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Ricardo Martins

Uma Arqueologia da Noite. Segunda Parte

Ricardo Martins 0 857

O nosso laboratório, ou melhor, o nosso museu interior deve ser um museu tendencialmente vazio de peças, que se aprofunda na noite e se engrandece para o dia, mas vazio, digno da presença de Deus apenas. Mas para isso, temos de aproveitar este tempo nocturno e não ter medo de fazer perguntas ao seu interior, não temer cair pela frágil escada do crescimento hipócrita, e não temer arrancar a mais identitária das máscaras. Mais vale espreitar-se timidamente por uma cara de pecador que se deseja arrancar do que fechar os olhos dentro de uma máscara de virtudes que se quer manter, por maiores que sejam estas virtudes, porque, por não serem nossas, quando se forem, arrancar-nos-ão a insubstituível face, e o peso que sentiremos depois não desaparece. Com a experiência, a noite interior há-de converter-se numa metodologia, num conjunto de técnicas para a prospecção, escavação e análise, no mais real e brutal dos métodos invasivos, doloroso, é certo, porque pressupõe sempre a destruição do sítio arqueológico. O próprio frio da noite congela-nos, endurece-nos, só para nos estilhaçar depois, mas faz parte do processo de identificação e de levantamento de dados, se somos feitos disto ou daquilo, quantos pisos temos, o que o habita, onde e há quanto tempo, o que é passivo, organizado, perturbado, resoluto e até divino.

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Uma Arqueologia da Noite. Primeira Parte

Ricardo Martins 0 1658

Quando a noite cai, é como uma tempestade sobre as águas, é como as aves do rio Estinfalo, que, com as suas grandes asas, ocultam a luz quando se poem a voar. Ela oculta todos os mistérios e dá a todas as coisas a melancolia de uma vida que foi interrompida, aos rios e aos mares, aos montes e aos vales, e até aos Homens. E, por vezes, esta melancolia nocturna penetra-nos tão profundamente, que a preservamos em plena luz do sol. A memória da noite torna-se em nós rainha, impede-nos de ver o dia e só traz consigo a constatação dessa mesma melancolia. É verdade, vivemos tempos nocturnos, mesmo de dia. É como se tivéssemos sido cobertos pelo pó de mil ventos ou pelo fumo de algum grande incêndio, vindo de tão longe, que nos parece vir de todo o lugar.

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Suporte Básico de Vida: Uma Abordagem Filosófica

Ricardo Martins 0 630

Um dos mais graves e comprometedores acontecimentos que podem ocorrer nas nossas vidas é o chamado incidente arrítmico, fibrilhação ventricular ou, mais genericamente, paragem cardiorrespiratória. Ultrapassando os limites estritamente físicos dos ventrículos do coração, e fazendo uso da arte das correspondências, compreendemos que a vida, em todos os seus aspetos, depende de uma cadência cardíaca, que é seriamente ameaçada perante quaisquer formas de contração descoordenada, ineficaz ou caótica. Para tudo aquilo que fazemos na vida é necessário um ritmo que nos garanta que estamos vivos, que estamos a aprender e que caminhamos em direção a alguma coisa, é necessário sentirmo-nos parte de um Todo e que caminhamos com ele, dele e para ele. Se, por alguma circunstância, nos falta a constância, se as dificuldades nos fazem parar ou caminhar de forma irregular, se perdemos tempo e nos perdemos a nós mesmos no caminho, é necessária uma resposta rápida e relativamente fácil, que permita, ao menos, uma estabilização e um mantimento da vida interior até termos acesso a uma resposta mais eficaz e diferenciada, colhida dos ecos da sabedoria de todas as eras.

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