Nada é mais natural para o Homem que a Natureza. Mas não natural no sentido filosófico da questão, como respondendo tudo a um plano ordenado da evolução e da lei divina. Natural no sentido humano, ou seja, que tudo está ao serviço do homem. Tudo existe simplesmente para o beneficiar, ou para que ele extraia benefício das coisas.
Todos os reinos inferiores ao humano, que convivem connosco dentro da estrutura da própria Natureza, estão à disposição. As pedras podem simplesmente ser utilizadas; as plantas são boas para comer ou fabricar coisas com elas; os animais comem-se – naturalmente – ou aproveitam-se para múltiplos trabalhos. A terra está para que germinem as sementes que nela deitamos, ou para nos proporcionar os seus tesouros escondidos com a maior rapidez e facilidade possíveis. E ainda ouvi dizer das estrelas, no céu, que são lâmpadas que Deus colocou para guiar o homem no seu caminho noturno; se isto é poesia, nada mais belo. Mas se é utilitarismo – o que receio que sim – encontramo-nos perante o facto de que as estrelas não têm outro remédio senão brilhar e iluminar, porque os homens – O HOMEM, o ser mais “perfeito” da criação – não consegue ver bem durante a noite…
Sob esta cor de cristal, é como ficamos presos no jogo de Maya, e como, longe de aprender do livro aberto que significa a Natureza, danificamos as suas folhas interiores e as suas capas sem a mínima piedade e sem nenhum benefício – agora sim – efetivo.
A Natureza é o cenário natural no qual podemos realizar as experiências próprias do nosso momento atual. Não só nós, os humanos, pois também vivem, experimentam, e se expressam dentro deste mundo as pedras, as plantas, os animais, os astros… O homem é apenas mais um degrau entre os muitos que compõem a grande escada da evolução. E quem sabe se não haverá outros seres que estão na Natureza, superiores ao homem, e que a nossa visão não consegue distinguir? Diremos que se conseguimos ver tantas coisas, porque não haveríamos de poder ver justamente o que é superior a nós?
Mas a matéria adota múltiplas – quase infinitas – formas de concretização. Algumas são concretas e visíveis, outras são menos e passam despercebidas aos nossos olhos. Quando a luz do sol inunda o céu e nos cega, diríamos, por acaso, que as estrelas não existem? E quando a noite cobre com plácida escuridão tudo à nossa volta, e então, sim, brilham as estrelas, diríamos que não existem as cores? Há momentos em que umas coisas se vêm e outras não. Há momentos em que umas coisas se manifestam e outras não. Mas todas vivem. Depende do momento, sim, e da nossa capacidade de observação, de compreensão e ainda de evolução.
Não basta ver para compreender. A falta de entendimento e de sabedoria reduzem enormemente a visão. Para quem a vida é questão de subsistência material, a Natureza é um elemento mudo. Para quem o despertar interior começou a manifestar-se, a Natureza é – como dizíamos antes e como tantos disseram – um livro aberto que apresenta incomensurável dose de conhecimentos. Uma folha de árvore, vista com indiferença, nada diz; mas ensina muito se se olhar atentamente: aparecem, então, mil e um detalhes inteligentes, que nos indicam claramente o estilo de vida dessa folha. A cor, a forma, o tamanho, as nervuras, a sua forma de receber o ar e o sol, todos são aspetos vitais e indicadores da inteligência que rege essa vitalidade.
Portanto, é provável que os humanos, cegos por Maya, não vejamos formas de vida superiores à nossa própria, apenas porque olhamos a Natureza com a indiferença do ignorante. Basta sacudir um pouco a sonolência para compreender.
Tal como na pedra se alenta o movimento da árvore; tal como nas plantas se alenta a futura sensibilidade do animal; tal como no animal se alenta a futura inteligência do homem, assim o homem alenta a futura sabedoria espiritual do super-homem. Basta libertar-se um pouco da monotonia para que o futuro vibre dentro de nós. Basta abrir os olhos para ver que o homem, carregado de tantas e tantas imperfeições, não pode ser o último e mais acabado modelo da Natureza. É suficiente querer para compreender que se no nosso interior podemos ver vislumbres do futuro, esse futuro pode existir já plasmado em alguma parte, em alguma dimensão, em alguma chave da nossa própria Natureza que, de momento, nos escapa.
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Céu e terra são os cenários da Natureza. No meio, as infinitas formas de vida que se expressam. Do céu, extraem a força cósmica do mistério sideral, o mistério do futuro. Na terra, afundam-se as suas raízes noutro mistério pretérito da constituição da matéria. Todas as formas de vida têm – no dizer de Platão – um pouco do mesmo e do outro, um pouco de matéria e um pouco de espírito, e levamos às costas o drama que representa conseguir o justo equilíbrio entre uma e outra parte.
Todas as formas de vida – incluindo nós, os homens – temos uma mãe e um pai. A mãe é a terra horizontal, generosa e fornecedora de alimento, capaz de cobrir-nos e de sacrificar-se silenciosamente a fim de satisfazer as nossas necessidades. O pai é o céu vertical, o que nos chama para cima, obrigando-nos a levantar os olhos, o que não nos obriga, mas exige sacrifício, o que não dá facilidades, mas que promete saudáveis dificuldades. “Pelo áspero até aos astros…”
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Tudo na Natureza vibra e canta. Nada está quieto. Tudo se dirige até alguma parte, tudo cumpre o seu próprio destino.
Por isso, Pitágoras falava-nos da “música das esferas”, do movimento dos astros e da sinfonia que eles faziam concordar com a rotação dos seus corpos celestes.
Também a nossa Natureza terrestre vibra e canta. Também nela há sons especiais que configuram o ritmo do seu próprio movimento. Já alguma vez ficaste em silêncio absoluto, ouvindo apenas o murmúrio da Natureza? Não da Natureza inventada pelos humanos, não o ruído das grandes cidades, não o das máquinas. Ouviste o som natural do vento, das folhas das árvores, das ondas do mar, dos milhares de animaizinhos que pululam ao nosso redor quase sem nos darmos conta?
Dizem os que sabem que a nossa Natureza, a nossa Terra, canta o som que chamamos Fá… A nossa escala musical baseia-se em sete sons: do, ré, mi, fá, sol, lá e si. Sete sons que correspondem a sete cores. O nosso, o da nossa Natureza, o que conseguimos perceber, é o som intermédio, o mesmo do homem crucificado no espaço, com três sons por baixo e três para cima, com uma parte de caminho percorrido e a outra parte por percorrer. A mescla do mesmo e do outro. Essa é a Natureza. Basta sacudir-se um pouco a sonolência para a ouvir cantar. Ela está viva; é a nossa fonte de vida material; nela se protege Maya, jogando com ela e connosco. Nada mais natural.
Delia Steinberg Guzmán
Extraído do livro Os Jogos de Maya. Editorial Nova Acrópole
Imagem de destaque: Galáxia do Sombrero. Domínio Público