Artigo originalmente publicado por Helena Petrovna Blavatsky na revista Theosophist em outubro de 1886. Os termos egípcios não correspondem com a convenção atual, mas deixamos tal como os escreveu a autora.

A Paulthier, o especialista francês em assuntos indianos, pode ou não ser-lhe apontado demasiado entusiasmo quando afirma que a Índia aparece perante si como o grande e primitivo foco do pensamento humano, cuja chama contínua acabaria por estender-se e atear todo o ulherundo antigo[1] – e, no entanto, ele está certo ao afirmá-lo. Foi a metafísica indoária[2] que levou a mente ao conhecimento oculto – o mais antigo, a ciência-mãe, pois que contém em si todas as outras ciências. E foi o ocultismo – a síntese de todas as descobertas na natureza e, principalmente, da potência psíquica que reside dentro e além de cada átomo físico de matéria – que se tornou o vínculo primitivo que cimentou num só pilar as fundações de todas as religiões da antiguidade.

A centelha primitiva ateou verdadeiramente todas as nações e a Magia subjaz agora a qualquer fé nacional, seja ela velha ou jovem. O Egipto e a Caldeia estão na fila da frente dos países que nos fornecem mais evidências a este respeito, mesmo sendo impotentes em fazer o que a Índia faz – ou seja, proteger as suas relíquias paleográficas da profanação. As águas turvas do Canal do Suez, que chegam até às costas britânicas, carregam consigo a magia dos primeiros dias do Egipto Faraónico, enchendo com o seu pó esmigalhado os museus britânicos, franceses, alemães e russos. A antiga magia histórica reflecte-se então nos registos científicos do nosso século, que a renega. Ela esforça a mão e cansa o cérebro do cientista, rindo-se dos seus esforços para interpretar o seu significado na sua perspectiva materialista, ajudando porém o ocultista a perceber melhor a Magia moderna, a raquítica, frágil neta da sua poderosa, arcaica avó. Dificilmente um papiro hierático exumado juntamente com uma múmia enfaixada de um Rei ou de um Sacerdote-Hierofante, ou uma indecifrável inscrição carcomida pelo tempo de um local atormentado da Babilónia ou de Nínive, ou um antigo cilindro de argila, não forneçam novo alimento para o pensamento ou alguma informação sugestiva para o estudante de Ocultismo. No fim de contas, a magia é negada e apelidada de superstição do ignorante filósofo antigo.

Assim, há magia em cada papiro; magia em todas as fórmulas religiosas; magia engarrafada num frasco com milhares de anos e fechado hermeticamente; magia em trabalhos modernos e encadernados com elegância; magia nos contos mais populares; magia em encontros sociais; magia – pior do que isso, FEITIÇARIA – em todo o ar que se respira na Europa, América, Austrália: quanto mais civilizada uma nação, mais formidável e efectivo o eflúvio de magia inconsciente que esta emite e é armazenado na sua atmosfera circundante…

Feita tabu, ridicularizada, claro que a magia nunca seria aceite sob o seu nome legítimo; ainda assim a ciência começou a lidar com esta ciência ostracizada sob diferentes máscaras modernas, e de forma muito considerável. Mas o que há num nome? Será só porque se denomina cientificamente um lobo como um animal do genus cani, que ele se torna um cão? Os homens de ciência podem preferir chamar à magia aprofundada por Porfírio e explicada por Jâmblico de hipnose histérica, mas isso não faz dela menos magia do que é de facto. O resultado e desfecho da primeira Revelação feita às Raças anteriores pelas suas “Dinastias Divinas” de Reis-Instrutores, tornou-se conhecimento inato na Quarta Raça[3], a dos Atlantes; e este conhecimento é agora chamado de mediunidade nos seus raros casos de manifestação genuína “anormal”.

Recreação fantasiada da Atlântida afundada no oceano do mesmo nome  / Wikimedia Commons

Por si só, a história secreta do mundo, preservada somente em esconderijos longínquos e seguros, teria como, se contada sem reservas, informar as gerações presentes dos poderes que jazem latentes, e para a maioria desconhecidos, no homem e na natureza. Foi o terrível uso indevido dado à magia pelos Atlantes que levou a sua raça à destruição completa e ao esquecimento. A história da sua feitiçaria e dos seus malvados encantamentos chegou até nós, através de escritores clássicos, em pedaços fragmentados, como lendas ou contos de fadas infantis, sendo então atribuída a nações mais pequenas. Daí o desprezo pela necromancia, a magia goética e a teurgia. As “bruxas” da Tessália não fazem rir menos hoje em dia do que o médium moderno ou o teósofo crédulo. Isto é mais uma vez devido à feitiçaria, e a cada um de nós nunca deveria faltar a coragem moral de repetir o termo; pois foi a fatalmente abusada magia que forçou os adeptos, “Os Filhos da Luz”, a enterrá-la profundamente, depois dos seus devotos imorais terem eles também encontrado uma sepultura de água no fundo do oceano; colocando-a assim fora do alcance dos profanos da raça que sucedeu aos Atlantes. É então à feitiçaria que o mundo deve a sua presente ignorância acerca dela. Mas quem ou que classe na Europa e na América acreditaria neste relato? À excepção de uma, nenhuma; e esta excepção encontra-se nos Católicos Romanos e no seu clero; mas mesmo eles, enquanto levados pelos seus dogmas a dar crédito à sua existência, atribuem-lhe uma origem satânica. Foi esta teoria, sem dúvida, que impediu que se lidasse com a magia de modo científico.

Mesmo assim, nolens volens, a ciência tem que se ocupar do tema. A arqueologia, naqueles que são os seus departamentos mais interessantes – a Egiptologia e a Assiriologia – está fatalmente votada a isto, faça o que fizer. Isto assim é porque a magia está tão emaranhada na própria história do mundo, que se esta alguma vez tiver que ser escrita por completo, procurando a verdade e nada mais do que a verdade, parece então não haver qualquer apelo possível. Se a Arqueologia espera ainda fazer descobertas e relatos sobre escritos hieráticos que estejam libertos do odioso assunto, então a HISTÓRIA nunca será escrita, tememos nós.

Sacerdote Renpetmaa. Museu do Louvre / Wikimedia Commons

Simpatizamos profundamente com, e podemos facilmente imaginá-la, a posição embaraçosa de vários sábios e de Académicos e Orientalistas da Royal Society. Forçados a decifrar, traduzir e interpretar velhos papiros mudos, inscrições em estelas e tabuínhas babilónicas, eles encontram-se a todo o momento cara a cara com a Magia! Oferendas de devotos, esculturas, hieróglifos, encantamentos – toda a parafernália desta odiosa “superstição” – fitam fixamente os seus olhos, pedem a sua atenção, e preenchem-nos com a mais desagradável perplexidade. Pensemos somente em quais serão os seus sentimentos na situação que se segue. Um papiro indubitavelmente precioso é exumado. É um passaporte post-mortem dado à alma osirificada[4] de um recém-desencarnado Príncipe ou até mesmo de um Faraó, escrito em caracteres vermelhos e pretos por um culto e famoso escriba, da IV Dinastia digamos, sob a supervisão de um Hierofante Egípcio – uma classe considerada em todas as épocas e que ficou para a posteridade como a mais sábia das sábias entre os antigos sábios e filósofos.

As declarações aqui contidas foram escritas na hora solene da morte e enterro de um Rei-Hierofante, de um Faraó e governante. O propósito deste papel é a introdução da alma na horrível região de Amenti, perante os seus juízes, onde se diz que uma mentira pesa mais que qualquer outro crime. O Orientalista leva dali o papiro e dedica à sua interpretação dias, talvez semanas de trabalho, somente para aqui encontrar a seguinte declaração: “No XIII ano e no segundo mês de Schomoo, no dia 28 do mesmo, nós, o Primeiro Sumo-sacerdote de Amón, o Rei dos deuses, Penotman, o filho do delegado (ou substituto[5]) do Sumo-sacerdote Pion-ki-moan, e o escriba do templo de Sosser-soo-khons e da Necrópole Bootegamonmoo, começámos a vestir o falecido Príncipe Oozirmari Pionokha, etc, etc, preparando-o para a eternidade. Uma vez pronto, com prazer a múmia levantou-se e agradeceu aos seus servos, como também aceitou um manto feito para ele pela mão da “senhora cantora”, Nefrelit Nimutha, ida que foi para a eternidade no ano tal e tal – “algumas centenas de anos atrás!”. Tudo isto em hieróglifos.

Esta pode eventualmente ser uma leitura errada. Existem dezenas de papiros, no entanto, que guardam leituras e narrativas mais curiosas do que aquela corroborada neste, bem autenticados por Sanconíaton e Mâneton, por Heródoto e Platão, Sincelo e dezenas de outros escritores e filósofos, que também mencionam o tema. Estes papiros registam muitas vezes, de modo tão sério como qualquer outro facto histórico que não precisa de nenhuma corroboração particular, dinastias inteiras de Reis-Manes, isto é, de espectros e fantasmas. O mesmo se encontra nas histórias de outras nações.

Todos apelam para as suas primeiras e mais antigas dinastias[6] de governantes e reis, para aqueles que os Gregos apelidavam de Manes e os Egípcios de Ourvagan, “deuses”, etc. Rosselius tentou interpretar a enigmática declaração, mas em vão. “A palavra manes, significando ourvagan”, diz, “e significando o termo, no seu sentido literal, imagem exterior, podemos então supor que, se fosse possível trazer esta dinastia para um período histórico concreto, esta palavra referir-se-ia a alguma forma de governo teocrático, representado por imagens de deuses e sacerdotes”![7]

Uma dinastia de reis vivos, sempre actuando e governando, que por fim acabam por se tornar simples manequins e imagens; isto requereria, para ser aceite, uma muito maior porção de credulidade moderna do que aquela que teríamos que usar para com os “Reis Fantasmas”.

Eram estes Hierofantes e Escribas, Faraós e Reis Iniciados todos loucos ou fraudulentos, cúmplices e mentirosos, ao ponto de acreditarem eles próprios ou de terem tentado fazer com que outros acreditassem em semelhantes histórias, sem que houvesse qualquer tipo de verdade na sua base? E isto por uma longa série de milénios, desde a primeira à última Dinastia?

Da Divina Dinastia dos Manes ocupar-se-á a Doutrina Secreta de modo mais completo; porém alguns feitos podem ser registados a partir de papiros genuínos e de descobertas da arqueologia. Os Orientalistas encontraram uma tábua de salvação: forçados que foram a publicar o conteúdo de alguns papiros famosos, agora deram em chamar-lhe de “Romance dos dias do Faraó tal e tal”. O recurso é engenhoso, mas não absolutamente honesto. Os literatos Saduceus podem regozijar-se justamente.

Um destes é o papiro de Leipzig, do Museu de Berlim, agora comprado a este pelos herdeiros de Richard Lepsius. Está escrito em caracteres hieráticos na arcaica língua Egípcia (Copta antigo), e é considerado uma das mais importantes descobertas arqueológicas do nosso tempo, uma vez que fornece datas de comparação e rectifica muitos erros na ordem das sucessões dinásticas. Infelizmente, faltam os seus fragmentos mais importantes. Os egiptólogos mais letrados, que tiveram as maiores dificuldades em decifrá-lo, concluíram que se tratava “de um romance histórico do século XVI a.C. [9], que remetia para eventos ocorridos durante o reinado do Faraó Quéops, o suposto constructor da pirâmide assim chamada, que floresceu no século XXVI (?) antes da nossa era”. Mostra a vida egípcia e o estado da sociedade na corte deste grande faraó, quase 900 anos antes do pequeno dissabor entre José e a Sra. Potifar.

Khufu geralmente conhecido como Quéops / Wikimedia Commons

A primeira cena abre com o Rei Quéops no seu trono, rodeado pelos seus filhos, a quem ordena que o entretenham com narrativas acerca da mais remota antiguidade e dos poderes miraculosos exercidos pelos sábios reconhecidos e pelos magos, na Corte do seu predecessor. O Príncipe Chefren conta então à audiência como um mago, durante a época do Faraó Nebkha, criou um crocodilo a partir da cera e o dotou de vida e obediência. Tendo sido colocado por um marido no quarto da sua esposa infiel, o crocodilo apanhou a mulher e o seu amante, e arrastou ambos para dentro do mar.

Outro príncipe contou a história do seu avô, parente de Quéops, o Faraó Senefru. Sentindo-se abatido, ordenou que um mago viesse à sua presença. Este aconselhou como remédio o espectáculo de vinte lindas moças solteiras da Corte a divertirem-se num barco, no lago ali perto. As mulheres obedeceram e o coração do velho déspota “refrescou-se” então. Porém, de repente, uma das damas gritou e começou a chorar bem alto. Ela deixara cair na água, a 120 pés de profundidade, um rico colar. Então um mago pronunciou uma fórmula, pediu o auxílio dos génios da água e do ar, e mergulhando a sua mão nas águas, trouxe de volta o colar. O Faraó estava profundamente impressionado com este feito. Ele não mais olhou para as vinte beldades, “privadas das suas roupas, cobertas por rendas e por vinte remos feitos de ébano e ouro”; ordenando, isso sim, que fossem feitos sacrifícios aos espíritos daqueles dois magos quando morressem.

A este respeito, observou o Príncipe Gardadathu que os maiores entre estes magos nunca chegavam a morrer, e que um deles vivia até àquele dia ainda, há já mais de um século, na cidade de Deyd-Snefroo; que o seu nome era Deddy; e que tinha o poder miraculoso de reunir cabeças cortadas aos seus corpos e de devolver a vida ao todo, assim como também tinha plena autoridade e influência sobre os leões do deserto.

Ele, Deddy, saberia provavelmente onde procurar os materiais caros e necessários para o templo do deus Thot (deus da sabedoria), cujo edifício o Faraó Quéops estava ansioso por erguer junto à sua grande pirâmide. Depois de ouvir isto, o poderoso rei Quéops expressou o desejo de ver o velho sábio na sua Corte! Logo após o Príncipe Gardadathu encetou a sua viagem e trouxe consigo de volta o grande mago.

Após longas saudações e mútuos elogios e reverência, de acordo com o papiro, um longo diálogo ocorreu entre o Faraó e o sábio, que em síntese é assim:

  • “É-me dito, ó sábio, que a tua arte é capaz de reunir cabeças separadas dos seus corpos”.
  • “Eu posso fazer tal, grande Rei” – respondeu Deddy.
  • “Tragam sem mais demora aqui um criminoso” – disse o Faraó.
  • “Grande Rei, o meu poder não se estende aos homens. Eu posso ressuscitar somente animais” – observou o sábio.

Um ganso foi então trazido, a sua cabeça cortada e colocada no canto leste do corredor, e o seu corpo no canto oeste. Deddy estendeu os seus braços nas duas direcções e murmurou uma fórmula mágica. De imediato o corpo do pássaro levantou-se e caminhou para o centro do corredor, e a sua cabeça rolou ao seu encontro. Então a cabeça saltou para o pescoço ensanguentado; ambos reuniram-se; e o ganso começou a caminhar, sem grande mossa por ter sido decapitado.

O mesmo maravilhoso feito foi repetido por Deddy com canários e um touro. Depois, o Faraó desejou ser informado acerca do projecto do templo de Thot.

Thot / flickr

O sábio-mago sabia tudo sobre as velhas ruínas do templo, escondidas numa determinada casa em Heliopólis: mas não tinha o direito de revelar o que fosse ao Rei. A revelação tinha que vir do mais velho dos trigêmeos de Rad-Dedtoo. Esta era a mulher do sacerdote do Sol, na cidade de Saheboo. Ela viria a conceber os três filhos do deus-sol, e estas crianças terão um papel importante na história da Terra de Khemi (Egipto), visto que serão chamados a governá-la. O mais velho, antes de se tornar Faraó, viria a  ser Sumo-sacerdote do Sol na cidade de Heliopólis.

“Depois de ouvir isto, o Faraó Quéops arrancou as suas roupas em aflição: a sua dinastia seria então destronada pelo filho da deidade a quem ele estava a erguer um templo!”.

Aqui o papiro está rasgado; e faltando uma longa porção deste, à posteridade é negada a possibilidade de aprender o que o Faraó Quéops fez nesta situação de emergência.

O fragmento que se segue informa-nos acerca daquele que é evidentemente o tema fulcral deste relato arcaico – o nascimento dos três filhos do deus-sol. Assim que Rad-Dedtoo sentiu as contracções que anunciavam o parto, o grande deus-sol chamou as deusas Ísis, Nephthys, Mesenhentoo e Hekhtoo, e enviou-as em auxílio da sacerdotisa, dizendo: “Ela está em trabalhos com os meus três filhos que, um dia, irão reinar sobre esta terra. Ajudai-a, e eles erguerão templos para vós e farão inumeráveis libações de vinho e sacrifícios”. As deusas fizeram o que lhes fora pedido, e nasceram três rapazes, cada um com uma jarda de comprimento e com braços muito longos[8]. Ísis deu-lhes os nomes e Nephthys abençoou-os, enquanto as outras duas deusas confirmavam-lhes o seu futuro glorioso. Os três jovens tornaram-se eventualmente reis da V Dinastia, sendo os seus nomes Ouserkath, Sagoorey e Kakäy. Alguns milagres aconteceram depois das deusas terem voltado para as suas moradas celestiais. O milho oferecido à deusa-mãe voltou por si mesmo para dentro do cesto num anexo da casa de um Sumo-sacerdote, e os criados contavam acerca de vozes de invisíveis que cantavam aqui hinos que haviam sido cantados aquando do nascimento dos príncipes hereditários, e que os sons e as danças que faziam parte do ritual eram perfeitamente audíveis. Este fenómeno ameaçou, mais tarde, a vida dos futuros reis trigêmeos.

Uma escrava que havia sido punida pela Suma-sacerdotisa, fugiu da casa e falou assim às multidões reunidas: “Como se atreve ela a punir-me, essa mulher que deu à luz três reis? Irei fazê-lo presente ao Faraó Quéops, o nosso senhor”.

Neste ponto interessante, o papiro está mais uma vez rasgado, e o leitor é novamente deixado na ignorância do que resultou desta denúncia e de como os três rapazes pretendentes evitaram a persecução do líder supremo[10].

Um outro feito mágico é-nos apresentado por Mariette Bey (Mon. Dir. pl. 9, Persian epoch), a partir de uma tabuleta do Museu Bulak, acerca do Reino da Etiópia, fundado por descendentes dos Sumos-sacerdotes de Amón, no qual a teocracia absoluta floresceu. Era o deus em pessoa, parece, quem escolhia os reis a seu bel-prazer, e “a estela 144, que é uma declaração oficial acerca da eleição de Aspalout, mostra como decorreram tais eventos”. (Gebel-Barkal). O exército, reunido perto da Montanha Sagrada de Napata, escolhendo seis oficiais que tinham que se juntar a outros delegados de Estado, propôs que se procedesse à eleição de um rei.

“Venham”, reza a lenda assim inscrita, “venham, deixem-nos escolher o nosso mestre que será como um irresistível touro jovem”. E o exército começou a lamentar-se, dizendo – “O nosso mestre está entre nós, e não o conhecemos”. Outros observaram, “Sim, mas nós podemos conhecê-lo, mesmo se até agora ninguém o fez excepto Rá (o deus): possa o Grande Deus protegê-lo, seja ele quem for”. De imediato todo o exército exclamou: “Mas existe esse Deus Amón-Rá, na Montanha Sagrada, e ele é o deus da Etiópia! Levem-nos até ele; não falem dele em ignorância, pois que a palavra proferida sobre ele sem conhecimento não é boa. Deixem-no escolher, a esse deus, quem é o deus do Reino da Etiópia, desde os dias de Rá… Ele guiar-nos-á, pois que todos os Reis da Etiópia são saídos da sua mão, e ele dá o Reino ao filho que ama”. Isto é quanto disse todo o exército: “É um excelente discurso, de facto”.

Então a narrativa mostra os delegados devidamente purificados, prosseguindo para o templo e prostrando-se perante uma enorme estátua de Amón-Rá, enquanto formulavam o seu pedido. “Os sacerdotes Etíopes são poderosos. Eles sabem como fabricar imagens e estátuas miraculosas, capazes de movimento e discurso, que servem de veículos para os deuses; é uma arte que mantiveram dos seus antepassados egípcios”.

Todos os membros da família Real passaram em procissão à frente da estátua de Amón-Rá – esta não se mexia ainda. Porém, assim que Aspalout se aproximou, a enorme estátua agarrou-o com ambos os braços, e exclamou bem alto: “Este é o vosso Rei! Este é o vosso Mestre, aquele que vos fará viver!”; e os chefes do exército saudaram o novo Faraó. Entra no santuário e é coroado pelo deus, pessoalmente, e pelas suas próprias mãos; e então reúne-se ao seu exército. A festa acaba com a distribuição de pão e cerveja. (Gebel-Barkal).

Representação de Amon Ra

Há um número considerável de papiros e de inscrições antigas que provam, além da mais ínfima dúvida, que por milhares de anos Sumos-sacerdotes, magos e Faraós acreditaram – além das massas – na magia, além de a praticarem; sendo estas últimas responsáveis por denominarem-na de malabarismo habilidoso. As estátuas tinham que ser fabricadas porque, a menos que fossem feitas de certos elementos e pedras, e fossem preparadas sob certas constelações específicas, e isto sempre de acordo com as condições prescritas pela arte mágica, os poderes divinos (ou infernais, se quisermos), ou FORÇAS, que se esperava que animassem tais estátuas e imagens, não poderiam actuar nelas. Uma pilha galvânica tem de ser preparada com metais e materiais específicos, não ao acaso, se se quiser que produza os seus efeitos mágicos. Uma fotografia tem que ser obtida sob certas condições específicas de obscuridade e com certos químicos, antes que possa atingir o seu propósito.

Há cerca de vinte anos atrás, a arqueologia foi enriquecida com um documento egípcio muito interessante, oferecendo a perspectiva desta antiga religião acerca de fantasmas (Manes) e da magia no seu geral. Chamam-lhe o Papiro de Harris sobre Magia (Papyrus Magique). É extremamente curioso pelo seu contributo para com os ensinamentos da Teosofia Oculta, e é muito sugestivo. Ficará para o nosso próximo artigo sobre a Magia.

Quadro-negro 76 do Papiro de Harris I, British Museum, Londres / Wikimedia Commons

 

[1] Ensaio. Prefácio. Colebrooke.
[2] Foi somente através do Sr. Barthélemy St. Hilaire que o mundo aprendeu que no que respeita à metafísica, o génio Hindu havia ficado numa espécie de estado infantil de sub-desenvolvimento.
[3] a Doutrina Secreta explica que toda a evolução da humanidade na terra se divide em 7 etapas que a autora chama raças-raíz (que pouco ou nada têm que ver com o conceito atual de raça). um termo mais apropriado seria “humanidades”.
[4] Não é necessário dizer ao leitor que cada alma nascida novamente no seu ciclo de 8000 anos após a morte do corpo que animava, tornava-se, no Egipto, num “Osíris”, era osirificada, isto é, a personalidade ficava reduzida aos seus princípios superiores, um espírito.
[5] “Substituto” era o nome dado ao pai do “Filho” adoptado pelo Sumo-sacerdote Hierofante; alguns destes ficavam celibatários e adoptavam “Filhos” tendo em vista a transmissão do poder e a sucessão.
[6] A Doutrina Secreta ensina que aquelas dinastias eram compostas por seres divinos, “as imagens etéreas das criaturas humanas”, “deuses” na verdade, nos seus luminosos corpos astrais; os Shista dos manvantaras precedentes.
[7] Ippolito Rosselini, Vol. I, “História dos Monumentos do Egipto e da Núbia”, (p.8). Ele acrescenta que Manetão e as antigas Crónicas concordam em traduzir a palavra manes por nekhues. Nas Crónicas de Eusébio de Cesareia, descobertas em Milão e anotadas pelo Cardeal Mai, a palavra nekhues é também traduzida por urvagan, “a sombra exterior” ou “imagem etérea do homem”; em suma, o corpo astral.
[8] Supostamente durante a XVIII Dinastia de Reis, de acordo com as Listas Cronológicas de Manetão, desfiguradas até ficarem irreconhecíveis pelo competente Eusébio, o tão inteligente Bispo de Cesareia.
[9] Braços longos no Egipto era, como agora na Índia, um signo do nível de mahatma ou de adeptado.
[10] Isto é o mais lamentável – diz o tradutor do papiro – que “detalhes lendários, apesar dos conteúdos do papiro de Leipzig, são evidentemente baseados nas mais antigas tradições; e emanam como factos de testemunhas oculares e de provas em primeira mão”. Os dados do papiro são absolutamente coincidentes com os factos conhecidos, e estão de acordo com as descobertas feitas pela Egiptologia e com as informações obtidas acerca da história e dos eventos longínquos dessa “terra de mistério e charada”, como lhe chamou Hegel. Posto isto, não temos nenhum motivo para duvidar da autenticidade da narrativa geral contida no nosso papiro. Revela-nos até novos factos históricos. Aprendemos assim, antes de mais, que (Kefren) ou Chephren era filho de Kéops; que a V Dinastia tem origem na cidade de Saheboo; que os três primeiros Faraós eram irmãos – e que o mais velho dentre eles foi um Sumo-sacerdote solar em Heliópolis antes de ascender ao trono. Por escassos que estes detalhes nos possam parecer, eles tornam-se importantes na história dos eventos retirados da nossa vista por mais de quarenta séculos. Finalmente, o papiro de Leipzig é um documento extremamente antigo, escrito na antiga língua Egípcia, enquanto os eventos narrados neles podem, pela sua originalidade (magia?), serem colocados a par das melhores narrativas Egípcias traduzidas e publicadas pelo famoso egiptólogo e arqueólogo, o Sr. Maspero, no seu trabalho denominado “Contos do Antigo Egipto”