Madrugada de 26 de dezembro de 2006. Um terramoto com a magnitude 6,3 arranca 100.000 pessoas do sono, no Irão. Mais de 35.000 morrem.
Porque não estamos em condições de prever tais catástrofes com toda a tecnologia avançada existente? Os aparelhos mais modernos possibilitam a previsão de um tremor de terra apenas alguns minutos antes do abalo. Desde o séc. XII a.C. que existem, na China, registos de terramotos. Uma observação precisa das interações complexas de acontecimentos variados, tais como comportamentos de animais conspícuos, alterações de águas subterrâneas e da meteorologia, permitiu aos chineses, há mais de 1 500 anos fazer uma previsão tão segura e atempada, que puderam ser tomadas as providências necessárias para o salvamento de pessoas e animais.
Este exemplo mostra que a nossa tecnologia altamente desenvolvida não traz igualmente consigo uma alta eficiência. Mesmo que nenhuma única civilização da Antiguidade tenha posto a tecnologia no centro da atenção, espantamo-nos com as invenções daqueles tempos.
A China antiga à frente do seu tempo
A ciência e a tecnologia floresceram durante séculos na China. Josef Needham escreve, na sua obra magnífica, Science and Civilization in China [Ciência e Civilização na China], que esta «estava bem mais à frente do que a Europa sua contemporânea, especialmente até ao séc. XV». A previsão inicial de terramotos foi completada através da construção dos primeiros «sismógrafos» do mundo. A estes, ter-se-ia que chamar antes «Sismofone» [Seism a direçãoophon], porque o tremor não era registado, mas era reproduzido acusticamente. Porém, com o aparelho da dinastia Han oriental (25-220 d.C.), podia mostrar-se de onde vinham as ondas do terramoto – e isto cerca de 1 600 anos antes da invenção do sismógrafo «propriamente dito», por Hautefeuilles.
Muito à frente estavam os chineses na produção de papel. De acordo com biógrafos chineses, o papel teria sido inventado no ano 105 d.C. por Cai Lun (m. 121), na corte da dinastia Han oriental. Efetivamente, foram encontrados em 1957, perto de Xiam, restos de papel de cânhamo, datado de 49 a.C., que é visto como o mais antigo papel de fibra vegetal do mundo. Para o produzir, a matéria-prima, como pontas de corda e farrapos, era amolecida em água e cortada em pedaços. Esta era subsequentemente cozinhada numa solução alcalina de erva, água e cinzas. Depois da separação das partes mescladas, os pedaços eram lavados em água limpa e esmagados com um pilão. As fibras daí originadas eram misturadas com água, numa massa, a chamada polpa, que era criada com fibras planas de papel e através de drenagem e secagem. Esta era processada até se chegar às folhas de papel. Aliás, os farrapos foram, até à primeira metade do séc. XIX, a única matéria-prima do papel.
Uma segunda façanha química, na China, constitui a tecnologia da laca. Conquanto a produção de lacas tenha sido descrita, em primeiro lugar, em tempos mais recentes pelas fórmulas químicas, as leis químicas foram utilizadas na prática, na China, segundo relatos de há mais de 4.000 anos. O princípio da chamada daqi (laca grande) forma o segredo aquoso das nativas árvores da laca (Rhus verniciflua), cujo elemento principal é o urushiol (laca natural). Ao misturar-se ao sol, deixava-se evaporar a humidade, ganhando o líquido colante desejado. O óleo de tungue e outros óleos que secam rapidamente eram misturados como agentes de secagem. Com corantes, podiam-se produzir as cinco cores (vermelho, amarelo, azul, preto e branco). Não só aparelhos de ferro e ferramentas de outros materiais eram protegidos da ferrugem e da degradação com uma demão de laca, mas também objetos ornamentados com laca eram considerados como símbolos de estatuto. Não era invulgar que um ditado dissesse: «Quem possua milhares de árvores de óleo de tungue, nunca sofrerá de fome enquanto viver».
A título de curiosidade, refira-se, de passagem, que o despertador mais antigo do mundo foi descoberto na China. Era um pauzinho que se acendia e se punha entre os dedos dos pés. Quando a chama alcançava os dedos dos pés, acordava-se – sem dúvida! No entanto, não é apropriado para Faquires nem para pessoas que andam sobre carvão em brasa.
«A guerra como mãe de todas as coisas»
Esta citação, atribuída a Heráclito, expressa uma verdade filosófica: cada nova criação precisa do vínculo e da confrontação tensa dos contrários, como, por exemplo, a origem da vida humana a partir da união entre homem e mulher.
Se Heráclito também tinha em mente a moderna indústria bélica, ouso duvidar. Facto é que não conhecemos um povo da história que não tenha aplicado a sua tecnologia para fins bélicos. Facto é também que os tempos bélicos são tempos de investigação e desenvolvimento de novas tecnologias. O fundamento do ideal do amor e da fraternidade entre os homens não prorroga apenas hoje a sua existência pobre.
Como armas mais antigas, consideram-se a lança, a flecha, o arco e o Boomerang, que foi utilizado por diferentes povos primitivos na Austrália. Perdem-se os relatos no tempo, desde quando se utilizam, paralelamente a estas armas leves, também cavalos, camelos, elefantes e diferentes formas de transporte. Mesmo que hoje os elefantes tenham sido substituídos por panzers, modificaram-se pouco os elementos fundamentais, apenas os meios e as táticas são outras.
O arco foi, por fim, desenvolvido até se chegar às máquinas de lançamento. Estas alcançaram uma capacidade e precisão surpreendentes na Grécia e em Roma e funcionavam como projétil para o temido «fogo grego».
Até hoje não conhecemos a sua montagem, mas conhecemos os seus efeitos arrasadores: não se deixava apagar com água, durava muito tempo e provocava um calor imenso que derretia facilmente a blindagem de bronze e ferro dos barcos da altura. Entre os romanos chamavam-se às catapultas «onagro», como o burro que dá um coice com um casco traseiro.
Como projétil, utilizavam-se um a três quilos de pedras ou bolas de chumbo que se podiam arremessar, com grande precisão, até 300 metros. O recuo destas máquinas deveria ser tão forte que não era autorizado montá-las em ruas empedradas para não as destruir.
Uma outra arma poderosa era o «espelho de Arquimedes». Esta era usada para atear navios inimigos a longa distância. No séc. III a.C., Arquimedes foi encarregue, pelo rei de Siracusa, de construir um navio invencível: 108 metros de cumprimento, 30 metros de largura e 20 metros de altura (mais ou menos a dimensão do Titanic).
Este possuía três andares e cinco torres. O modelo conservado mostra a estátua giratória de uma deusa que segura nas suas mãos um espelho enorme (com um diâmetro de cinco a seis metros), que cumpria a função descrita. Segundo o estado de conhecimento presente, um espelho com uma tal função teria que ter um diâmetro bem maior, que mesmo hoje não seria construível.
Aqui, tem lugar uma falha entre o relato histórico e a exequibilidade histórica – pelo menos na perspetiva de hoje. Provada está a grande efetividade da tecnologia bélica no mar de Siracusa.
Como sistema de comunicação no tempo de guerra, mas, também no de paz, utilizavam-se pombos-correio. Esta técnica estava já em uso na primeira dinastia do Egipto (3 000 a.C). Os «dados técnicos» dos pombos-correios do império romano foram transmitidos. Estes voavam até 100 km/h e percorriam até 700 km numa etapa. No caso de guerra, usavam-se falcões adestrados como interceptores.
Os pombos eram também utilizados como mísseis: enviavam-se os pombos contra os inimigos, com fogo grego preso e ateado na cauda. Mísseis «verdadeiros» havia aliás, já desde o séc. X na China. Aí foi inventada a pólvora negra no séc. VIII ou IX e, posteriormente, na forma do temido huo long chu shui, os «dragões-de-fogo que surgem da água», libertados contra o exército inimigo.
Justamente, a invenção da pólvora negra é um bom exemplo de que nas civilizações antigas não é conhecida nenhuma motivação militar para o desenvolvimento da tecnologia, mesmo quando a tecnologia existente tenha sido sempre utilizada para fins bélicos.
Atualmente, por exemplo, os EUA, escoam mais de 90% do orçamento para o armamento. Uma grande parte dos avanços tecnológicos do séc. XX remontam à tecnologia bélica. Admira, por isso, que compreendamos o enunciado de Heráclito – «a guerra é a mãe de todas as coisas» – neste sentido?
Não podiam os romanos ir até Marte ou não o queriam?
Vivemos hoje numa era tecnológica. A tecnologia determina o nosso mundo do trabalho, a nossa vida confortável, o nosso quotidiano. «Quem quer ganhar dinheiro, tem de estudar algo tecnológico» é-nos já inculcado pelos nossos pais. Tendemos, por isso, a sobrevalorizar a tecnologia e a indicá-la como prova do nosso auge civilizatório.
O mesmo afirmaram, talvez, os chineses da dinastia Thang, devido à sua arte poética altamente desenvolvida. Para eles, era mais considerado o poeta do que qualquer técnico. O poeta gozava de um alto prestígio e fortuna.
Cada civilização tem o seu foco. Em muitos textos antigos, conservou-se um legado de relógios, velocímetros e outros aparelhos técnicos. No museu em Bagdad, foram expostas baterias da Babilónia antiga. Os barcos de comércio de Cartago estavam apetrechados com hélices que, contudo, eram utilizadas, não como acionadores, mas como velocímetros para registrar o percurso percorrido.
Ainda assim, em todos os casos, descreve-se a característica estética e não o modo de funcionamento mecânico. A beleza e o significado religioso e simbólico de um arco-íris eram mais importantes do que a explicação do porquê se forma este fenómeno no céu. Hoje, conhecemos mais sobre o arco-íris e, por isso, é-nos mais útil o que sabemos?
Os gregos e os romanos descreveram Marte em mitologias complexas incontáveis, no seu carácter e na sua influência nos homens.
Sabemos hoje mais sobre o planeta Marte?, porque Viking (1975), Pathfinder (1997) e Spirit (2004) transmitiram imagens fascinantes mas dececionantes para a terra – face ao imenso desconhecido? A história é cíclica. Cada época tem o seu interesse especial. Quando Neil Armstrong, a 27 de Julho de 1969, foi o primeiro homem a pisar a lua, disse: «Um pequeno passo para o homem – um grande passo para a humanidade».
No entanto, a viagem tripulada à lua não trouxe nem progressos, nem melhorias para a humanidade. Não deveríamos corrigir hoje, após 35 anos, a frase de Armstrong: «Um grande passe para um homem e para os EUA da altura e um pequeno passo para a humanidade?»
«Para Marte! De volta à Lua.» assim nomeou o presidente americano George W. Bush o empreendimento espacial futuro. «Queremos ir a Marte?», revida um artista de cabaré no Comedy Channel: «O mais solitário e vazio lugar do universo não é Marte, mas o cérebro de Bush».
Aí, encontra-se refletida uma crescente dúvida das expedições espaciais, que nada trazem. Mais se devia cuidar da vida no nosso planeta do que procurar vida em outro planeta.
A ideia «realizar também o exequível, custe o que custar» deveio anacrónica. É, por conseguinte, provável, que a humanidade dentro de cem anos não tenha mais nenhum interesse nas viagens espaciais, tanto quanto hoje não queremos mais construir pirâmides e catedrais.
É igualmente provável que os romanos antigos, ainda que o pudessem, de modo algum quisessem ir até Marte.
É um facto que os romanos dispunham do estado de conhecimento tecnológico do séc. XVIII tardio, por conseguinte, teriam sido capazes de construir máquinas a vapor. Porque não o fizeram? Não o sabemos realmente. Os romanos tinham – como muitos outros povos antigos – um medo natural de máquinas.
Mais tecnologia significa também ser mais homem?
O avanço tecnológico de um cabriolet forrado face a um coche, não significa necessariamente um avanço humano, moral e cultural dos yuppies bronzeados pelo sol face ao cocheiro ou aos seus passageiros. O que diferencia o condutor da locomotiva a vapor ou um condutor moderno de automóvel de um auriga romano?
De um ponto de vista puramente técnico, poderíamos hoje evitar a miséria de milhões de pessoas e, no entanto, não temos interesse nisso. O estado de desenvolvimento tecnológico de uma civilização não afirma nada acerca do estado de desenvolvimento ético e humano. Progresso tecnológico não é o mesmo que progresso humano.
Os índios hopi apresentavam primeiro cada renovação tecnológica ao conselho dos anciões. Este avaliava, se a introdução desta tecnologia tornava o homem melhor e decidia, então, em duas votações – a primeira com a cabeça, a segunda com a intuição.
Hoje podemos dizer: a nossa técnica tornou a nossa vida mais simples e cómoda, abriu-nos possibilidades fascinantes, aumentou a nossa expectativa relativamente à média de vida física e cuida do nosso lar – melhores não nos tornou.
Onager
A expressão Onager pode ser traduzido por burro.
A designação da característica advém provavelmente daí, porque a catapulta movimenta-se um pouco no lançamento e poder-se-ia ter a impressão de que um burro dá um coice com um casco traseiro.
O onagro utiliza uma mola de torsão como desencadeador do bastão de lançamento. Esta mola é feita a partir de um feixe de corda, no meio da qual está enfiado o bastão de lançamento.
A última grande tensão realiza-se através de um guincho que contrapõe mais uma vez o bastão de lançamento contra a tensão. Na ponta do bastão de lançamento, está pendurada uma presilha, na qual fica o projétil.
Boomerang, lança e flecha são consideradas as armas mais antigas do mundo.
Espelho de Arquimedes
A Arquimedes (287-212 a.C.), foi atribuída a invenção de um espelho incendiário.
Segundo a lenda, ele teria incendiado barcos romanos com a ajuda de um espelho, durante o cerco de Siracusa.
A lenda conta que Arquimedes teria, com a ajuda do espelho por ele inventado e dos cidadãos de Siracusa, posto a arder as velas da frota romana que se aproximava e feito assim, com que os barcos se tornassem incapazes de combater.
O inventor agrupou, de acordo com a tradição, os siracusanos, armados com o espelho, à altura de um espelho gigante e deixou que eles refletissem a luz do sol e orientou-os para uma posição para incendiar, de tal modo que se originou um raio de luz energético.
Pombos foram também utilizados como «foguetes»: enviavam-se os pombos contra os inimigos, com fogo grego preso à cauda.
Zhang Heng (= Chang Heng) construiu em 132 d.C. um aparelho que é designado como o primeiro sismógrafo do mundo. Tratava-se de um tubo cilíndrico, na qual foram colocados no rebordo superior oito dragões, dos quais cada um segurava uma esfera com a boca. Diretamente abaixo, havia oito sapos. Durante um terramoto, também numa longa distância, caía uma esfera da boca do dragão, que olhava na direção da zona do terramoto, na boca do sapo, através do qual se originava um som.
Hannes Weinelt
Publicado na revista A b e n t e u e r P h i l o s o p h i e
Imagem de destaque: Reconstrução de um guindaste de rodas romano de 10,4 m de altura em Bonn, Alemanha. Creative Commons