Neste artigo pretendo demostrar que a Música das Esferas pitagórica e a Voz do Silêncio transmitida por Blavatsky são sinónimos e representam a unidade.
- A Música das Esferas
Na antiguidade grega pitagórica era difundida a conceção de que o mundo se originara e consistia em sons. A relação entre os números é que estabelecia a ordem, sendo que a frequência do som é inversamente proporcional à longitude da corda. A manifestação do número mais sublime é a música, tudo o que se move produz uma frequência, e por isso um som. Os Planetas movem-se, produzem frequências e originam música.
Pitágoras dizia que os astros, durante os seus deslocamentos, emitiam certos sons harmónicos, a Música das Esferas. Ordenando os planetas de acordo com a relação entre as distâncias de cada planeta ao Sol, dividido pelo seu próprio raio, conseguiu relacionar a distância de cada planeta à sua estrela, de acordo com o seu próprio tamanho. Demonstrou que a relação entre a distância do planeta ao Sol e o seu tamanho, segue uma série de frequências de tipo musical.
Segundo afirmavam os pitagóricos “o universo foi construído com ritmo e harmonia e as esferas nos seus giros produzem música”.
O Sistema Solar seria, portanto, uma harmonia de formas e tamanhos equilibrados, que deslizando com velocidades ou um ritmo proporcional, origina uma harmonia musical. Mas, todo este conjunto está desenhado sobre a base de proporções numéricas.
No cosmos existe uma simples e profunda beleza propiciada pelas medidas e proporções, que somente um homem mais simples e profundo e de princípios nobres, como foi o homem grego, seria capaz de conceber e perceber.
Pitágoras chama em primeiro lugar a atenção para a ordem, a harmonia inquebrantável com que tudo se desenvolve, os sons incansáveis com que os ciclos tornam a aparecer uma e outra vez, cadenciadamente. Isto é Música!
Pela harmonia das esferas entendemos que, existem sons belos, encadeados que vão atando subtilmente as formas universais da vida. Assim entendemos que a música que chega aos nossos ouvidos é apenas uma sombra daquela outra Música Cósmica que provavelmente ressoará cadenciada e infinitamente do Espaço.
A Música não é obra nem criação dos humanos, ou pelo menos, dos humanos das cavernas e acorrentados na matéria. Ela apenas se torna percetível a certos génios que, nos seus lapsos de inspiração, conseguem ascender à esfera da harmonia. Estes são os homens que podem elevar-se até esse mundo superior e logo, transcrever, umas notas, ou uns acordes nos seus instrumentos, que deverão resumir o que eles perceberam, da forma mais clara que conseguirem exprimir.
Os sons não morrem no ar, não se desvanecem no tempo; basta querer ver para observá-los dançando no espaço, repetindo-se milhares de vezes na memória. É a harmonia que clama pelos seus ancestrais; é a música que se apresenta ante nós.
E é seguro que, se deixássemos penetrar essa harmonia no fundo do nosso próprio Ser, o ritmo universal traria a ordem no nosso microuniverso humano.
Porém, paradoxalmente, a Música das Esferas é a combinação de todos os sons, o que se traduz no silêncio. O silêncio é a manifestação natural da harmonia, do cosmos absoluto, da Música das Esferas que dita emoções e eleva o espírito, potencializa a nobreza de carácter.
Jâmblico diz que Pitágoras aplicava os seus ouvidos e concentrava a sua mente na sublime sinfonia do Universo e ia escutando e entendendo, a harmonia universal e o concerto das esferas e dos astros que se movem nelas. Esta harmonia produz uma música mais plena e intensa que a terrena, pelo movimento e revolução melodioso, belo e variado, produto de desiguais e de muitos diferentes sons, velocidades, volumes e intervalos. Ouvindo a música das esferas, Pitágoras escutava a voz do silêncio.
2- O Universo é Música
O Universo é vibração e toda a energia surge da vibração, assim como o som e a música.
A trindade da Música é composta de Ritmo, Harmonia e Melodia. Entender estes três componentes é entender a lógica do universo.
Ritmo vem do grego “rein” que significa “fluir”. O Universo é um fluxo constante, como um oceano cheio de correntes que se sucedem consecutivamente, que na sua interação alteram a forma de circulação, criando diferentes níveis de ressonância, ondas de vibração, dispostas em diferentes frequências de tempo, que na sua repetição, adquirem a ideia de serem “repetições de fluxo”.
Harmonia significa “acordo, concordância”, já que a sua raiz, “harmós”, significa juntar, reunir, ligar. A ideia universal de harmonia não está diretamente relacionada à música, mas ao conglomerado de diferentes frequências e vibrações que se ordenam entre si sem colapsar, articuladas.
Melodia vem do indo-europeu e grego “melos” que significa “partes, unidades”. Ao nível universal, cada aspeto, cada vibração que se une é uma parte, uma unidade de tempo e espaço que compõe algo que dá sentido. A melodia é o que transmite o sentido dessa unidade harmónica em todo o ritmo.
Ritmo é o fluxo constante em que se repetem padrões de vibração e frequência (espaço e tempo respetivamente), em que cada uma dessas repetições se combinam entre si, articulando-se em coerência e ordem, isto é, Harmonia, para que posteriormente as partes obtenham um significado lógico que possa ser transmitido, através da Melodia.
O cérebro humano gere dados na forma de pulsos, e só entende a beleza através desses pulsos elétricos. Assim, o ritmo é a forma como as informações são registadas na nossa rede neural, e a harmonia é o que permite que essas informações sejam interpretadas como positivas para o desenvolvimento, pois algo desarmónico poderia ser interpretado como uma ameaça à homeostase (o equilíbrio dos sistemas internos). O individuo só pode apreciar a melodia enquanto o cérebro se sentir confortável com a harmonia e o ritmo.
3 – A Música é Matemática
Para o cérebro, assim como para o Universo, a música é matemática. Portanto, os pulsos no universo são ordenados geométrica e matematicamente, o que desenvolve as chamadas “métricas” e “tempo”. A música precisa de um plano sobre o qual desenvolver os pilares do som, esses pulsos de som e silêncio em constante repetição são os alicerces do som melódico. E o que ouvimos é basicamente essa matemática.
O ouvido humano é capaz de ouvir uma frequência entre 20 e 20.000 hertz, ou seja, o número de vezes que algo pode vibrar por segundo. Esses hertz são o que determinam as escalas sonoras em termos musicais, criando a estrutura de repetições, São todos números, repetições, multiplicações.
E são essas multiplicações que geram a variação do que ressoa, criando harmónicos ao longo de um ritmo, é a métrica que permite que os objetos vibrem em ordem, o que é um prazer para o cérebro.
Musa significa “pensamento elevado”. As Musas eram as divindades que inspiravam os humanos, os espíritos que os encorajavam a encontrar as artes, a graça e a beleza na existência, que os elevavam a outro estado de consciência, despertando novas ideias, pensamentos.
As musas inspiram os homens. Não eram seres existentes em si, mas ideias, espíritos que se manifestavam nas nossas capacidades internas. Em grego “aquelas almas e espíritos que estão relacionados aos pensamentos que inspiram nossas mentes”, eram “Musiké”, que é a origem da palavra Música.
A música é a porta para todas as ideias, pensamentos, emoções, necessidades, crenças, é o vocabulário do espírito falando com a alma e se comunicando com o corpo. O desenvolvimento da música desde os tempos originais estava relacionado a todas as áreas da vida, não apenas à artística, mas à sobrevivência, construção, estratégia, plantio e cultivo, cerimónias, política. Tudo era uma música.
4 – A Matemática é Movimento
Os movimentos do universo entrelaçam as ondas criando padrões, figuras, que desenham estruturas. Este é o surgimento da matéria. A matéria, então, estaria em constante movimento. Tudo se move, e há diferentes formas de perceber esses movimentos. Isso está diretamente relacionado com o comprimento de onda em que cada objeto se desenvolve, ou seja, qual o nível de frequência que as suas ondas têm. Os objetos de maior gravidade, apresentam baixa frequência e, portanto, os seus movimentos são tão lentos que são impercetíveis aos olhos humanos, como a precessão dos equinócios da Terra. Por outro lado, eles podem ser tão rápidos que são impossíveis de ver, como o movimento de um elétron dentro de um átomo, ou fótons no ambiente. Tanto mais rápido quanto mais devagar, eles produzem o mesmo efeito: torna-se impossível observa-los. É isso que faz com que o cérebro o registe como estático, pois não percebe o seu movimento.
Mas tudo está em movimento, e uma das formas de entender isso é a transformação. Cada objeto que vemos passou por um processo de transformação que é considerado movimento. A taça é de gesso, mas um dia foi uma montanha em outra parte do mundo, o garfo é uma liga de metais que vem de pedreiras em outra parte do mundo. o espelho é areia, partículas fundidas de minerais que já estiveram em praias e desertos, provenientes da erosão das montanhas. Tudo o que parece estático está em movimento, em velocidades diferentes das nossas, e por isso nós não as percebemos com clareza, da mesma forma que os nossos olhos não conseguem perceber mais cores fora da faixa entre 350 e 800 nanómetros de frequência.
E todos seguem certos padrões rítmicos, uma métrica… que geram as estruturas: Tetraedro, Octaedro, Hexaedro, Dodecaedro, Icosaedro, e todos os que derivam dessas figuras.
Na maioria das culturas diz-se que a primeira coisa que surgiu no Cosmos foi um verbo, um nome, uma canção, uma palavra, que nós humanos chamamos de Som, ou seja, deve ter surgido do Silêncio. Mas na física, o som não é produzido por si só, ele precisa de dois objetos que gerem ondas na sua interação para poder sentir um som. Então, como o som, o verbo, as vibrações podem ter surgido de algo que não existe, de algo intangível.
O Universo é um continuum, não tem começo nem fim. A única coisa que tem a aparência de começo e fim é a sua expressão física, que nós percebemos através dos sentidos, porém, o que a faz existir não tem nada a ver com isso: a física descreve as leis do cosmos desde a visão atómica até o macrocosmo, mas não consegue explicar as leis do microcosmo que compõe o átomo, pois escapam da física, são “metafísicas”.
O Universo é um continuum então. Em outras palavras, nada nasce de tudo, e tudo do nada.
Ouroboros; a cobra que morde a cauda. O que interpretamos como começo e fim, como tudo e nada, são apenas os aspetos de um continuum.
Assim é o Universo. O momento do caos é o momento da criação, onde nada faz sentido, onde o homem procura, se desenvolve, se descobre, se desespera, se expressa, onde o cérebro dá tudo de si para encontrar significado nas coisas, E então, quando o descobre, quando encontra harmonia, perfeição, para, relaxa, fica estático, perplexo com o que vê, maravilhado, não pensa mais, o cérebro dorme, porque enfim ele entendeu, e agora ele só tem que sentir, contemplar. Nesse momento, todo o barulho que ouvia, nas perguntas, nas explicações, nas conversas, se transforma em silêncio. Todas as formas que viu e interpretou, como um quebra-cabeças, um puzzle, tocando cada uma das suas peças, agora se tornam contemplação. Esse é o momento em que ele compreende tudo, é quando ele se afasta da vontade de ser e contempla o que simplesmente é. Espantado, no silêncio, no vazio, no nada, pode ver a harmonia de tudo, o uno, e então reconhece a heresia da separatividade.
5 – O silêncio Cósmico é a Unidade
O Silêncio não gerou o Som, a Vibração, mas o Silêncio são todos os sons em harmonia, encontrando tanta harmonia entre si que a única coisa capaz de a expressar é o silêncio. O silêncio é o verdadeiro catalisador de uma Orquestra. Os sons só são compreensíveis e assimiláveis pelos silêncios entre eles. Os silêncios são mais importantes que o som em si, porque no silêncio assimilamos tudo o que vibrou, absorvemos cada vibração. Só então podemos retornar para expressar uma nova canção. Por isso é tão importante aprender a ouvir, escutar.
Ouvir, a ação física cujo equivalente espiritual é a meditação, que é o equivalente cósmico da harmonia e é o equivalente universal do vazio. O que chamamos Som é apenas uma das muitas expressões da vibração. Quando se ouve a expressão “O som viaja a tal ou qual velocidade”, é mais um desses consensos, mas não é verdade. O som não é algo separado que se move pelo espaço, o som é a manifestação da vibração do espaço. Tudo Vibra, é outra Lei do Universo. O nada em si é a união de todas as vibrações, e quando todas as forças vibracionais se somam, não podemos ouvir nenhuma delas, porque nenhuma está acima da outra.
A união de todos os sons é igual ao silêncio. O silêncio, então, não é a ausência de som, mas a união de todos, em harmonia. A única coisa que torna possível sentir o som é a sensibilidade e a capacidade de vibração do ouvido interno, e essa vibração é interpretada pelo cérebro como som, pelos pulsos elétricos gerados pelo minúsculo osso “martelo”. Então o som não existe fora, o som existe dentro.
Os sons são somente vibrações captadas por certos indivíduos, segundo a sua evolução. Quando o ouvido estiver pronto para ouvir uma certa vibração, então essas palavras serão ouvidas claramente, se o ouvido ainda não estiver pronto, então não haverá entendimento.
É importante ouvir, ficar em silêncio para entender, antes de fazer perguntas. A arte do silêncio, da meditação, da escuta, são chaves para entender as formas, é uma das práticas meditativas mais intensas: aprender a ouvir, ficar em silêncio quando o outro fala, mesmo que eu não concorde ou não esteja interessado no que ele diz porque quantas vezes perdemos respostas porque estamos distraídos, olhando para outra música. Quem escuta silenciosamente o outro, tem mais capacidade de compreensão, mais amplitude de perceção e, portanto, mais possibilidades de encontrar respostas. Pois no silêncio estão todas as respostas, mesmo aquelas que não consigo ouvir. É por isso que a meditação silenciosa é a chave para descobrir as respostas dentro de nós.
O silêncio contém todas as respostas, mas se me encontrar no ruído externo e interno, não serei capaz de ouvir com atenção e clareza. E o Som, então, é a força focalizada, expressa a partir dessa escuta, depois de entender, quando me lanço numa nova busca, numa nova aprendizagem, manifestando e criando uma nova vibração.
É importante entender, então, que a resposta não é apenas o silêncio, pois ele só é encontrado pela soma dos sons. É por isso que a expressão da palavra, da canção, das verdades, de libertar o que está dentro, cria os caminhos para encontrar a harmonia,
Eu sou, então, som e silêncio, porque sou vibração, mesmo assim não ouço, porque todos os sons estão em mim, e devo sintonizá-los, ou prestar atenção no silêncio para conseguir ouvi-los. Então posso entrar na constante cósmica. Eu sou a canção universal, eu sou o silêncio cósmico.
Helena Blavatsky, refere o quanto o silêncio é imprescindível para ouvir o todo, neste maravilhoso excerto de “A Voz do Silêncio”:
“Antes que ponhas o pé sobre o degrau superior da escada, da escada dos sons místicos, tens de ouvir de sete maneiras a voz do teu deus interior.
A primeira é como a voz suave do rouxinol cantando à sua companheira uma canção de despedida.
A segunda vem como um som de um címbalo de prata dos Dhyanis, acordando as estrelas lucilantes.
A terceira é como o lamento melodioso de um espírito do oceano prisioneiro na sua concha.
E a esta segue-se o canto da vina.
A quinta, como o som de uma fluta de bambu, grita aos teus ouvidos.
Muda depois para um clamor de trompas.
A última vibra como o rumor surdo de uma nuvem de trovoada.
A sétima absorve todos os outros sons. Eles morrem, e não tornam a ouvir-se.
Quando os seis estão mortos e postos aos pés do mestre, então entrega-se o aluno no Único, torna-se esse Único e nele vive.”
Rosário Falcão
Imagem de destaque: Harmonia das esferas. Creative Common