade é o Titanic. O Engenheiro-chefe disse: ‘Nem Deus poderia afundar o Titanic.’ Na verdade, não foi Deus quem afundou o Titanic, mas um pedaço de gelo. E quando estava a afundar, a orquestra continuava a tocar música e as pessoas dançando, embora o acidente ‘impossível’ já tivesse ocorrido. De vez em quando fazemos o mesmo: por exemplo, todos sabemos que há um buraco na camada de ozono e ficou comprovado, sem dúvida, que o processo de extinção da raça humana já começou no nosso planeta. Mas, no entanto, continuamos suicidas na nossa tarefa em poluir, como se nem mesmo Deus nos pudesse afundar.”
“O aquecimento progressivo da Terra, o chamado ‘efeito de estufa’, está relacionado com o buraco na camada de ozono, que já possui dimensões impressionantes. Para todas as grandes cidades dos países desenvolvidos, é de extrema importância, porque o degelo da abóbada glacial dos dois pólos pode causar um aumento no nível da água de 20 metros. Nesse caso, Tel-Aviv seria totalmente absorvida pelas águas, assim como Londres, Nova York, Tóquio, Veneza, Buenos Aires e Rio de Janeiro. Esse cenário é totalmente credível, mas a maioria das pessoas não quer admitir a possibilidade de que isso possa já ter acontecido antes, pois existem mitos relacionados com grandes inundações referidos por muitas civilizações que nunca tiveram contacto entre elas. Essas histórias preservadas nos mitos ensinam-nos que devemos prestar mais atenção ao que desencadeiam os nossos comportamentos. Mas nunca os levamos a sério.”
“Vejo duas soluções possíveis para evitar esta catástrofe: a primeira seria decidir mudar radicalmente nossos costumes, mas temo que seja uma solução bastante difícil de implementar, já que os nossos hábitos estão profundamente enraizados em nós. A segunda solução é a da natureza, ou seja, uma decisão que a Terra tomaria por si mesma, uma vez que não temos provas ou motivos para deixar de lado a idéia de que a Terra é parte viva de um sistema vivo, o sistema solar. Eu sei o quão difícil é pensar na Terra como algo vivo, mas isso vem simplesmente do facto de que as definições de “vida” que usamos são uma função das idéias que temos sobre a vida. É claro que faltam palavras e que nossas línguas não contêm a idéia de Vida, portanto, com letra maiúscula. Para isso, basta entender, quando digo ‘vivo’, que estou a falar de seres que reagem.”
“Se a camada de ozono continuar a deteriorar-se, é isso que acontecerá. O efeito-estufa derreterá os polos e esse facto, por sua vez, causará inundações na maioria das cidades desenvolvidas. A maioria das infra-estruturas tecnológicas será destruída e as populações dos países desenvolvidos transformar-se-ão em grupos de refugiados.”

Buraco na camada de ozônio 2008. Dominio Público
“A maioria das descobertas tecnológicas serão inúteis novamente, a evaporação das águas escurecerá a luz do sol e as temperaturas cairão. A vegetação irá então sofrer mutações e, lentamente, os refugiados começarão a desenvolver a humanidade novamente. Talvez eles também venham a ter mitos sobre grandes inundações”.
No dia seguinte à conferência, entrevistei o professor Livraga no hotel Hilton em Tel-Aviv, poucas horas antes de ele deixar Israel.
Livraga acredita que a maior parte do conhecimento importante de hoje já estava reunida em civilizações antigas, mas foi esquecida. Com efeito, ele estudou grego antigo, latim, sânscrito, hieróglifos e catorze outras línguas, mas não fala inglês.
Ele fundou a Nova Acrópole há 32 anos, quando era um jovem estudante de 26 anos na Universidade de Buenos Aires.
“Éramos um pequeno grupo de jovens que tínhamos problemas com os estudos que estávamos a fazer na Universidade. Ficou claro para nós que, por mais que estudássemos a vida toda na Universidade, não seríamos moralmente muito diferentes do homem primitivo, de um homem não intelectual. Seríamos apenas especialistas em algum campo em particular. Então colocamos a pergunta se a Universidade valeria realmente a pena. Assim, decidimos fundar uma escola que daria aos alunos mais possibilidades, algo que servisse mais aos valores atemporais da humanidade e não apenas aos valores acadêmicos. Durante dez anos, investigamos no campo da Filosofia, História e da Educação, moldando os currículos e o conteúdo das matérias ensinadas hoje na Nova Acrópole. Investigamos em todas as culturas e em todas as fontes de conhecimento o que parecia importante e valioso para o Homem.”
“Descartamos o conhecimento esotérico que contém elementos extravagantes e fenomenais, tentando encontrar uma nova definição da realidade e do mundo, nova na forma, mas eterna no conteúdo.”
– Você fez tudo isso durante o tempo do Presidente Perón na Argentina e nos governos subsequentes, tempos pouco tolerantes para idéias tão incomuns. Tiveram problemas com as autoridades?
– Não tivemos problemas. Nem com Perón nem em nenhum dos países em que fundamos escolas. Definimos os nossos princípios e propósitos de tal maneira que nenhum antagonismo apareça: trabalhar pela paz, pelo verdadeiro progresso moral e material, pela tolerância e harmonia. Que líder seria capaz de negar o bom dessas ideias?

Jorge Ángel Livraga Rizzi. Organización Internacional Nueva Acrópolis
– Embora preveja um futuro muito difícil para o homem, devido à poluição e ao buraco na camada de ozono, aceita com muita facilidade que apenas vinte pessoas apareceram à sua chamada de atenção.
– Eu não sou político, sou filósofo. O meu trabalho é pensar, divulgar as minhas conclusões e agir em conformidade. Espero que a escola venha a ter muitos alunos aqui. E prometo que os estudantes da Nova Acrópole estudarão uma filosofia intemporal e farão trabalhos ecológicos na limpeza de praias e lugares históricos, assim como todos os estudantes da Nova Acrópole em todo o mundo. Eu não espero mais.
– Mas não é importante que tenha uma maior influência para poder ver plasmado no mundo aquilo que em que acredita?
– É importante para mim que alguém, na sua época, veja um mundo melhor, mas não pretendo vê-lo eu, agora. O maior erro que esta geração cometeu foi plantar uma árvore e querer colher imediatamente os frutos. Onde estaríamos se a geração anterior à nossa se tivesse comportado da mesma maneira? Se agirmos com a paciência que caracterizou as civilizações antigas, a próxima geração realmente verá um mundo melhor.
– Como pode ser tão otimista quando, ao mesmo tempo, é tão pessimista? Falou-nos sobre as muitas possibilidades de retornar à Era do Gelo…
– Pode ver-me optimista porque sou um optimista. Porque eu acredito em Deus. Não no Deus das religiões, não no Deus formal, mas num Deus filosófico: acredito que as coisas não acontecem por acaso, mas de uma maneira inteligente e harmoniosa. Quando está convencido de que todas as coisas estão subordinadas a uma inteligência divina, não pode ser pessimista. E o meu optimismo dá-me esperança que aprendamos novamente a viver de maneira inteligente e harmoniosa.
Jorge Ángel Livraga
Entrevista conduzida por Gabi Nitzan e publicada no jornal Hadachot (The News), em 08-11-1989, em Israel.
Publicado na Biblioteca Nueva Acrópolis em 08-10-2019