Até agora, a crença mais difundida sobre a razão de ser das pinturas rupestres é que se tratava de uma espécie de magia simpática, uma ideia desenvolvida por James George Frazer nos finais do século XIX que foi rapidamente abraçada pela comunidade científica. Esse conceito assumia, basicamente, que as pinturas eram usadas pelos caçadores para invocar ritualmente as forças da natureza, e que estas lhes proporcionaram uma caça bem-sucedida. E. H. Gombrich, na sua obra A História da Arte, refere-se a estas expressões pictóricas dizendo: «É provável que sejam vestígios daquela crença universal no poder de criação das imagens. Por outras palavras: aqueles caçadores primitivos acreditavam que simplesmente pintando as suas presas, talvez com as suas lanças ou machados de pedra, os animais reais sucumbiriam também ao seu poder.
Gombrich, prudentemente, adverte que isto é apenas uma conjetura baseada nos costumes dos povos primitivos dos nossos dias porque, evidentemente, não é fácil saber exatamente o que motivou aos homens da Idade da Pedra de praticamente todo o planeta a pintar imagens semelhantes nas paredes de pedra das cavernas.
Ao longo do tempo, a visão antropológica da arqueologia foi modificando a sua perceção sobre a arte rupestre e das pessoas que a executaram. Tanto é assim, que apoiando a crença de que todas elas foram feitas exclusivamente por homens, os novos estudos demostram não apenas que não há absolutamente nenhuma prova para apoiar tal afirmação, mas também que as novas descobertas sugerem que as mulheres do Paleolítico poderiam ser as responsáveis de muitas dessas pinturas. De acordo com um estudo liderado por Dean Snow, arqueólogo da Universidade da Pensilvânia, o estudo de impressões digitais recolhidas das marcas de mãos em oito cavernas de Espanha e França indica que 75% delas eram femininas.
Há algum tempo, alguns pesquisadores também começaram a questionar a explicação tradicional de que se trata de magia simpática, ou pelo menos não apenas isso. Aliás, há quem começou a arriscar a possibilidade de se tratar de algo não relacionado necessariamente com crenças mágicas, mas como representação de conceitos ou, por outras palavras, uma representação do mundo simbólico paleolítico, como aponta o arqueólogo espanhol Eduardo Palacio-Pérez, afastando-se assim do antigo paradigma, mas alertando que, realmente, saber o que verdadeiramente queriam representar os nossos antepassados não é algo fácil de demonstrar.
As pinturas como linguagem
No início de 2023, tornaram-se públicos os resultados de algumas investigações que, a confirmarem-se, darão uma importante reviravolta na interpretação que até agora se tem feito da arte rupestre. As manchetes da imprensa destacaram que um antiquário britânico chamado Ben Bacon, grande amador do estudo das imagens publicadas das pinturas rupestres, se apercebeu de umas marcas que costumavam acompanhar muitas das pinturas, arriscando que elas poderiam estar relacionadas aos ciclos da lua, como à reprodução de alguns animais.
Bacon colaborou com uma equipa de investigadores para procurar padrões repetidos em mais de 600 imagens de pinturas da Idade do Gelo em toda a Europa e, curiosamente, os encontraram. Esses padrões consistiam em sequências de pontos, linhas e marcas que apareciam ao lado das representações dos animais, assim como numa curiosa marca em forma de “Y” que os investigadores identificaram como um sinal de parto ou acasalamento. As restantes marcas encontradas parecem ter sido utilizadas para fornecer informações sobre os ciclos reprodutivos ou migratórios dos animais representados, que foram interpretados não como entidades individuais, mas como representações de toda a espécie. Esses trabalhos foram publicados no Cambridge Archeological Journal e mencionam especificamente uma gruta espanhola, a de Pindal, em Ribadedeva, onde as imagens de uma espécie de salmão, um mamute e a cabeça de um cavalo são claramente acompanhadas das marcas em questão.
Por mais reveladora que seja essa descoberta, a verdade é que ainda estamos no escuro quando se trata de conhecer o pensamento do homem da Idade da Pedra. Porém, este trabalho aponta algo muito interessante: que, assim como nós, aqueles humanos se interessaram em registar os seus conhecimentos para poder transmiti-los depois, como uma ficha de experiência para as gerações futuras. Talvez, para entender aqueles primitivos humanos, basta entender que, sendo humanos, as nossas motivações, medos e desejos não mudaram tanto na sua essência.
Publicado na revista Esfinge em 1 de fevereiro de 2023
Para saber mais:
BBC: https://www.bbc.com/mundo/noticias-64175602
A voz das Astúrias: https://www.lavozdeasturias.es/noticia/asturias/2023/01/09/teoria-sacude-prehistoria-cuevas-asturias-tener-primera-escritura/0003167327912723387118.htm
National Geographic: https://historia.nationalgeographic.com.es/a/resulta-casi-imposible-conocer-significado-arte-paleolitico_9307
National Geographic: https://www.nationalgeographic.es/ciencia/los-artistas-prehistoricos-podrian-haber-sido-mujeres
Imagem de destaque: Pinturas Rupestres, Parque Nacional do Catimbau, Pernambuco, Brasil. Creative Commons