Este é um filme de 2010 que narra três histórias em paralelo relacionadas de alguma maneira com o além. O primeiro caso é o de um homem com o dom de comunicar com os mortos através do contacto físico com uma pessoa próxima do falecido; o segundo é o de uma mulher que sobrevive a uma experiência de quase-morte durante um tsunami e o terceiro o de um menino que perde o seu irmão gémeo num acidente de trânsito e tem uma necessidade urgente de comunicar com ele.
A primeira vez que vi este filme, na televisão, já tinha começado e eu não sabia do que tratava o enredo, mas, como um bom cinéfilo, quando reconheci alguns actores disse “vamos ver”. No primeiro dos três casos, o homem com dotes mediúnicos é interpretado por Matt Damon, e a acção decorre em São Francisco, nos Estados Unidos. Por sua vez, a mulher que sobrevive ao tsunami é francesa, trabalha para a televisão e estava numa missão na zona do Oceano Índico, interpretada aqui pela actriz belga Cécile de France. Entretanto, a história relacionada com os meninos gémeos, interpretados pelos irmãos gémeos Frankie e George McLaren, passa-se em Londres.
Como dizia, não tinha visto o início do filme, mas o assunto interessou-me e, depois de meia hora, chamou-me a atenção que o tratamento de um assunto como este tivesse sido feito sem estridência ou exageros, mas sim com uma certa elegância. O mistério ficou claro, para mim, quando pude perceber no final que o realizador era Clint Eastwood.
A história foi escrita por Peter Morgan e passou pela primeira vez pelo estúdio Paramount com a intenção inicial de ser dirigido por Steven Spielberg, que queria mudar o final, mas finalmente ficou na Warner Brothers, que tem uma relação especial com Clint Eastwood. Este, por sua vez, queria há muito tempo fazer um filme sobre o tema da vida após a morte, mas como, aparentemente, há muita decepção e intrujice no manuseamento destes assuntos, Eastwood afirma que, não estando em condições de saber se há uma vida depois desta, limitou-se a contar uma história cujo título original em inglês é “Hereafter”.
Argumento
George (Matt Damon) é um operário norte-americano com um dom particular que lhe permite comunicar com os mortos e que chegou, no passado, a trabalhar profissionalmente como clarividente, mas teve que deixar a actividade por não conseguir suportar o impacto emocional que lhe produzia o processo. Depois de perder o seu trabalho numa fábrica, devido à redução de pessoal, inscreve-se num curso de culinária onde conhece uma rapariga (Bryce Dallas Howard) com quem aparentemente pode ter uma relação, mas quando ela descobre que ele possui esse dom, pede-lhe para comunicar com o seu falecido pai, com o que George concorda relutantemente. Então o que o pai da rapariga diz, choca-a e aterroriza-a de tal maneira que esta sai para não mais voltar.
O irmão de George, um homem de negócios, quer que este volte ao trabalho como clarividente e quase o convence a montar o consultório sob a sua supervisão e controlo da parte comercial, mas George não consegue, rompe finalmente com tudo e impulsivamente viaja até Londres. Como é um grande admirador de Charles Dickens, visita o museu deste último e descobre que na Feira do Livro há uma leitura de uma das obras de Dickens, a que ele assiste. A leitura em voz alta é feita por Derek Jacobi, um grande actor shakespeariano e um dos meus actores favoritos.
A jornalista de televisão francesa Marie Lelay (Cécile de France) está numa missão na Índia, acompanhada do seu produtor com quem tem um affaire. Quando, numa manhã, ela sai para comprar souvenirs no mercado local, acontece um tsunami – o de 2004 no Oceano Índico – que destrói todo o mercado e acaba por ser arrastada pelas águas. Algumas pessoas conseguem retirá-la da água aparentemente sem vida e tentam ressuscitá-la, mas consideram-na morta. No entanto, ela consegue respirar e voltar à vida, mas o longo tempo em que esteve à beira da morte permitiu-lhe entrar em contacto com o que está além da vida. Regressa a Paris com o amante, onde tenta retomar a sua vida anterior, que envolvia um livro sobre François Mitterrand, mas a experiência tinha-a mudado e acaba por escrever um livro sobre a vida após a morte, que é rejeitado. O seu ex-amante e produtor concede-lhe uma licença no trabalho para tentar voltar a ser “ela mesma” ou o que era antes da experiência. Mas Marie não muda e insiste em publicar o seu novo livro sem ser capaz de encontrar um editor em França, até que lhe recomendam uma editora norte-americana especializada nesse tipo de temas, a qual publica o livro, levando-a posteriormente a Londres para apresentá-lo na Feira do Livro.
A terceira história decorre em Londres e centra-se em dois gémeos de 12 anos, Jason e Marcus – interpretados pelos gémeos McLaren sem experiência como actores, que Clint Eastwood preferiu em vez de meninos actores profissionais para alcançar maior naturalidade – que tentam de alguma forma impedir que os Serviços Sociais retirem a própria custódia à sua mãe, uma mulher alcoólica e viciada em heroína, um autêntico desastre como mãe. Para fugir à acção das autoridades, precisavam de apresentar a progenitora com uma aparência de normalidade, pelo que a mãe, num momento de sobriedade e consciente da situação, envia Jason para obter a medicação para se desintoxicar. No entanto, ao regressar com o remédio Jason é perseguido por um bando de jovens delinquentes que pensam que este tem dinheiro, e com tanta má sorte que ao fugir é atropelado por uma furgonete e morre. Perante esta situação, o gémeo sobrevivente, Marcus, é enviado para uma família de acolhimento e a mãe internada num centro de desintoxicação. Mas Marcus não se consola e não se adapta a viver sem Jason, com quem tenta comunicar por qualquer meio, chegando a roubar dinheiro aos pais adoptivos para visitar vários médiuns charlatães, mas, percebendo o que são, descarta-os rapidamente. Numa certa ocasião, em Londres, Marcus está à espera do metro, está a usar o boné de Jason e, no momento, em que chega o comboio o boné voa levado pelo vento e, na tentativa de recuperá-lo, perde o comboio, que depois explode no âmbito dos ataques de 2005. Noutra ocasião e tentando fazer Marcus levar uma vida normal, os pais adoptivos levam-no a visitar outro rapaz que viveu com eles anos antes e que agora trabalha num expositor da Feira do Livro.
É assim que as três histórias se reúnem, porque George, depois de ler a obra de Dickens, passeia pela feira e aproxima-se do expositor onde Marie está a apresentar o seu livro “Hereafter”. Intrigado com o tema e também atraído por ela, aproxima-se para que ela lhe assine um exemplar. Marie também sente algo especial quando o vê e quando se despedem e ele consegue tocar-lhe na mão, ele vê, graças ao seu dom, com toda a clareza, todo o acontecimento do tsunami. Algo desnorteado quando se afasta, ele decide voltar para falar com ela, mas o expositor já está ocupado por outro autor. O pequeno Marcus, por sua vez, passeava pela feira quando o encontrou e, ao reconhecê-lo, disse-lhe: “tu és o clarividente, preciso de ti”. George nega completamente e vai para o seu hotel, mas Marcus segue-o e, embora não possa entrar no hotel, decide esperá-lo na calçada em frente. George vê-o da sua janela, mas ignora e começa a ler o livro, mas depois de algumas horas e vendo que Marcus ainda está lá na rua na chuva, desiste e faz acontecer.
Então, através de George, Jason diz a Marcus que está feliz onde está e que foi ele quem tirou o boné no Metro para salvá-lo, mas que já não pode fazer mais nada por Marcus. Disse-lhe que não tivesse medo de ficar sozinho, porque os dois são um e sempre estarão unidos. Desta maneira termina a angústia de Marcus que se despede de George. No entanto, Marcus chama George para dizer em que hotel está hospedada “Marie, a rapariga de quem gostas”.
Marcus termina a sua história quando os pais adoptivos o levam a visitar a mãe no centro de reabilitação onde se encontra.
George, no dia seguinte, vai ao hotel de Marie e, ao não a encontrar, deixa-lhe um bilhete de várias páginas que escreve ali. Combinam reunir-se. Ele tem uma visão onde se beijam. O contacto com a vida após a morte preparou-os para este encontro, que finalmente acontece e ambos se sentam para conversar. Fim do filme.
Comentário
As críticas que o filme recebeu foram diversas. Algumas negativas, como a do site Rotten Tomatoes, que afirmou que “apesar de um princípio interessante e do bom trabalho de Eastwood como realizador, o filme não constitui um drama atraente e debate-se entre o sentimentalismo e o tédio”. Roger Ebert, pelo contrário, diz que “o filme encara a ideia da vida após a morte com ternura, beleza e tacto, dizendo que se surpreendeu e considerou fascinante”. Justin Chang, da revista Variety, chamou-lhe “uma mistura sedutora do ousado e do familiar”.
Só posso acrescentar que gostei. Já disse que a primeira vez que o vi e o tratamento do assunto pareceu-me elegante e longe dos clichés habituais. Roger Ebert expressou melhor do que eu e acho que Justin Chang acertou na definição. Não é fácil desenvolver três histórias em paralelo sem que se confunda, e ao mesmo tempo terminar harmoniosa e elegantemente. Steven Spielberg queria mudar o final para lhe dar mais força. Eu não mudaria nada.
Alfredo Aguilar
Imagem de destaque: Pôr do sol. Creative Commons