De acordo com a lenda medieval, do Egito, o filósofo grego Parménides inventou a lógica enquanto sentado numa rocha no Egito. Isto indica a crença de que a filosofia grega foi muito inspirada pela sabedoria do Egito, e isso revela que isto não é somente uma lenda. Pitágoras – o grande inventor da palavra filosofia na Grécia – foi avisado pelo seu professor Thales para viajar para o Egito, onde o próprio Thales tinha sido ensinado. E Platão ele mesmo passou vários anos estudando com sacerdotes egípcios em Heliópolis.

Porque, então, a maior parte dos livros nos dizem que a filosofia começou na antiga Grécia? Porque, de acordo com a nossa atual visão do mundo, herdada dos séculos XVIII e XIX, é impossível acreditar que um povo como os egípcios, que acreditavam em magia, pudessem ter tido uma filosofia. E ainda agora, de acordo com o recente livro do antigo sábio Egípcio Ptahhotep1, os antigos egípcios tinham uma palavra para filosofia: merut nefret, que significa desejar sabedoria ou desejar um ideal, que é praticamente idêntico à palavra grega filosofia, ou amor à sabedoria. O filósofo é a pessoa que ama a sabedoria e quer tornar-se sábio, ou alguém que ama o ideal e pretende alcançá-lo na sua vida. Ptahhotep torna isto ainda mais explícito na seguinte afirmação: A pessoa educada é aquela que alimenta a sua alma realizando na terra o ideal nele contido. Por outras palavras, todos nós temos um ideal no eu interior e aquele que tem o sentido desse ideal esforça-se por trazê-lo à realidade. Este é o significado original de filósofo em ambas as tradições da Grécia e do Egito.

Ptahhotep foi vizir (grosseiramente o equivalente a primeiro-ministro) do Rei Izezi faraó da Quinta Dinastia, que reinou aproximadamente entre 2410 e 2375 a.C. Ele era assim, uma pessoa com altas responsabilidades, que ao tempo em que escreveu o livro, dizia que tinha 110 anos de idade. Se literalmente é verdade ou não, ele começa o livro por descrever realisticamente as dores e deficiências da sua velhice e, das suas enfermidades, não deixou de discordar do pedido do rei para passar a sua sabedoria para benefício das futuras gerações: de tal forma pudessem atuar como modelo para os filhos de pessoas responsáveis (funcionários governamentais e líderes comunitários), que deviam ser educados a escutar cada informação que lhes fosse transmitida. [Porque] ninguém nascerá já sábio.

Papiro de Prisse. Egito 187. Máximas de Ptahhotep (75-123). Manuscrito do Império Médio, 12ª dinastia, c. 1800 a.C., Zunkir. Creative Commons.

Os ensinamentos neste livro (e outros como estes, porque no antigo Egito existia uma total tradição de literatura da sabedoria), eram desenhadas para instruir pessoas responsáveis nas melhores formas de ser e de agir, que significa viver de acordo com Maat2, o princípio da verdade e, portanto, da justiça. Maat permeia o universo e personifica as leis básicas de toda a existência. Viver de acordo com Maat traz contentamento na vida, enquanto a transgressão das leis da vida acarreta futilidade e morte. Desta forma, Ptahhotep não faz qualquer apelo à autoridade da religião, somente às leis naturais da vida, o que na Índia é chamado Dharma.

Vamos agora olhar para alguns exemplos do livro mais velho do mundo e veremos para além da passagem de 4500 anos, que a sua relevância se mantém intacta. A razão desta contínua relevância é que a natureza humana, no essencial, não mudou, e porque a verdade (Maat) não tem mudado desde o princípio do tempo [literalmente desde o tempo de Osíris].

As instruções podem ser divididas em séries de O que fazer e O que não fazer.

O que não fazer:

Não seja arrogante: Não seja uma mente elevada porque você é educado. Consulte tanto os simples como os instruídos. A arte não tem limites e nenhum artista alguma vez atingirá a perfeição3.

Não entre em discussões: Se encontrar alguém procurando uma discussão – uma pessoa obstinada, mais esperta do que você – levante a sua mão e acelere delicadamente. Assim as suas vantagens em como discordar deles, eles não vão estar de acordo consigo. Fazer pequenos disparates sem conseguir entrar em discussão com eles. Deixe que digam que a contenção do tolo daquele que corresponde às suas vantagens [em alternativa, não termine mais zangado do que eles merecem]4.

Não seja ganancioso: Se deseja que a sua conduta seja exemplar retire de si mesmo qualquer mau comportamento, resista a toda a oportunidade de ganância. É uma infeção para a qual não existe cura. Infeta pais e mães, irmãos da mesma mãe. Aliena mulher e marido. É um composto de todo o mal, um pacote de tudo o que é detestável. Uma pessoa vai pela vida observando a verdade e caminhando um degrau de cada vez desta forma molda um legado, mas os gananciosos não deixam restos para trás.

Não crie receio: Não deve criar receio entre as pessoas, Deus responde em conformidade. Quando alguém diz «eu sou poderoso». Ele está dizendo: Eu estou preso na minha autoimportância.

Não repita fofocas: Não repita fofocas de alguém que não ouviu o assunto. A inveja é a origem do ciúme. Se for ciúme, repita somente afirmações dos factos.

O que fazer:

Aprenda com tudo o que lhe acontece: Procure o significado para si de todo o acontecimento, até que a sua conduta seja impecável. Verdade (Maat) é transformadora, sempre relevante. Nunca se alterou desde o início dos tempos.

Maat com a pena da verdade. Domínio Público.

Escute: Sempre que ocupar um cargo, deve deliciar-se em prestar atenção a todo o que o aborda com questões. Não os interrompa até que eles tenham esvaziado a barriga daquilo que tinham para dizer. Aqueles que confiam em si necessitam que algo seja feito a esse respeito. Nem tudo o que as pessoas lhe pedem pode acontecer, mas o objetivo de escutar é limpar o ar.

Escutar transforma o estudante que escuta. O que pode ser melhor para um estudante do que aprender aquilo que o professor fala? Envelhecerão e ficarão com isto. Escutar ou não escutar é uma escolha e a escolha de uma pessoa é vida, prosperidade e riqueza para elas. Tal como uma pessoa descuidada que não escuta, não há nada que possa ser feito por ela.

Sorria: Sorria todo o tempo do seu ser. O que saiu da loja não pode voltar. Por exemplo, palavras duras, uma vez ditas, não podem ser retraídas.

Seja autocontrolado: Quando a sua mente estiver transbordando restrinja a sua boca. Não tenha pressa, quando for a sua vez de falar, então dirá coisas apropriadas.

Seja um bom líder: Quando tiver poder, crie respeito conhecendo o seu negócio, e fale calmamente. Não dê uma ordem que não seja apropriada. A confrontação traz conflito. Quem se preocupa o dia inteiro, não inspira um único momento positivo. Quem se esconde o dia todo, não constrói liderança.

Em suma, os ensinamentos de Ptahhotep são práticas maravilhosas e são ainda baseadas numa profunda cosmovisão metafísica: uma visão de um cosmos ordenado, no qual nós seres humanos formamos parte integral e que tem um intrínseco sentido e propósito. A ideia básica por trás de tudo, desde o nascimento do universo para a frente, foi fundada com uma intenção. Esta intenção atua sobre uma potencial energia e matéria para produzir um estado de ir para a frente, fundado com uma intenção. Esta intenção atua sobre uma potencial energia e matéria para produzir um estado de devir que é um esforço para se tornar o que potencialmente é – para realizar na terra o seu eu interior, ou simplesmente ser. Existe um caminho em que tudo é compreendido, como uma semente é suposta tornar-se numa árvore. O mesmo se aplica ao ser humano. Assim, para os antigos egípcios, como o autor do livro acima citado diz, o ser é verdadeiro «ideal» ou «perfeito» (nefru) e fornece exemplo duradouro para os outros. Ou, como o rei Izezi disse: ninguém nasce sábio. Sabedoria e Ser têm de ser conquistados.

Julien Scott

in New Acropolis, Philosophy and Education for the Future

No. 62 Maio – Junho 2024

1 O Mais Velho Livro do Mundo: Filosofia no Tempo das Pirâmides, Bill Manley, Thames & Hudson, 2023.

2 Maat foi simbolizada como a deusa com uma pena na cabeça, filha do deus sol Rá, esposa de Toth (deus da sabedoria) e associada a outras divindades, tais como Osíris e Ptah, que eram conhecidos pelo título de Senhor de Maat. Ela representa não só a Lei, mas também a Vida.

3 Relembramos que o nome de Ptahhotep significa Ptah está satisfeito; e Ptah como deus criador, era (entre outras funções), o patrono dos artistas. O Supremo Sacerdote de Ptah era conhecido como o grande diretor dos artistas.

4A razão de existirem versões alternativas é que existe mais do que um manuscrito sobrevivente do livro de Ptahhotep.

Imagem de destaque: Ptahhotep, vizir do rei Izezi (5ª Dinastia), com duas perucas diferentes – Museu Imhotep em Saqqara, Kurohito. Creative Commons.