“Deixo isto para amanhã, bem pode esperar um dia…” No mundo da procrastinação, o hoje é um eterno amanhã, onde tudo acaba por se esbater. Um apelo para questionar o verdadeiro sentido das nossas ações?

Os nossos afazeres administrativos, o telefonema para aqui ou para ali, e até mesmo aquela magnífica ideia que tivemos enquanto tomávamos duche… O adiamento consiste em empurrar sempre para mais tarde aquilo que temos de fazer.

Procrastinadores, quem somos nós?

Um estudo estatístico, publicado pela empresa de serviços “je change fr. “ em 2018[1] revela que 49% dos franceses adiam o trabalho, pelo menos uma hora por dia, por motivações diferentes: “para o fazer em melhores condições”, para “reduzir o stress”, para “ser mais feliz”,…

O procrastinador retarda a execução daquilo a que se tinha proposto. A ação em vista, se tinha um valor simbólico ou emocional, transformou-se num fardo de poucos benefícios! Assim, o “procrastinador” ou “especialista em adiar” prefere orientar primeiro a sua ação para aquilo de que gosta, para aquilo que lhe parece mais “lúdico”. Fica indiferente ao que acontecerá no futuro, sendo mais forte a gratificação instantânea do que a justa ação a longo prazo. Os gregos falavam de acrasia, uma falta de vontade que nos leva a agir de acordo com as nossas preferências.

Confúcio. Public Domain

“Devemos fazer primeiro aquilo que nos custa, depois aquilo de que gostamos. É esta a virtude da Humanidade.”
Confúcio

Apesar das desculpas que o procrastinador dá a si próprio, não se trata de um problema difícil, grave ou “de momento adequado”. O filósofo americano John Perry[2] precisa: “Se o procrastinador só tivesse como tarefa afiar lápis, nenhuma força do mundo poderia levá-lo a fazê-lo.”

Numa palavra, não são as circunstâncias que resolvem. Se a vontade claudica, é porque a pessoa recebeu hoje a tarefa que um eu passado aceitou realizar. Que memória é que lhe resta de um primeiro impulso que o habitava nesse momento? Para responder às perguntas do sentido das coisas, a resposta da filosofia é voltar à fonte das mesmas.

Executantes, mas não atores

Muitas vezes, as nossas ações obedecem a uma vontade que é exterior a nós. Tratamos deste assunto porque chegou o prazo para isso, porque “é o que devemos fazer”. Achamos que devemos fazê-lo, sem sermos intimamente parte da tarefa.

No Ocidente, a moral do “Bem/ Mal” moldou muito a nossa forma de decidir as nossas ações, mas não chega para criar em nós o sentimento de implicação. Implicamo-nos naquilo que nos toca. Assim, o homem procura dar sentido àquilo que vive, àquilo que produz.

Epicurus. Public Domain

O apelo à procura

A procura é o instante de faísca, o momento em que nos apercebemos do sentido íntimo de uma coisa, que motiva, em seguida, a sua execução. A procura desperta no coração. Parte muitas vezes da constatação de uma falta, própria de cada um. Como tomamos consciência de uma necessidade, que tem para nós carácter de importância, decidimos agir para produzir aquilo que nos falta. E isso tanto pode ser algo de pouca importância, como a falta de conforto de viver num escritório desarrumado, que nos leva a arrumá-lo… Ou muito grande: a falta de laços humanos próximos que nos leva a criar um projeto unificador.

A convicção põe em movimento e dá a constância. Nunca resmungamos perante as tarefas, porque elas se tornam um meio de exprimir aquilo que conta, de sermos atores dos nossos valores. Num século XXI frenético, cabe a cada um de nós questionar-se sobre a sua procura para encontrar o sentido dos seus atos. Como Epicuro, já no século IV a. C. aconselhava: “temos de consagrar os nossos cuidados àquilo que produz felicidade, e isto é tão verdade que quando ela está presente, temos tudo, e quando ela não existe, fazemos tudo para tê-la.”

Audrey EG
Publicado em Revue Acrópolis, 4 de Outubro de 2019
Anotações

[1] https://www.jechange.fr/services/demenagement/guides/infographie-procrastination-4335

[2] John Perry, La procrastination. Pourquoi faire aujourd’hui ce eu l’on pourrait remettre à demain?, Éditions Autrement, 2018