No Livro II da República de Platão, Sócrates imagina como uma sociedade típica, pode evoluir de um começo simples para uma entidade mais complexa e organizada. Ele especula que, inicialmente, todos poderiam fazer tudo por si mesmos, como construir as suas casas, confecionar as suas peças de roupa e cultivar os seus próprios alimentos.
Mas em breve, diz ele, as pessoas perceberão que seria muito mais eficiente, se certos membros do grupo se especializassem em determinados negócios. Desta forma, construtores, alfaiates e agricultores surgiriam como mestres de competências especializadas, que poderiam ser trocadas com outros membros do grupo, por bens, serviços ou dinheiro.
Mais de 2.000 anos depois, o filósofo e economista escocês Adam Smith surgiu com a mesma ideia, mas levou-a muito mais longe, na verdade, pode-se dizer, ele levou-a ao extremo. No seu livro A Riqueza das Nações, Smith toma o exemplo da fábrica de alfinetes para ilustrar as suas ideias sobre a divisão do trabalho.
Um trabalhador não formado para este negócio… nem conhecedor do uso da maquinaria empregada, poderia talvez, com a sua máxima indústria, fazer um alfinete num dia, e certamente não conseguiria fazer vinte… Mas da maneira como este negócio é feito agora… um homem puxa o arame, outro endireita-o, um terceiro corta-o, um quarto aponta-o, um quinto afia-o no topo para receber a cabeça… e o importante negócio de fazer um alfinete, desta maneira, é dividido em cerca de dezoito operações distintas.
Sendo um economista, Smith prossegue e faz alguns cálculos muito detalhados, de quantos alfinetes podem ser feitos por dez homens, usando apenas o equipamento básico: cada um deles seria capaz de fazer cerca de 4800 alfinetes num dia. Mas se todos tivessem trabalhado separada e independentemente e sem nenhum deles ter sido formado para este negócio peculiar, certamente que cada um deles não conseguiria ter feito vinte, talvez nem um alfinete por dia…

Linha de produção da Ford em 1913. Domínio público.
Smith procede a falar sobre o processo de fabricação de pregos e a melhor solução é que os trabalhadores individuais passem a vida inteira, fazendo apenas as cabeças dos pregos, por exemplo; de novo com muitos cálculos detalhados.
A impressão predominante que tive ao ler tudo isso, foi que Smith era bastante obcecado pela produtividade e via esses trabalhadores infelizes, apenas sob essa perspetiva; ele não considerou como essa especialização excessiva poderia prejudicar o seu crescimento intelectual, levando ao tédio e ao desespero. Ele está a pensar no bem da sociedade como um todo, ou mais especificamente, na sua própria frase, a riqueza das nações – mas a que custo?
Platão por outro lado, apesar das críticas feitas às suas ideias, por pessoas como Karl Popper, estava interessado no desenvolvimento do indivíduo. Pois a premissa básica da sua obra A República é que o propósito da política, seja liderar os cidadãos para fora da caverna da ignorância, em direção à luz solar da verdade e do bem. A divisão do trabalho não tem apenas a ver com a produção de riqueza, que para Platão não é um fim em si mesmo, mas existe com o propósito de desenvolver uma sociedade racional e ordenada, na qual o ser humano possa florescer como indivíduo e como parte de um coletivo. De facto, ele é tanto contra a riqueza excessiva, como contra a pobreza, porque ambas podem levar à degradação dos seres humanos.

Mecânico da central elétrica a trabalhar na bomba de vapor (Lewis Hine, 1920). Trabalhador norte-americano do começo do século XX. Domínio Público.
Outro aspeto das teorias de Adam Smith é o Comércio Livre e a chamada Mão Invisível das forças de mercado. A sua crença ainda hoje persiste no cerne do pensamento capitalista, sendo que as forças de mercado (desencadeadas pelos indivíduos que perseguem os seus interesses próprios) acabarão por equilibrar tudo, trazendo maior crescimento económico e benefícios sociais. Um exemplo atual é o dos locatários que são forçados a sair de Londres, devido à subida em flecha dos preços. De certa forma, isto pode ser considerado uma coisa boa, porque ajudará a conseguir uma distribuição mais equilibrada da população por todo o país, mas a que custo humano para aqueles que estão a ser deslocados? E o que dizer acerca da perda de professores, enfermeiros e trabalhadores de lojas, que já não conseguem suportar as condições para viver na capital?
A justiça é um dos grandes perdedores neste jogo das forças de mercado, porque o mercado regula-se a ele próprio, através do princípio amoral da oferta e da procura (mas também através da ganância imoral daqueles que exploram estes fatores). Um exemplo recente foram os 3,3 milhões de lucros de uma das empresas de gás do Reino Unido, enquanto muitas pessoas congelam nas suas casas…
Mais uma vez, encontramos uma abordagem muito diligente em A República, onde o critério mais importante para a sociedade, é na visão de Platão, precisamente a Justiça. Quando a justiça falha, diz ele, a sociedade inevitavelmente desmoronará.
Ambos, Platão na Grécia e Confúcio na China, decidiram que a melhor forma de melhorar a política para todos era formar filósofos – políticos para o futuro – para uma época em que a humanidade como um todo, viesse a perceber o valor da sabedoria e da benevolência nas sociedades orientadoras, em vez do interesse próprio. Uma solução de médio a longo prazo, talvez, para um problema antigo.
Julian Scott
Imagem de destaque: Adam Smith e a Riqueza das Nações versus Platão e a República (Imagem composta). Domínio Público.