O pensador americano Ken Wilber é bem conhecido em alguns círculos, como a psicologia transpessoal, mas apesar de ser o autor de 25 livros, ele é escassamente mencionado nos meios académicos. A sua abordagem não convencional, que tenta integrar opostos como ciência e espiritualidade, tornou-o difícil de classificar e colocou-o em conflito com o pensamento dominante.

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Na sua obra A Theory of Everything (2000), ele propõe uma “Teoria Integral”, uma teoria que desenvolveu analisando e sintetizando muitos modelos diferentes de realidade numa ampla gama de campos, da medicina e psicologia à política e teologia. É uma maneira de ver as coisas sobre vários ângulos, mantendo-se aberto a adicionar novas dimensões ou a mudar a sua própria teoria de maneira a melhorá-la. Como o próprio Wilber diz numa entrevista conduzida por Hector Gil na revista Esfinge, “o meu melhor talento é provavelmente o reconhecimento de padrões”.
Um dos modelos de sua teoria integral é mostrado no diagrama abaixo, conhecido como o modelo de Quatro Quadrantes, Tetra-Evolução ou Aqal. Este modelo pode ser usado como um método para resolver disputas e desacordos, por exemplo, ao nível político.
Na política, encontramos duas posições aparentemente antagónicas: liberal (esquerda) e conservadora (direita). Os liberais tendem a atribuir as causas do sofrimento ou da felicidade humana a fatores externos, como instituições sociais, condições económicas, bem-estar material, meio ambiente e desenvolvimento tecnológico. Os conservadores, por outro lado, costumam dizer que tais causas são encontradas no indivíduo, em fatores como escolha individual, moralidade, valores e propósito.
O que a Teoria Integral faz é propor uma terceira via que, em vez de opor as duas posições, tenta integrá-las. O método para tal fazer é partir do princípio de que ambas as abordagens interna e externa são igualmente reais e importantes, aceitando que existe uma necessidade de melhorar as condições externas e do indivíduo em desenvolver força e desenvoltura internas. No entanto, o que acontece com frequência é que nenhum dos lados verá o valor do outro e ficam presos numa batalha interminável e estéril.
Do mesmo modo, Wilber distingue entre visões “subjetivas” e “objetivas” da realidade e afirma que ambas são igualmente válidas e importantes. Como exemplo, podemos observar as nossas próprias ações ou as de outras pessoas e veremos que sempre há elementos subjetivos e objetivos envolvidos. As ações de uma pessoa não podem ser interpretadas apenas em termos das suas ações objetivas; intenção subjetiva é igualmente importante. Da mesma forma, propósito, que é um fator subjetivo, tem um impacto na maneira como vivemos, na medida em que, se alguém não tem um sentido de propósito na sua vida, pode cometer suicídio. Por outro lado, quando alguém encontra um sentido de propósito, a sua aparência externa pode-se transformar e tornar-se mais interessante e atraente externamente, como resultado de ser mais realizado. Victor Frankl, em O Homem em Busca de um Sentido, explora essa questão através das suas próprias experiências como sobrevivente de um campo de concentração.
Wilber não acredita que todas as posições sejam iguais. No entanto, de facto, uma das suas afirmações mais controversas é que as hierarquias são um fato da natureza que não pode e nem deve ser negado. Existem hierarquias no desenvolvimento da consciência em todos os reinos da natureza, incluindo o humano. Assim, alguns seres humanos estão num nível superior de desenvolvimento consciente, sem que isto signifique que as perspectivas daqueles que estão num nível inferior devam ser rejeitadas como inválidas, pelo contrário, todos os níveis devem ser integrados em um todo maior. É uma ideia que pode dar origem a uma visão elitista dos seres humanos, mas, porque se baseia num princípio de integração (isto é, que todos os níveis são válidos), isto é teoricamente evitado. Pode-se imaginar, no entanto, que pessoas que se consideram pertencentes a um dos níveis mais altos se considerariam superiores às do nível mais baixo.
Para explicar a sua teoria, Wilber emprega o modelo do “holon” e da “holoarquia”. Um holon é um todo que se torna parte de um todo maior, como um átomo dentro de uma molécula ou uma molécula dentro de uma célula. A unidade maior integra a menor, de modo que o todo maior seja mais do que simplesmente a soma de suas partes; cada novo nível adiciona uma nova dimensão.

3 Ken Wilber. Creative Commons
A título de exemplo, se olharmos para as sociedades humanas, veremos que algumas pessoas veem as coisas de um ponto de vista tribal, que Wilber chama de “etnocêntrico”, considerando que a sua nação ou etnia é superior a outras. Outras pessoas, com uma visão mais ampla, veem as coisas de uma maior perspectiva humanitária. No entanto, Wilber propõe que aqueles com uma perspectiva mais ampla não devem rejeitar aqueles com uma perspectiva mais limitada, mas integrem o seu ponto de vista e tentem ampliá-lo, esclarecendo e educando-os. Infelizmente, geralmente isto não acontece hoje em dia, porque aqueles com uma visão do mundo mais esclarecida têm medo de serem considerados elitistas se tentarem educar os menos esclarecidos, e então optam por denegri-los, o que os torna não apenas elitistas, mas também egoístas e narcisistas, porque estão mais preocupados em preservar a sua própria imagem como pessoas iluminadas do que em ajudar os outros. Talvez possamos ver aqui porque Wilber tornou-se impopular em alguns círculos.
Este horror a hierarquias surgiu, segundo Wilber, da mentalidade hippie dos anos 60. No entanto, não é a hierarquia em si que é prejudicial (afinal, a palavra significa “ordem sagrada”). O problema é a confusão que surgiu entre o que ele chama de hierarquias de desenvolvimento ou crescimento e “hierarquias dominadoras”, que são aquelas contra as quais as pessoas se rebelam com razão. Uma hierarquia de desenvolvimento é, por exemplo, uma hierarquia de estados de consciência, que vão dos mais limitados e exclusivos a perspectivas mais amplas e mais inclusivas da realidade. Na sua visão da evolução da consciência humana, Wilber classifica este desenvolvimento como partindo da postura egocêntrico-egoísta, através de um nível tribal (grupo) etnocêntrico até uma orientação multicêntrica de cuidado universal: de “eu” para “nós” (mas contra o “não-nós”) para “todos nós juntos”. Consequentemente, quanto mais alguém se eleva numa hierarquia de crescimento (crescimento da consciência), mais inclusiva a pessoa se torna; enquanto que quanto mais alguém se eleva numa hierarquia de dominadores, mais privilegiado e exclusivo ele se torna. Confundir os dois tipos de hierarquias e querer eliminar todas as hierarquias, no entanto, afasta as pessoas da possibilidade de crescimento e apoia as estruturas existentes que procuram oprimir e dominar as pessoas.

Hippies no Festival de Woodstock de 1969. Creative Commons
Podemos ver um exemplo disto nas religiões. As religiões podem-se tornar hierarquias dominadoras quando são arrebatadas por pessoas sem escrúpulos que as usam para fins políticos. No entanto, a função original de todas as religiões, fundadas por seres humanos altamente desenvolvidos que vivendo em conexão direta com Deus (a realidade não dual) em todos os momentos das suas vidas, é, na metáfora industrial de Wilber, atuar como correias transportadoras que podem levar as pessoas de um nível ao seguinte. No nível inferior, de acordo com Wilber, temos “religiões sociais” nas quais as pessoas realizam ritos e cumprem obrigações de maneira mais ou menos mecânica, na esperança de conquistar o favor dos seus Deus(es) que os recompensarão com boa sorte e prosperidade. No próximo nível, o seguidor de uma religião tentaria integrar os ensinamentos morais da religião na sua vida quotidiana e tentaria vivê-los, em vez de apenas se conformar às regras e rituais pelo bem das aparências. Mais alto ainda seria a união mística com Deus e a experiência direta da última realidade não-dual.
Desta maneira, de acordo com o princípio de integração de Wilber, todas as formas religiosas (exceto as formas “dominadoras”, que são uma distorção e negação da verdadeira religião) devem ser adotadas e integradas como trampolins necessários para os níveis mais elevados, mais reais de experiência direta.
Em resumo, a Teoria Integral de Wilber oferece uma maneira de resolver as aparentes contradições da vida de uma maneira mais harmoniosa do que se faz atualmente. Se tivéssemos uma abordagem verdadeiramente mais integral da vida, provavelmente seríamos capazes de resolver muitos dos problemas sérios e aparentemente intratáveis que a humanidade enfrenta hoje em dia.
A visão de Ken Wilber sobre seu trabalho foi expressa a um amigo, Raquel Torrent, nos seguintes termos: “Escrevo para que as pessoas se apaixonem pela sua alma, o seu caminho evolutivo e se possam ver no espelho da consciência” (conforme citado no artigo de Torrent na revista espanhola Esfinge).
Julian Scott
Publicado em Biblioteca Nueva Acrópolis em 22 de agosto de 2019
Referências do artigo
Wilber, Ken. A Theory of Everything. Shambhala Publications, 2000
Imagem de destaque: Montanhas no nevoeiro. Domínio Público