«É do Sol que vem o nosso espírito, Noüs (alma imortal); da Lua vem a nossa alma, Psyché (pensamentos e sentimentos) e da Terra vem o nosso Corpo, Soma».

Pitágoras, segundo Plutarco.

Por ocasião do 50º aniversário dos primeiros passos do homem sobre a Lua, organizou-se no Grand Palais uma bela exposição sobre «A Lua, da viagem real às viagens imaginárias»[1]. Propomos-vos evocar o que ela simboliza através dos tempos.

Satélite da Terra, este astro modesto tornou-se no imaginário dos homens, a segunda luminária, duplo noturno do Sol, cuja luz reflete rítmica e fielmente a luz sobre o nosso planeta. É devido a uma relação perfeita entre distância (400 vezes mais próxima da Terra do que o Sol e de dimensão (400 vezes mais pequena), que os dois discos podem, em certos momentos, encontrar-se e esconder-se como por ocasião dos eclipses.

Um Eclipse Total da Lua. Needpix.com

A Lua, olho da noite (ou a Lua na natureza)

O movimento regular da Lua à volta da Terra num período de vinte e oito dias divide o seu ciclo em quatro fases muito distintas. Quando se alinha entre o Sol e a Terra, não a vemos e chama-se Lua nova. De seguida, começa a crescer até tomar a forma de um croissant e é o quarto crescente. Sete dias mais tarde, situa-se atrás da Terra e recebe totalmente a luz do Sol, tornando-se a Lua cheia. O ciclo completa-se, ela volta a passar pelo interior da órbita da Terra no quarto minguante e, para acabar, volta à sua posição inicial de Lua nova.

Este corpo celeste influencia os ciclos das marés de acordo com a sua aproximação ou afastamento da Terra, assim como os ciclos da vegetação. O seu ciclo coincide igualmente com o ciclo menstrual feminino, e daí igualmente a analogia entre a mulher e a Lua, até porque a sua mudança de forma evoca o ciclo de gestação e de parto.

A Lua tornou-se desde sempre uma marca do tempo medido pelo seu ritmo e as suas variações septenárias que serão a base do mês e do calendário lunar.

As quatro fases do seu ciclo também podem simbolizar o ritmo de toda a ação como assinala Alexander Ruperti[2]. O período da Lua nova até ao quarto crescente é um tempo de «fecundação» para uma nova ideia ou projeto a realizar que será confrontado em seguida com a realização entre o quarto crescente e o quarto minguante, passando pela Lua cheia que conduz à objetivação, portanto à consolidação nos atos ou concretização do nosso projeto. E desde o quarto minguante até à Lua nova, é o tempo para fazermos o balanço, para olharmos para trás e tirarmos as sãs conclusões da nossa ação: o que é que fizemos de bem, em que é que nos enganámos, o que é que podemos melhorar da próxima vez?

Podemos falar de acaso nesta bela coincidência das distâncias e medidas do Sol e da Lua assim como com o ciclo feminino, ou antes de felizes sincronicidades «coincidências não causais significativas» como teria dito C.G. Yung?

Hécate tripla e as Graças, Ática, século III a.C., Gliptoteca, Munique. Domínio Público

As imagens simbólicas através do tempo

Para a mitologia grega, a Lua tem três rostos: Selene, o disco lunar no céu, Artemisa (a Diana romana), a virgem caçadora na terra e Hécate, a Dama dos três rostos, no mundo subterrâneo ou invisível.

A Lua cheia radiosa é Selene, a feminilidade radiosa e a maternidade. Ela preside ao signo de Câncer, no início do verão, signo de água, portador dos germes potenciais de toda a vida nova.

Os quartos crescentes estão relacionados com Ártemis, a mutante, tão depressa adolescente, como deusa sensata. Ela está neste universo claro-escuro, meio civilizado, meio selvagem e preside aos nascimentos e partos, porque ela própria ajudou Leto a dar à luz o seu irmão gémeo Apolo. Ela esconde e enlouquece ou então conduz à iluminação, na clareira que se ilumina de repente no meio da obscuridade da floresta.

Hécate, a Dama da sub-terra, sempre representada tripla, com uma chave, uma tocha e uma espiga, simboliza o mistério da negação do ser, do não-ser, da morte. Ela representa a necessidade que a nossa alma tem de se transmutar, de aceitar morrer para renascer, para encontrar a luz no meio do invisível.

De acordo com as diferentes civilizações, ela tomará o rosto de uma divindade feminina ou masculina.

No Egito, ela tomará os traços de Toth, deus da sabedoria e dos escribas, sob a forma de íbis, imagem da inteligência ou do babuíno, imagem da memória. Mas toma também os de Osíris despedaçada em 28 pedaços que evocam os dias de decrescimento e de crescimento do disco lunar. A sua recomposição está associada ao disco da Lua cheia, simbolizado pelo olho de Oudjat. A sua esposa Ísis, a grande mágica insufla-lhe vida e renascimento.

Na Índia, a Lua torna-se igualmente um deus masculino, Chandra e será associado ao deus da imortalidade, o Soma.

Na Mesopotâmia, ela será também um deus masculino, Nana na Suméria e Sin na Babilónia.

Para o Cristianismo, ela tornar-se-á quarto crescente aos pés da Imaculada Conceição, como está descrita na visão do Apocalipse de S. João.

E mesmo Santo Agostinho (séc. IV) faz uma alegoria do Cristo, que, como ela, morre e ressuscita ao fim de três dias.

«Todos os meses, a Lua nasce, cresce, atinge a sua perfeição, diminui, morre, renasce. O que acontece todos os meses com a Lua acontecerá uma única vez na ressurreição pelos séculos dos séculos.»[3]

Diana, a personificação da noite, pintado por Anton Raphael Mengs, Palácio da Moncloa, Madrid, 1765. Domínio Público

https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Geertgen_tot_Sint_Jans_-_The_Glorification_of_the_Virgin_-_Google_Art_Project.jpg

A Glorificação da Virgem, pintado por Geertgen tot Sint Jans, Museu Boijmans Van Beuningen, 1490. Representação da Virgem com a lua a seus pés. Domínio Público

A Lua na Arte

Na contemplação silenciosa, para lá do conhecimento, ela oferece o momento suspenso de uma experiência mais íntima, onde o discurso cede à poesia. Muitíssimos poemas e pinturas evocarão a sua potência e a sua inspiração como Rainha da Noite. A literatura, o cinema e até mesmo as bandas desenhadas fazem o mesmo.

Expedição à lua Apolo 11. Needpix.com

Viagens à Lua – do imaginário ao real

As viagens imaginárias à Lua remontam à Antiguidade com o primeiro texto que chegou até nós, o de Lucien de Samosate que sonha, por volta do ano 180, viajar até ela. Nas suas Histórias Verdadeiras, ele descreve os habitantes da Lua parodiando historiadores antigos como Heródoto.

Ela servirá de pano de fundo a sátiras, como no Rolando Furioso de Arioste (1516) onde o paladino Astolphe parte para a Lua para recuperar a razão de Rolando, encerrado numa garrafinha e num armário, que se torna o símbolo da loucura dos homens.

O Somnium (o Sonho) do astrónomo Johannes Kepler (1608) é um conto de ficção-científica onde o herói Volva chega à Lua graças a uma espécie de meditação astral.

Ele descobre pessoas que vivem na sua face visível e pessoas que vivem na face invisível. Ele queria transmitir através deste conto algumas das suas intuições astronómicas, reforçando as recentes descobertas do heliocentrismo de Copérnico. É no mesmo momento em que Galileu observa as manchas da Lua com a sua luneta fabricada em 1609 e que reforçam a «luamania» do séc. XVII.. Cyrano de Bergerac, o verdadeiro escritor tenta alcançá-la no Os estados e impérios da Lua (1657), e consegue-o com um foguetão.

Outras explorações fantásticas multiplicam-se durante o século XIX. O astrónomo John Herschel tinha criado um tubo aberto dizendo que tinha observado com o seu telescópio animais estranhos na Lua, até que a inquietação dos seus leitores o obriga a desmentir.

Mas a verdadeira ciência continua a progredir e a conquista da Lua torna-se possível. Em 1865, Júlio Verne, na obra Da Terra à Lua, e depois em À volta da Lua, imagina uma expedição científico-militar que consegue lançar à volta do planeta um projétil côncavo com um homem no interior. As suas descrições já têm um carácter muito científico e prefiguram aquilo que será a conquista da Lua. Aquele que se apoderou do assunto pousando verdadeiramente na Lua foi Hergé (1907-1983). No seu díptico Objetivo Lua (1953) e Andámos na Lua (1954), ele marca os espíritos. Tintin enche de gente o solo lunar 15 anos antes de Neil Armstrong e evoca a importância deste momento para a humanidade.

Depois da descoberta e da exploração da Lua, ela deixa de ser o centro da ficção- científica porque é destronada por Marte, Vénus e por uma sequência de galáxias longínquas. Um humorista diria mesmo «qual seria o interesse em se voltar a mostrar uma alunagem que centenas de milhar de espectadores viram em direto na televisão?»

Foi com a missão Apolo 11, que na noite de 20 para 21 de julho de 1969, dois homens andaram sobre a Lua. Neil Armstrong dirá: «Um pequeno passo para o homem, um passo de gigante para a humanidade» e Buzz Aldrin observa «uma paisagem terrível de desolação». O terceiro, Michael Collins ficou em órbita. A missão trouxe amostras de rochas e fotografias da Lua.

Mas serão as pesquisas dos Soviéticos (1959) e a missão Chang’4 dos chineses (2018) que conseguirão finalmente fotografar e estudar mais em profundidade a fase escondida da Lua.

Hoje, o nosso satélite é também objeto de uma cobiça inquietante para o futuro, tentação de um mundo terrestre sempre ávido de encontrar e de esmagar novos recursos.

https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Melies_color_Voyage_dans_la_lune.jpg

Conhecer a sua face escondida

Porta do outro-mundo, ligação com o invisível, fonte de medos e de pânicos, mas também de inspirações poéticas, a Lua continuará sempre a acompanhar-nos nesta busca de transcendência e de descoberta do que se esconde atrás das aparências. Como dizia uma personagem de Mark Twain: «Cada um de nós é uma lua com uma face escondida que ninguém vê.»[4]

Não o esqueçamos na hora de aprofundarmos o Conhece-te a ti próprio socrático e ousemos enfrentar as nossas sombras e as nossas faces obscuras para daí tirarmos um verdadeiro e profundo conhecimento de nós próprios, do universo e dos outros… o que é a continuação da divisa délfica: «conhece-te a ti próprio e conhecerás o universo e os deuses».

Laura Winckler

Publicado em Revue Acrópolis, 28 de junho de 2019

[1] Exposição no Grande Palácio, de 3 de abril a 22 de julho (2019), https:/www.grandpalais.fr/fr/evenement/la-lune

[2] Os múltiplos rostos da Lua, Alexander Ruperti e Marief Cavaignac, Edições Universitárias, 1984.

[3] A Lua e os seus quartos, Télérama fora de série, 2019, pág 19

[4] A Lua e os seus quartos, Télérama fora de série, 2019, pág 80