Nos primeiros meses de 2020, John Williams dirigiu um concerto com a sua própria música em Viena, com a Orquestra Filarmónica da cidade, onde teve como solista convidada a violinista Anne-Sophia Mutter. Àquela data, Williams tinha 88 anos recém cumpridos, um mérito acrescido, a meu ver, dado o esforço que representa dirigir um concerto em qualquer idade. Aquele concerto, que me apressei a gravar, teve para mim um acrescido prazer visual por ser pré-pandemia, quer dizer que o teatro estava completamente cheio e ninguém necessitava ainda das omnipresentes máscaras (tapa bocas ou cobre bocas noutros países) de que ainda não podemos prescindir em 2022, quando escrevo.
É evidente que seria impossível incluir num concerto toda a música escrita por John Williams ao longo dos anos, pelo que, neste caso, tratava-se de uma seleção de obras suas, imagino que realizada pelo autor. Algo que me chamou a atenção foi o muito que disfrutavam na ocasião os membros da orquestra, que somaram à excelência musical da sua interpretação uma alegria evidente ao interpretar algumas das obras do programa.
É raro, hoje em dia, ter como maestro o autor de obras quase imortais. O programa incluía desde obras que, honestamente, não recordava, até algumas das mais conhecidas e que sem dúvida formam parte do acervo musical do nosso tempo. Williams é considerado um compositor neo-romântico – o período romântico compreendeu todo o século XIX e princípio do século XX –, é dizer que o seu estilo encaixa com o daquele período. Tal, francamente, não deve surpreender-nos, já que se trata de expressar emoções por intermédio da música que completam ou, por vezes, dão sentido às imagens que vemos na tela. Isto é, em que o valor narrativo da música é fundamental não só como acompanhamento, senão como elemento indispensável nas películas, e é aqui que John Williams brilha com luz própria. Um claro exemplo disto encontra-se no filme “Tubarão”, onde um ostinato de duas notas representando o tubarão a aproximar-se perigosamente se tornou fundamental para o êxito do mesmo.
Breve resumo
John Williams nasceu em 1932 em Nova Iorque, numa família musical, sendo o pai um músico percussionista. Em 1948, a família mudou-se para Los Angeles, onde, enquanto frequentava a universidade, estudou também composição em privado com Mario Castelnuovo-Tedesco, um autor italiano emigrado nos Estados Unidos que criara mais de uma centena de composições para guitarra.
Anos mais tarde, entrou na Julliard School de Nova Iorque com a firme intenção de converter-se em pianista de concerto, mas, depois de ouvir os seus contemporâneos Van Cliburn e John Browning, decidiu focar-se na composição. No entanto, durante essa época trabalhou como pianista em clubes de jazz da cidade. Naturalmente, ao terminar os estudos na Julliard e na Eastman School of Music, voltou a Los Angeles onde trabalhou na orquestração de temas para filmes e com compositores como Franz Waxman, Bernard Herrman ou Alfred Newman. Também trabalhou como pianista de estúdio para as orquestrações e gravações de temas de compositores como Jerry Goldsmith, Elmer Bernstein, Leonard Bernstein e Henry Mancini.
Na década de 1960, ganhou notoriedade em Hollywood pela sua versatilidade em compor jazz, obras para piano, assim como sinfonias. Compôs temas para várias séries de televisão como “O túnel do tempo” ou “Perdidos no espaço”, para mencionar apenas algumas. Em paralelo, começou a compor para cinema, chegando à sua primeira nomeação para os Óscares em 1967, tendo sido galardoado por “O violino no telhado” em 1972.
É a partir da década de 1970 que a sua carreira se consolida com títulos como “Encontros imediatos do terceiro grau”, “Superman”, as sagas de “A guerra das estrelas” ou “Indiana Jones”. Nas décadas seguintes, podemos mencionar, entre muitos outros, “A lista de Schindler” ou a saga de “Harry Potter”. Digamos que a lista é quase interminável e de uma qualidade extraordinária.
Consideração pessoal
Há pouco mais de um século, quando já se podia vislumbrar os Estados Unidos como a potência emergente ou do futuro – naquela época – em contraposição aos decadentes impérios europeus, era lógico pensar que, como nova potência praticamente em todos os âmbitos, haveria de produzir os seus próprios génios e figuras destacadas nos diferentes campos e disciplinas do saber. E, assim, perguntava-se quando apareceria e quem seria o grande génio musical norte americano. Claro que o conceito de música erudita estava em mudança com o fim do romanticismo, mas vários foram os autores postulados nesta categoria. Alguns nomes foram considerados, como Aaron Copland, Ferde Grofé ou George Gershwin, um meu favorito. No entanto, a conclusão a que chegaram foi surpreendente, para dizer o mínimo, já que se considerou que o verdadeiro génio musical norte-americano foi, nada menos, que Louis Armstrong. Tal implicou automaticamente elevar o jazz à categoria de música erudita, como se pode apreciar na difusão radiofónica hoje em dia, com numerosos programas dedicados a este género musical.
Pois bem, pessoalmente e considerando que o cinema tem sido a arte do século XX – do século XXI ainda é cedo para saber – e pelo facto de que a música erudita evoluiu ou caminhou por outros trilhos, creio ser aqui onde se devia procurar.
Vale a pena um exemplo para sustentar a minha ideia. Nunca consegui perceber “A sagração da Primavera” de Stravinsky, nem a sua relação com a beleza primaveril, até que assisti ao filme “Fantasia”, de Walt Disney, e me dei conta de que este homem a entendeu, embora noutro contexto, o da extinção dos dinossauros. Encaixa maravilhosamente.
São muitos os compositores que, não podendo ser aceites pelo establishment musical contemporâneo, encontraram refúgio no cinema. Um deles é John Williams, um dos melhores e mais prolíficos e cuja obra teria podido, na minha opinião, ser considerada – se bem que extemporânea – naquela eleição do génio norte americano.
Alfredo Aguilar
Imagem de destaque: John Williams. Creative Commons