No Egito ninguém “pertencia” a uma religião, não havia osirianos, ísisianos ou amonianos. Havia sacerdotes desses cultos, mas em muitos casos permutáveis, como uma espécie de cargos administrativos, e em qualquer caso os Sumos Sacerdotes desses cultos eram apenas representantes do faraó e este representava todo o povo perante o mundo do divino, sem distinções.
Apenas Akhenaton quebrou o pacto. Hoje querem apresentar a sua figura como exemplo de um iluminado “pré-monoteísta”, filmes, livros e artigos pretendem-nos convencer de que foi quase um santo incompreendido que tentou instituir o culto quase monoteísta de Aton contra os arqui-malvados sacerdotes do deus pagão Amon. Mas a verdade é que aos olhos de toda a história egípcia, de toda a nação, ele foi um herege louco e criminoso. Na realidade, tudo é falta de compreensão sobre os símbolos do passado, por um lado, e pelo outro propaganda interessada das religiões monoteístas do nosso tempo. Vejamos.
Amon representava o Espírito oculto atrás do Sol, ou seja, de todo o nosso sistema solar, e também, uma vez que o próprio Sol era símbolo da divindade, do espírito oculto de Deus no Universo. O Sol, em si mesmo, nunca foi para os egípcios mais do que um símbolo da Unidade essencial em todas as coisas e da Unidade divina em todo o Universo, pois os egípcios não ignoravam a existência da estrela Sírio, a qual consideravam a estrela central em torno da qual girava o nosso sol. Portanto, não acreditavam que o nosso sol fosse um deus, mas que representava Deus, tal como uma cruz representa o deus cristão.
Quando Akhenaton suprimiu o culto de Amon, contra a vontade de todos e com uma violência semelhante à da Gestapo, impôs o culto de Aton, substituiu um conceito de tipo universal e imaterial por outro de categoria física e inferior, já que Aton é o próprio disco solar. Aquela reforma, juntamente com o facto de impor à força não só uma religião para todos, mas também proibir a liberdade religiosa existente, foi um pesadelo para os egípcios. Akhenaton, de facto, foi realmente o precursor das religiões monoteístas que se seguiram: ele foi o inventor da Inquisição.
Os neteru, por outro lado, especialmente se nos referirmos a “seres divinos” no sentido de homens iniciados ou entidades superiores, sem necessariamente implicar o que entendemos por deuses, vivem no seu próprio mundo: o Neterjert, traduzido por “domínio dos deuses”, embora, na realidade, fosse mais correto traduzi-lo por “lugar subterrâneo dos deuses” ou, também, poro “lugar divino e subterrâneo”. O seu significado é, portanto, próximo ao de Ra-stau, que discutiremos mais adiante, como câmaras subterrâneas das iniciações.
Juan Martín Carpio
Publicado na revista Alma Egípcia em Abril de 2016