Há uma pergunta que nunca consegui deixar de me fazer: O que sente a Terra quando se queimam as suas árvores? Se o planeta pudesse expressar-se, como nos faria chegar a sua dor? Por ridículo que pareça, se os seres humanos variam de um lugar para outro, nas suas línguas e formas de expressão, por que não haveria de ter a Terra algum sistema que fosse próprio dela, que pudesse ser entendido pelos mais intuitivos e perspicazes?

Se partirmos da base de que somente os humanos estamos conscientemente vivos, todas as perguntas anteriores carecem de sentido. A Terra não seria mais que uma rocha bem condicionada girando em sua órbita ao redor do Sol. Mas não posso evitar a recordação de tantos filósofos antigos, que souberam apresentar com propriedade e clareza os seus pensamentos sobre a vida Universal, que diz respeito a tudo o que existe, embora se apresente nas mais variadas formas. De acordo com isso, a Terra vive, tem os seus ciclos de saúde e doença, de tranquilidade e inquietação… Em sua própria escala, goza e padece como o fazem os humanos.

Não há provas disso? Que diferença faz! Durante séculos não tivemos provas das verdades científicas que agora são aceites e apoiadas por complexos cálculos. Tampouco faltaram os que deixaram as suas vidas tentando provar umas verdades que intuíam, embora na época não tivessem meios precisos para fundamentá-las.

Seja como for, se nós, na nossa pequenez e, porque não, na nossa ignorância, nos sentimos impressionados pelos embates dos cometas interestelares e pelos incêndios monumentais, como pensar que os mais diretamente afetados estão fora do alcance desta projeção vital?

A Terra chora…

Os homens reúnem-se de tanto em tanto para estudar o estado da Terra. Se mantêm encontros mundiais em que se reúnem cientistas, especialistas ecologistas, presidentes e enviados especiais de quase todas as nações, jornalistas, interessados e curiosos. Todos estão de acordo na deterioração cada vez mais evidente que a Terra apresenta, mas é quase impossível que cheguem a um acordo em soluções práticas e imediatas. Como acontece sempre, nestes casos, são mais as palavras que os feitos, e gasta-se muito mais dinheiro em viagens, hotéis, receções e papel impresso, do que em medidas concretas perante situações assaz dramáticas.

A Terra está doente; o clima enlouquece-se, as secas e as inundações aumentam, assim como a fome e a poluição. Desaparecem as plantas e os animais e o aspeto do nosso planeta envelhece a cada dia, numa ascensão brusca e imparável.

Mas os interesses criados são maiores a estes efeitos malignos, que já não passam despercebidos para ninguém. Têm mais peso as lutas políticas e os dividendos económicos das indústrias, do que a saúde da Terra e de todos os seus habitantes… Aqueles que agem assim, relegando as soluções para um amanhã difuso, fazem recordar-nos que “depois de mim, o dilúvio”. O que equivale a dizer… ali os nossos filhos e netos.

O Dilúvio de Noé e Companheiros (c. 1911) por Léon Comerre. Musée d’Arts de Nantes. Domínio Público.

O que nunca se toma em consideração é a sabedoria ancestral dos povos da antiguidade, que proclamavam que a Terra é um ser Vivo, inteligente, mais evoluído que os homens que suporta na sua superfície e com um destino próprio que nada nem ninguém pode alterar. É fácil agir impunemente perante um planeta que parece não reclamar nada; é difícil reagir a um Ser inteligente que de repente nos pode cobrar a conta por tantos desastres cometidos.

Hoje a Terra chora, sofre pelos homens que a ignoram e maltratam. Expressa o seu pranto com centenas de sintomas que deveriam ser mais que suficientes para chamar a nossa atenção.

Mas o orgulho ofusca os nossos olhos e cega-nos com a ilusão de que somos nós que valemos, para o bem e para o mal que nos possa acontecer.

Estaremos, todavia, a tempo de aprender a ver e saber fazer?

Se a Vida é Una, é Una para todos. Virão mais adiante, as tão apreciadas demonstrações. Hoje resta-nos o assombro, a dor, a impotência, a maravilha de viver neste mundo infinito, do qual apenas alcançamos compreender um grão de poeira e que, pelos vistos, pouco podemos fazer para ajudar, por mais que os nossos desejos de alento voem muito mais longe do que as nossas mentes.

 

Delia Steinberg Guzmán

Conferência apresentada em Madrid, em 1980
Publicado na Revista
Nueva Acrópolis, em 10-09-2022

Imagem de destaque: Fotografia espacial da Região Norte do Brasil, onde a vegetação da Amazónia, a maior floresta tropical da Terra, influencia fortemente o ciclo regional da água. Domínio Público.