É comum encontrar pessoas para quem ter que escolher entre uma ou outra opção não é apenas difícil, mas quase um tormento. As escassas oportunidades que a vida oferece de escolher livremente, mesmo nos acontecimentos mais simples e quotidianos, vão consumindo essa capacidade tão humana e tão pouco utilizada por muitos seres humanos.
Embora, aparentemente, as sociedades civilizadas tenham traçado alguns canais de comportamentos que tentam cobrir todas as possibilidades, a existência é muito rica em variedade e surpresas e obriga a parar, a pensar, a escolher.
A dúvida de escolher entre uma e outra coisa surge desde logo a partir da marca ou qualidade do alimento que levaremos para casa, a cor de um fato, a quantidade de dinheiro que gastaremos naquilo de que gostamos… Temos de nos decidir por determinados estudos. Temos de decidir sobre como lidar com o tempo. Não é fácil escolher o parceiro certo por muito enamoradas que as pessoas se sintam. E além disso, onde viver? Em que trabalhar, se é que conseguimos trabalho? Onde ir de férias, se é que temos férias? E assim haveria uma lista que seria interminável se cada um adicionasse todas as suas próprias interrogações.
A falta de experiências de vida, sólidas, bem assumidas e assimiladas, torna muito difícil a escolha.
Por que é tão difícil escolher?
Há várias razões que podemos apontar, umas de carácter pessoal e interno e outras externas, mas que também afectam a desenvoltura psicológica e mental de quem precisa escolher.
A capacidade de escolha
É o resultado da experiência, do saber pensar e saber fazer. Não é uma questão puramente intelectual. O raciocínio pode levar a suscitar dezenas de argumentos a favor ou contra questões em causa, mas não é a razão que decide. Há algo mais para lá, algo mais forte e mais firme que nos move à acção: a vontade. E uma vontade não exercitada é como um músculo atrofiado; Ele não se move em qualquer direcção, porque ele simplesmente não se move.
A falta de experiências de vida, sólidas, bem assumidas e assimiladas, torna muito difícil a escolha. Fica sempre uma sensação de insegurança, de dúvida, de não se ter optado pelo correcto.
As escolhas que não nos pertencem
Um grande número de atitudes da nossa vida está já pré-definida. De isso se encarregam os valores sociais que imperam, os padrões morais, as modas, as conveniências, o prestígio, a aceitação por parte dos outros ou, pelo contrário, o medo da rejeição dos grupos constituídos.
Assim, em vez de escolher, há que aprender sobre o que fazem e dizem os outros, levando à adaptação a esse estilo aceite pelas maiorias.
Ir contra a corrente é nefasto. Às vezes não é mais do que o fruto de um impulso de rebeldia sem inteligência; às vezes é um grito de liberdade que se afoga na solidão da incompreensão. Equivale a destacar-se e ser apontado mas não como um valor humano ou como um génio, mas como um bicho raro e indesejável, como um elemento de discórdia.
Quase todos os adolescentes e jovens passam por esta fase de rebelião em que lhes custa aceitar tantas normas pré-determinadas perante uma corrente vital que os transborda; eles querem provar as suas próprias forças.
Mas não estão capacitados para escolher com total acerto, pois a sua experiência é pouca e porque, apesar da sua pujante energia, não sabem avaliar as opções em todas as suas dimensões. Eles podem, como no xadrez, planear uma jogada, duas, três ou cinco, mas não chegam muito longe nas suas análises nem nas consequências das suas decisões.
A Publicidade
É uma outra forma de pressão, mais ou menos forte, conforme os casos, mas que pesa sempre. Não necessariamente oriunda dos meios de comunicação, cheios como estão de sugestões ou requisitos que nos levam e trazem daqui para ali. Existem outros tipos de publicidade, melhor dizendo, uma outra propaganda mais subtil que se dissemina em forma de opiniões: umas elevam outras diminuem o prestigio de uma escolha, como se tratasse de uma bolsa de valores.
Sem darmos conta, começamos a chamar bom, mau, prático, elegante, detestável, interessante, terrível ou apetecível às coisas, seguindo o que nos ditaram, enquanto a consciência dorme e as ideias penetram subliminarmente sem a nossa intervenção.
O que é escolher?
É uma função da inteligência e não da razão.
Vamos tentar explicar. A razão é um instrumento que a nossa mente possui e que usa segundo e da forma que foi ensinada a fazer (ou seja, bastante pouco e mal). Deste modo não somos sempre nós mesmos que raciocinamos, mas sim todas as imposições e conveniências que referimos anteriormente.
Inteligência é discernimento; é conhecer bem umas e outras opções e poder escolher a mais aceitável segundo a experiência e critérios próprios. É ter clara consciência da decisão, é assumir a responsabilidade pessoal perante o resultado, êxito ou fracasso. É, precisamente por isso, inteligência.
Em nossa opinião, como dissemos no início, são muito limitadas as oportunidades para desenvolver e aplicar esse discernimento que sabe escolher e aprender em cada escolha.
Para começar, precisamos distinguir verdadeiramente todas as opções que a vida oferece em todos os sentidos. E isso é quase impossível, considerando os sistemas de educação que nos regem. Conhecem-se algumas opções, as previamente aceites por aqueles outros que as determinam e as restantes estão também previamente vetadas. Assim, não se pode escolher; em todo o caso, pode-se aceder a isso ou não, o que não deixa de ser uma frouxa forma de acção, já que a segunda possibilidade é apenas uma abstenção.
Por outro lado necessitamos activar o sentido da auto-responsabilidade, poder afirmar: sou eu quem decide por uma laranja ou uma maçã, por estudar química ou literatura, por viver ou deixar levar-me pela vida. Sou eu quem assume os resultados da decisão; por cada êxito ou fracasso, há uma nova experiência, sempre positiva que me permite aumentar as situações correctas e reduzir os erros. Não serve de nada culpar os outros, as circunstâncias, o destino ou mesmo Deus quando não ousamos exercer a nossa vontade e corrigirmos com firmeza quando nos equivocamos.
Os erros podem ser corrigidos na maioria dos casos; a anulação da mente e da vontade tendem a ser irreversíveis.
O que fazer quando não há nada a escolher?
Esta é a mais difícil das escolhas e a que infelizmente, nós enfrentamos nos últimos tempos.
Individual e colectivamente, cada um em seu lugar, cada povo no seu país, se vê coarctado por uma dupla impossibilidade de escolher: por um lado por falta de capacidade de discernimento e por outro por falta de opções válidas.
Hoje não se trata de decidir entre o melhor e o pior, nem sequer entre o mau e o menos mau; só temos para escolher o que se nos apresenta, ainda que não se ajuste às nossas necessidades, sonhos ou ideias.
É tristissimo, mas real a situação daqueles que não podem escolher o que vão comer e vestir; eles podem apenas ter o que existe, seja bom ou mau e na generalidade é pouco, igual para todos no melhor dos casos, porque outras vezes não há nada de nada.
O que estudar quando só se pode aceder aos lugares livres em algumas faculdades? Ou o que fazer quando cada escola tem as suas modalidades ideológicas predefinidas? Ou quando não há dinheiro nem mesmo para essas escassas possibilidades?
Que filme ver ou que programa de televisão escolher, quando todos são horrorosos e mórbidos, ou espectáculos vulgares e medíocres, que constituem uma afronta ao público? Claro há excepções, mas elas são tão poucas… O que ler quando não há quase nenhuns títulos para escolher? Com quem conversar quando o habitual é perder tempo em comentários insidiosos, críticas e repulsas?
Em quem votar nas eleições, quando uns e outros se têm encarregado de se desprestigiar e de se injuriar trazendo à luz os mais horripilantes escândalos que marcam as suas carreiras políticas e humanas?
Em que Deus acreditar quando todas as religiões prometem um céu que não chega nunca, em troca de alguns sofrimentos que não podemos ter? Como confiar e em que Deus fazê-lo se cada religião diz ser a única depositária da verdade e condena ao outros que vivem no horror e no pecado? Perante esta luta de poder, onde resta o pobre espírito do homem?
Para quê seguir com mais exemplos quando todos sofremos esta situação, ainda que nem sempre haja uma consciência lúcida deste flagelo?
A seca não só reduz o curso dos rios ou nos deixa sem água em casa. Ela também afecta outros aspectos da vida, transformando-a num deserto onde se usa o que se encontra ou se morre de sede.
O que fazer, então?
Como sempre, escolher, aprender a usar a inteligência para discernir, colocar cada coisa em seu lugar e escolher sabiamente, com bom critério.
Reconhecer que temos poucas opções, não porque não haja outras, mas porque de alguma forma a força reduziu as oportunidades. Quem exerce esta força? Isso é outra questão que não trataremos agora. O que importa, no momento, é saber que temos poucas saídas e o labirinto tende a aprisionarmo-nos. Sabê-lo é uma boa maneira de começar a pensar na forma de sair, de escolher escapatórias, soluções.
Que a falta de possibilidades que não seja uma venda para os olhos, ou uma nova armadilha para a inteligência e para a vontade.
Cada ser humano é uma possibilidade, uma nova via. E cada povo cresce na medida em que os seus homens são sábios, firmes nas suas ideias e decididos nas suas acções.
A mais difícil das escolhas é, ainda que não pareça, decidir-se a criar novos caminhos para voltar a escolher, a experimentar, a viver.